Depois de 86 e 2002, as coisas parecem ter entrado nos eixos. E esse é o primeiro passo para o sucesso na Rússia.
Nem Saltillos nem saltinhos. Nem campos inclinados nem socos em árbitros. Nem doping nem meninas. Se Portugal aprendeu com os erros, então tem de começar por dar aos 23 as condições para jogarem futebol e traduzir o nosso “bola no chão” por “profissionalismo e organização”. O registo de Portugal em Mundiais não é espetacular, longe disso, e, na Rússia, o objetivo do campeão da Europa terá de ser, em primeiro lugar, evitar coisas feias do passado. Muito feias.
Sim, houve um grande 66 e um bom 2006, mas sejamos justos: quando se pensa em Portugal num Mundial, ainda se pensa demasiado no Saltillo de 86 e num pequeno Saltillo, em 2002, que até direito a socos teve.
Para 86, no México, a qualificação de Portugal foi dramática, com o célebre pontapé de Carlos Manuel. O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Não é assim que se diz? Pois bem, a uma qualificação difícil seguiu-se o Mundial mais negro da história de Portugal. Primeiro, Veloso apanhado com doping. Depois, uma viagem surreal até ao México, com escalas em três cidades. Depois, em Saltillo, um campo de treinos inclinado (não, não é brincadeira). Depois, os roubos a elementos da seleção. Depois, a presença pouco discreta de companhia feminina. Depois, a falta de adversários de preparação. Depois, a rebelião dos jogadores com contratos de publicidade e afins. Depois – e pior do que tudo isto –, duas derrotas em três jogos. Ah, e a talhe de foice convém dizer que uma das derrotas foi com… Marrocos. Sim, os tais que Portugal vai defrontar na Rússia.
Ufa… já acabámos o resumo de Saltillo. Custou, mas foi. Nada correu bem nesse Mundial e o fantasma da falta de profissionalismo e organização paira, ainda hoje, nos escritórios da Cidade do Futebol. E ainda bem, porque unca é mau aprender com os erros.
O problema é que Portugal não aprendeu logo. Em 2002, na Coreia e no Japão, houve outro Saltillo. Mais pequeno, mas igualmente marcante. Problemas com o estágio, problemas com a adaptação mal planeada à Ásia, problemas de doping (sim, outra vez), mau ambiente na comitiva… enfim, tudo perfeito para mais um desastre. João Vieira Pinto ainda fez o favor de aplicar um soco num árbitro, no jogo frente à Coreia, tratando de garantir que Portugal ficaria mesmo pela fase de grupos.
Depois de 86 e 2002, as coisas parecem ter entrado nos eixos. O sucesso desportivo não tem sido constante, mas a logística, pelo menos, não tem trazido grandes problemas. E esse é o primeiro passo para o sucesso na Rússia.
O PERCURSO RUMO AO RÚSSIA 2018
Há pouco dissemos que o que nasce torto tarde ou nunca se endireita, não foi? Foi, mas a sabedoria popular também falha. É que a caminhada de Portugal para este Mundial começou torta – muito torta, mesmo –, mas endireitou-se. A derrota na Suíça, no primeiro jogo, fazia prever que, num grupo aparentemente acessível às duas equipas, tudo se decidiria no Portugal-Suíça do último jogo. E assim foi. As duas equipas venceram todos os jogos (com muitas goleadas pelo meio) e foi na Luz, na última jornada, que Portugal devolveu o 2-0 de Basileia. O registo goleador de Portugal colocou a seleção no Mundial, enviando os suíços para o playoff.
Ronaldo, com 15 golos em nove jogos, foi o segundo melhor marcador da zona europeia de qualificação, apenas atrás dos 16 de Lewandowski.
O JOGADOR A SEGUIR: Bernardo Silva
Há os consagrados Ronaldo, Pepe e Patrício, pelo que sugerimos que deitem o olho a Bernardo. Por vários motivos: primeiro, é dos jogadores mais utilizados no Manchester City, o que é, logo à partida, um tremendo cartão de visita. Depois, Bernardo é uma das novidades de Portugal relativamente ao Euro 2016. E uma bela novidade. É que Portugal tem, agora, uma arma-extra de desequilíbrio, de criatividade, de definição de jogadas e do “estás à rasca? Dá-lhe que ele segura”. Por tudo isto, Bernardo é um plus no Portugal de 2016, algo que até permite que Quaresma passe a ser aquilo em que é melhor: um agitador vindo do banco. Poder-se-á dizer que Bernardo dá a Portugal excesso de jogo interior – ambos os alas jogam de pé trocado –, mas que isto não nos distraia: ter Bernardo é um luxo. Um craque dos pés à cabeça e um dos indiscutíveis nesta seleção. E que feliz deve estar Ronaldo por ter Bernardo.
OS CONVOCADOS (lista final de 23 jogadores):
Guarda-redes: Rui Patrício, Anthony Lopes e Beto;
Defesas: Cédric Soares, Ricardo Pereira, Mário Rui, Raphaël Guerreiro, Pepe, José Fonte, Rúben Dias e Bruno Alves;
Médios: William Carvalho, Adrien Silva, João Moutinho, João Mário, Bruno Fernandes e Manuel Fernandes;
Avançados: Bernardo Silva, Quaresma, Gelson Martins, Gonçalo Guedes, Cristiano Ronaldo e André Silva.
O ONZE PROVÁVEL

O TREINADOR: Fernando Santos
GUIA BANCADA: O MUNDIAL EM HISTÓRIAS
Grupo A
Rússia: O dia em que Rússia boicotou e “roubou” a Ucrânia para jogar o Mundial
Arábia Saudita: A lenda do “Pelé do Deserto”, o terror de Setúbal
Egito: O futebol nascido de uma tragédia
Uruguai: Uruguai quer fazer um Maracanazo. Ou um Maracanazov
Grupo B
Portugal: Portugal, toca a jogar pelo chão que, de “Saltillos”, já foi suficiente
Espanha: O dia em que o General Franco teve medo dos russos e tirou um título à Espanha
Marrocos: “África minha” de Hervé Renard tem novo capítulo em Marrocos
Irão: Carlos Queiroz e o Irão: uma relação de amor e ódio
Grupo C
França: Didier Deschamps, o capitão da saga de 1998 em busca da redenção como treinador
Austrália: Um continente pequeno demais para uma seleção
Perú: O amor que os brasileiros ganharam ao Peru e a Cubillas, com a Argentina no meio
Dinamarca: Elkjaer fumava e bebia, mas corria que se fartava
Grupo D
Argentina: O dia em que Deus deu a mão para Maradona ficar na história do futebol
Islândia: Islândia e a aritmética que permite escolher os 23 convocados
Croácia: Quando Boban e Suker viraram heróis de uma nação
Nigéria: Yekini, um lugar na história da Nigéria e no coração dos portugueses
Grupo E
Brasil: Marinho Peres: capitão, desertor e um sonho que virou pesadelo em Barcelona