O Bancada falou com Manuel Machado e Armando Evangelista sobre o que muda quando se antecipa o início da pré-temporada
Na véspera de iniciar os trabalhos referentes a 2017/18, o SC Braga vai ser o primeiro clube da Liga a dar o pontapé de saída para a nova temporada. O encontro inaugural dos ‘guerreiros’ realiza-se ainda em julho, na terceira pré-eliminatória de acesso à fase de grupos da Liga Europa, e, nesse sentido, os minhotos entram em preparação mais cedo que os adversários portugueses, o que os pode deixar melhor colocados na pole-position do campeonato. “Poderá ser uma vantagem porque poderá levar dois/três jogos a mais de preparação, mas não me parece que seja uma coisa relevante precisamente porque os clubes têm todas as condições para preparar a pré-época”, revelou Armando Evangelista ao Bancada.
Por outro lado, a sobrecarga física causada pela antecipação do início da pré-temporada pode vir a ser prejudicial numa fase mais avançada da época. Também ao Bancada, Manuel Machado corrobora com esta ideia. “É evidente que poderemos ter resultados para as tais eliminatórias e playoff de acesso à competição europeia, mas a médio/longo prazo é preciso estar precavido porque pode, daí, advir, um esforço adicional que pode depois trazer problemas no último terço da prova principal, a Liga”, considerou.
Prevenir para não ser preciso remediar
No caso dos bracarenses, orientados por Abel Ferreira (na foto), o início da pré-temporada acontece menos de um mês depois do último jogo realizado pela equipa. A 22 de maio, na derradeira jornada da Liga, o SC Braga foi derrotado (0-2) em Tondela, num jogo que assegurou a permanência dos amarelos e verdes. Nesse sentido, e com onze meses de trabalho físico e psicológico pela frente, os treinadores e suas equipas técnicas devem tomar medidas especiais para proteger os seus atletas, segundo figuras com experiência no assunto.
“Há sempre alguns cuidados a ter. Isso [começar a pré-temporada mais cedo que o habitual] vai tornar a época mais longa e, só por si, em termos de volume de trabalho que está pela frente, há um crescimento. Esse é o primeiro dado. É mais uma competição na qual se participa e, por isso, há um acréscimo de esforço a ser feito”, começou por dizer Manuel Machado ao Bancada.
O técnico do Moreirense para 2017/18 estava no banco do Nacional quando os madeirenses disputaram o playoff de acesso à fase de grupos da Liga Europa, em 2014/15. A equipa insular perdeu os dois jogos com o Dinamo Minsk (Bielorrússia) e acabou por não se qualificar, mas a preparação para os encontros europeus exigiu uma pré-temporada mais longa e exigente. Para Manuel Machado, as implicações que uma pré-temporada madrugadora pode ter na restante época dependem da forma como a mesma é abordada.
“Se se fizer uma antecipação do início da temporada sem estarmos a pôr o enfoque na primeira das provas, que são as eliminatórias e o playoff da Liga Europa, isso só por si não arrasta grande coisa. São 15 dias que acrescem à época desportiva. Agora, se se planear a pensar nesses dois momentos, acelerando de forma abrupta, digamos assim, o início da temporada, isso poderá ter custos a médio/longo prazo. É evidente que poderemos ter resultados para as tais eliminatórias e playoff de acesso à competição europeia, mas a médio/longo prazo é preciso estar precavido porque pode, daí, advir, um esforço adicional que pode depois trazer problemas no último terço da prova principal, a Liga”, explicou o treinador de 61 anos.
Armando Evangelista treinava o Vitória de Guimarães no início de 2015/16, altura em que jogou duas vezes com os austríacos do SCR Altach na mesma fase que Manuel Machado, o playoff da Liga Europa. Tal como o colega, saiu derrotado nas duas partidas mas também teve de se preparar de forma diferente.
“Acima de tudo, o cuidado prende-se com o período de férias dos atletas. A quem termina uma época desgastante é importante dar-lhes descanso e um período de férias. Depois, é tudo uma questão de logística no que diz respeito a contratações e planificações, e às vezes é que aqui que se erra porque os clubes não estão habituados a iniciar esse trabalho tendo em vista uma data de um compromisso europeu”, assegurando ainda ao Bancada que “se houver esse cuidado em termos logísticos em antecipar tudo de forma a olhar para o compromisso europeu como primeiro jogo oficial com quatro ou cinco semanas de pré-época, as surpresas podem ser ultrapassadas”.
O técnico, que conta 43 anos, apontou ainda outra medida a tomar para se tirar o máximo proveito possível de uma pré-época que comece mais cedo. “Em Portugal estamos habituados em esperar pelo fecho do mercado. Estamos sempre à espera da melhor contratação, da contratação mais barata, e depois cometem-se erros crassos. Se se tiver algum cuidado nesse sentido, os principais obstáculos ficam ultrapassados”, disse.
O ano seguinte
As estatísticas dizem-nos que não há destinos certos para aqueles que jogam fases de qualificação para as competições europeias, ou seja, começar a pré-época mais cedo que os outros não faz com que o rendimento durante a totalidade do ano melhore ou piore.
O FC Porto terminou a Liga no terceiro lugar em 2013/14 e 2015/16, disputando nos anos seguintes os playoff de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões. Começando a temporada mais cedo e com maior intensidade devido a esses encontros, os dragões conseguiram ficar na segunda posição em 2014/15 e 2016/17, melhorando as classificações. O mesmo aconteceu com o Sporting, que ficou em terceiro no campeonato em 2014/15, foi ao playoff da ‘Champions’ na época seguinte e acabou na segunda posição.
Outro exemplo é o GD Estoril Praia. Os rapazes da linha conseguiram o quinto lugar em 2012/13, qualificaram-se para a terceira pré-eliminatória da Liga Europa, tendo passado com sucesso, assim como o playoff. O clube chegou à fase de grupos da prova e, mesmo assim, conseguiu melhorar e ficou na quarta posição em 2013/14, assegurando a qualificação direta para a fase de grupos da Liga Europa.
No entanto, também há exemplos negativos. Um deles aconteceu em 2013/14. Depois de um brilhante terceiro lugar na temporada anterior, o Paços de Ferreira qualificou-se para o playoff de apuramento para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Os ‘castores’ não conseguiram ultrapassar os russos do Zenit, mas o pior ainda estava para vir: terminariam essa edição do campeonato na 15ª posição, precisando jogar um playoff para não descerem de divisão.
Já em 2016/17, o FC Arouca esteve perto de atingir a fase de grupos da Liga Europa mas foi eliminado pelo Olympiakos no playoff. Ficou em quinto lugar em 2015/16, mas acabou mesmo despromovido à Segunda Liga na temporada que recentemente terminou.
Para os treinadores contactados pelo Bancada, começar a pré-temporada mais cedo não significa que a equipa vá estar pior no campeonato, desde que haja preparação para evitar essa situação. Armando Evangelista considera até que o maior problema é psicológico.
“Acho que não é com duas semanas a mais de trabalho que a equipa poderá ter essa quebra. Até porque todos os treinadores têm acesso a uma série de plataformas que ajudam a agilizar os índices físicos dos atletas e saber quando devemos ou não dar-lhes descanso. Em termos emocionais e mentais, é outra história. Aquilo que nós vemos é que sempre que temos clubes em Portugal que não estão habituados a ir a uma competição europeia, quando nela participam costumam ter muitas dificuldades no campeonato. É um fenómeno para o qual eu gostaria de ter uma explicação, mas não tenho”, admitiu.
Já Manuel Machado concorda que as equipas que comecem os trabalhos mais cedo chegam mais fortes na altura da competição, mas é da opinião que isso pode sofrer repercussões nos resultados.
“Isso não é uma folha quadriculada. É evidente que começando mais cedo, já com alguma competição, em teoria [a equipa] chegará um pouco melhor preparada. Mas o facto de correr muito rápido os primeiros 500 metros pode trazer custos para os últimos 500”, concluiu.