Na correria pacífica dos dias a aprendizagem pode ser paciente, mas se há coisa que no futebol não existe é paciência. Os resultados são a mola real que indica tantas vezes o caminho, nas retas do futebol e nas 'curvas' da relva. A vitória tem sabor intenso, viciante e a abrir sempre o apetite para mais. A dor, essa, ergue-se quando menos se espera e deseja.
A derrota é adversária, mas é tantas vezes princípio e não um fim, porque no futebol há sempre algo que está por fazer, algo por conquistar. E é nos momentos de dor que os históricos se revelam como grandes. É esse o pensamento que guia os dias do Leça, um emblemático clube do futebol português que tem o mar a seus pés mas que vive 'mergulhado' numa 'praia' que os adeptos não querem, porque sonham mais.
"Oh senhor, as obras estão a acabar?"
O Bancada visitou o Leça, um velho clube que se faz novo a cada dia que passa na dinâmica de desenvolvimento de uma estrutura cheia de ideias, projetos e sonhos, respeitando sempre "o passado deste enorme clube".
"Oh senhor, as obras estão a acabar? Tem que andar lestro", as palavras, com um sotaque tão leceiro, ecoam na cabeça dos adeptos do clube verde e branco, os que sentem, os que vibram na glória e sofrem no desaire. E a frase é tão carismática que serve de mote para a campanha do Leça em 2023/2024. E tanto assim é que José Luís Santos, líder da SAD do Leça, fez questão de a recordar na visita guiada que fez ao Bancada pelo estádio leceiro.
É no verde que se faz a esperança, é no trabalho de todos os dias que, dentro de campo e fora, a vida do Leça ganha vida. E quando tudo parecia o abismo, o poço tenebroso, surgiu a salvação.
O Leça caiu do Campeonato de Portugal para os distritais e agora é na Divisão de Elite da Associação de Futebol do Porto que o clube compete. E numa divisão tão "intensa, dura e competitiva", José Luís Santos, presidente da SAD do Leça, conta ao Bancada aquilo que é hoje o clube, aquilo que espera ser e o que tem sido feito naquela que é, para muitos, a 'terra mais bonita de Portugal'.
Porque o futebol será sempre argumento para estar "em família ou entre amigos" em "harmonia e com alegria", porque o futebol é, como diz o líder do Leça, um "espetáculo" que deve ser "saboreado", até porque "o que faz uma família às 16 horas de um domingo?"
A interrogação é feita por José Luís Santos, ele é o rosto de uma equipa alargada de profissionais que tenta devolver a esperança aos leceiros com uma "onda positiva" de um clube "positivo".
"Criamos uma lógica de espetáculo porque o que é afinal o futebol? Não é um espetáculo? As pessoas trabalham uma semana e vão ao futebol para se divertir, essa é a mentalidade norte-americana que eu gosto. Queremos ganhar? Claro que queremos ganhar, é isso que nos alimenta, mas podemos viver o futebol de uma forma positiva, com alegria", explicou o presidente da SAD do Leça.
De resto, José Luís Santos faz notar que foi por isso que a sua equipa de trabalho decidiu integrar diversão para os mais novos fora do estádio em dias de jogo com pinturas faciais, insufláveis e várias formas de atratividade.
"É importante envolver todos numa dinâmica positiva", completou o presidente da SAD leceira, confirmando que as obras em várias zonas do estádio servem também para dar um espaço "digno" a um clube que "merece a dignidade".
"Não podemos querer receber as pessoas cá num antro. Isso não dá prazer", justificou o responsável, certo de que o caminho que tem seguido tem tido "boa aceitação", visto que, lá por fora, há casos de sucesso destes.
José Luís Santos explicou-nos que o exemplo do Wrexham - clube britânico dos atores Rob McElhenney e Ryan Reynolds, que tem colecionado sucesso desportivo e fora dos relvados - mostra ao mundo que é possível viver o desporto "com alegria".
"Com as devidas distâncias foi um bocadinho aquilo que quisemos fazer aqui", revelou José Luís Santos na entrevista que decorreu no gabinete da SAD que tem vista privilegiada para o relvado do palco leceiro.
"Vale a pena vir aqui", desafia o presidente do emblema nortenho, confiando que com esta visão, no longo prazo, vai conseguir ter adeptos fiéis pois a "experiência de vir a um jogo destes é muito diferente de ir a um Dragão, Luz ou Alvalade."
"Primeiro, desde logo, pelos preços", detalhou José Luís Santos, realçando que pensa o futebol "numa lógica familiar e de amigos" e não no sentido individual. Desse modo, o preço dos bilhetes teve de se "ajustar".
"Uma família com dois filhos ir ao futebol é um luxo porque não consegue ir por menos de 100 euros", observou, contabilizando o valor de se ser sócio e ter descontos ou, em alternativa, não o ser e pagar os bilhetes aos preços que são praticados.
É contra essa lógica que José Luís Santos trabalha, tentando abrir o estádio do Leça a cada vez mais adeptos "a preços acessíveis." "Aqui consegue fazer por um 1/5 ou 1/4 desse valor."
"A segunda tem que ver com o facto de muitos dos nossos amigos não serem só do clube da sua terra e serem também adeptos do FC Porto, ou do Benfica ou do Sporting. Ou seja, apesar de eu ser do FC Porto, por exemplo, ou o meu amigo ser do Benfica ou do Sporting, aqui podemos viver uma experiência conjunta e todos somos do Leça".
"Ninguém começa a gostar de futebol porque vê uns programas na televisão a discutir penáltis"
E se na Seleção Nacional pode já haver "politiquice" e "joga este e não aquele", sendo que a turma nacional pode "não ser o agregador que era", os clubes da terra podem assumir esse espaço.
"O Leça, no que me diz respeito, quer ser agregador. É o clube de todos, o clube no qual as pessoas se podem identificar. É essa mensagem que queremos aqui no Leça. Vivemos um momento, felizmente, de uma reflexão sobre o que queremos do futebol", sublinhou este "apaixonado por futebol".
"Ninguém de nós gosta de futebol porque adorava ver uns programas durante a semana a discutir se era penálti ou se não era. Alguém diz que adorava aquilo e começou a ver futebol? Não é assim. As pessoas gostam de futebol pela herança cultural, de pai para filho, de tio, de avô, da vizinha, há sempre alguém que nos trouxe a ver um espetáculo pelo qual a gente se apaixonou, seja pela cor, pelo barulho mas, acima de tudo, pela espetacularidade dos jogadores, pelo jogo em si, pelas sensações que temos. É isto que eu quero no Leça, não quero o resto", abordou José Luís Santos.
"O futebol tem de ser um dia de família em que vamos com filhos sem medos de confrontos, todo um clima de agressividade verbal e às vezes físicas que só afastam as pessoas".
E nesta lógica fica outra reflexão que tem servido de guia para o Leça. "Os estádios hoje têm muito mais condições para as pessoas irem ao futebol. Por que é que cada vez menos pessoas vão?"
"Quando vou ver um concerto, não quero que o concerto acabe depois de dar a minha música favorita"
Num futebol que quer mais unir do que dividir, apaixonar por aquilo que é o indizível e não aparece nas estatísticas, o Leça aposta no amor ao futebol e ao profissionalismo para que as coisas possam chegar ao sucesso.
"Hoje em dia a qualquer hora a gente vê o que quer e continuamos a ver transmissões televisivas como eram há 30 anos atrás. Um a relatar, outro a comentar e um a reportar. Mesmo em termos de grafismo não há por cá grande novidade. É preciso alimentar o jogo dentro do jogo", dá o exemplo José Luís Santos, que adormece e acorda a pensar em dinamismo para o Leça, em fazer acontecer com a sua equipa de trabalho.
A mentalidade do Leça é fazer a "magia acontecer" e "aproximar as pessoas". "A magia de entrar num estádio vai continuar a sentir-se. Ver as luzes, o cheiro a relva, o barulho e isto cria impacto. Isto é diferenciado e impactante", acredita José Luís Santos, que vê o Leça como um clube "ótimo" para uma visão "refrescante" sobre aquilo que deve ser o desporto.
"Quero tratar o Leça como um espetáculo. Os latinos vivem o futebol de forma sofredora. Chegam cinco minutos antes ao joog, se a equipa deles marca, querem que o jogo acabe. Eu quando vou ver um concerto, se passar a minha música favorita, eu não quero que o concerto acabe logo. Os latinos quando estão a ganhar querem que aquilo acabe rápido", lamentou, realçando que há "muito stress".
"Acaba o jogo, uns saem mais cedo e foi isto o antes, o durante e o depois: stress. A malta fica desgastada. Não me interpretem mal porque isso faz parte mas para além disto, há uma cultura de jogo. Eu vou pelo jogo, mas também vou porque fazem uma animação, vou comprar umas camisolas, vou conviver com amigos e família."
O Leça quer ser um clube onde as pessoas se sintam "integradas". "Isto é uma festa para todos. Não é para alguns, nem é para quem quer criar o caos. Não é para uma elite. O que estamos a tentar fazer é um trabalho junto da comunidade".
"O Leça joga bom futebol, não é solteiros contra casados"
Depois de cair nas divisões distritais da Associação de Futebol do Porto, o Leça organizou-se e tem agora um plantel renovado, mas também as infraestruturas. De resto, algumas obras ainda decorrem no estádio. "Temos de melhorar sempre", confirmou José Luís Santos, mostrando-se agradado com aquilo que a equipa tem mostrado no relvado.
"Jogam bem à bola, tem qualidade. Alguns amigos meus já vieram cá ver e pensavam que era quase solteiros contra casados", afirmou o líder da SAD do Leça, confiando que o Leça será cada vez mais "agregador".
"As coisas míticas nascem assim. O sentimento é rápido a criar-se", vaticina José Luís Santos, que espera que futuros craques possam aparecer com ADN leceiro na equipa principal.
"Há muitos miúdos que jogam nas nossas camadas jovens. Há famílias que de outra forma não viriam para o Leça. Mas vão ver a formação e depois acabam por ver os seniores e dá para criar uma dinâmica de amizade e família muito gira", observou o dirigente, acreditando que o sonho dos jovens da formação deve estar sempre presente.
"Algo está mal quando o sonho dos jogadores da formação não é jogar pela equipa A. Tem que existir essa vontade, esse desejo, essa ambição", declarou José Luís Santos em entrevista ao Bancada, confiando que o caminho que tem seguido com os leceiros irá dar "os seus frutos", até porque a visão é "desafiadora" para a realidade que se vê no futebol português atualmente.
"O que é que se faz a um domingo às 16 horas? Que programa bom? O único bom que vejo é um jogo de futebol. Conseguimos almoçar em família e, em vez de ficar em casa a ver televisão ou ir para um shopping, fazemos um programa ao ar livre. É saudável até para as crianças. Aqui há um espetáculo. O desporto deve promover um estilo de vida saudável", concluiu.
'The Show Must Go On'
Nos labirintos e incertezas que um jogo tantas vezes encerra, José Luís Santos aposta naquilo que são as origens do futebol: o espetáculo, a alegria, a diversão. E quando tudo parecia escuridão para o Leça, apareceu uma luz que ilumina os trilhos do presente e do futuro, pautando o trabalho numa lógica de espírito profissional mas com prazer. Porque, como eternizaram os Queen, 'The Show Must Go On'.
"É bom querer ganhar e ganhar. Não acaba o mundo se a gente não ganhar. No futebol nada é definitivo. Mas queremos muito ganhar e contamos com todos os leceiros". Palavra de presidente.