Portugal
O "miúdo que vai ser melhor do que Mourinho" e já tomba gigantes na Taça
2018-10-21 16:00:00
Hugo Falcão é aos 27 anos uma das grandes sensações do futebol profissional em Portugal.

Para o Cova da Piedade a época não começou da melhor forma. Depois de anunciar Eurico Gomes como novo treinador do conjunto piedense em junho, três meses depois o histórico do futebol português e antigo jogador dos três maiores clubes nacionais, hoje com 63 anos, deixou o clube de Almada com apenas cinco jogos decorridos na temporada, quatro para a segunda liga, um para a Taça da Liga. Eurico deixou a equipa do Cova da Piedade no 13º lugar com quatro pontos, em função de uma vitória, um empate e duas derrotas, a última das quais em casa, frente ao Estoril Praia por 4-0. Para o seu lugar, o Cova da Piedade ascendeu Hugo Falcão que, aos 27 anos, se tornou no treinador mais jovem dos escalões profissionais do futebol português. Poucas semanas depois, alcançou o estatuto de tomba gigantes na Taça de Portugal.

Se à quarta jornada o Cova da Piedade era 13º classificado na segunda liga, hoje, a equipa piedense ocupa o 15º lugar, porém, fruto de dois empates para a liga e duas vitórias na Taça de Portugal, a última em casa perante o Portimonense da primeira liga e a jogar na máxima força no reduto piedense, sob o comando de Hugo Falcão o Cova da Piedade segue invicto. Um impacto inicial que faz eco daquilo que se passou na temporada passada quando Bruno Ribeiro substituiu João Barbosa no comando técnico dos piedenses e iniciou a sua carreira por Almada com sete jogos invictos consecutivos a abrir, tombando igualmente uma equipa da primeira divisão na Taça de Portugal, na altura, o Marítimo, nas grandes penalidades, no Funchal.

“Não me sinto inferior por ter menos 20 ou 10 anos do que os outros treinadores. Sou um privilegiado porque as pessoas apostaram em mim. Faço tudo para que as coisas resultem, tal como os jogadores. Estamos todos de parabéns”, afirmou Hugo Falcão após o encontro de ontem frente ao Portimonense. Um homem que, no exato dia em que nascia, estava António Folha, treinador do conjunto que ajudou a eliminar na Taça de Portugal, a festejar o vigésimo aniversário.

Uma coisa é certa: Hugo Falcão não parece estar aqui para agradar a todos e a enveredar pelo politicamente correto. Depois de uma entrevista ao Expresso onde não foi em lirismos futebolísticos (já lá vamos), afirmou no final do encontro frente ao Portimonense preferir defrontar no futuro equipas mais acessíveis que permitam ao Cova da Piedade uma maior probabilidade de seguir em frente na Taça de Portugal: “Se for possível gostava de apanhar uma equipa mais acessível do que o Portimonense, uma equipa que nos desse mais possibilidades de ir passando etapas, depois sim, mais lá para a frente, que venha uma equipa mais cotada, de 1ª divisão”, afirmou, quando o mais natural teria sido enveredar por um clássico cliché do futebol relacionado com o pensar jogo a jogo, sim, mas que todos os adversários são iguais. Novidades amigos: Não são.

Com uma carreira construída na Cova da Piedade e uma passagem pelo Fabril do Barreiro na temporada passada, Hugo Falcão regressou em 2018/19 ao seu clube de sempre para assistir Eurico Gomes, tendo acabado a suceder ao experiente técnico poucas semanas depois numa aposta totalmente oposta do clube piedense. Depois da experiência, veio a juventude e a irreverência do treinador mais jovem dos campeonatos profissionais - ultrapassou Luís Freire, de 32 anos, nessa honra - e, até ver, parece estar a definir-se uma aposta ganha. "Se as pessoas identificarem que tu és competente, que tu és organizado, que tu queres o melhor para elas, que tu estás aqui para ajudar, as coisas decorrem naturalmente. A capacidade de liderança faz-se dia-a-dia", afirmou em entrevista ao Expresso há um mês e, dele, já disseram um dia, será melhor do que José Mourinho e que tem como objetivo chegar à primeira liga ainda antes dos 30 anos.

“O Hugo foi-me indicado pelo Sérgio Boris. Todos me chamaram maluco por apostar num treinador de 26 anos, mas ao fim de uma semana disse que ele não ia ser o novo Mourinho, mas sim melhor que o Mourinho. Precisa de manter os pés no chão e de ganhar mais calo no balneário, pois dentro do campo a dar treino ele não é bom, é excelente! Sigam-no, pois vai valer a pena. Foi o melhor treinador que passou no Fabril. Muitas das coisas que ele tem foram-lhe transmitidas pelo Sérgio Boris, mas a maior parte da qualidade vem dele próprio. É uma pessoa que emprega paixão em tudo aquilo que faz”, afirmou ao jornal O Jogo o presidente do Fabril, Faustino Mestre.

Também na identidade e naquilo que procura da sua equipa, Hugo Falcão não entra em idealismos. Se o normal seria entrar por campos filosóficos sobre a estética de jogo, identidade e personalidade futebolística, para o técnico do Cova da Piedade importa gerir o individual primeiro pois só assim haverá reflexos no coletivo. “A minha ideia é muito baseada em gerir o comportamento de cada indivíduo que pertence ao plantel. O que se procura neste momento é tornar o jogador mais confiante. (...) Por vezes, o treinador deve subordinar-se ao que existe e não somente à sua ideia. Ou seja, eu tenho uma ideia que a médio/longo prazo poderá fazer sentido neste clube. A curto prazo e dentro daquilo que existe, dos recursos e ativos que temos, teremos se calhar de abordar o jogo de uma forma ligeiramente diferente. Ou seja, a minha ideia é ter uma equipa confiante, com diferentes soluções para abordar a fase ofensiva. Procurando ser dominantes no jogo, sabendo que não podemos sê-lo sempre, porque não existe sempre um controlo efetivo do jogo. Nem sequer as melhores equipas, com mais posse e mais remates, o conseguem sempre. Mas queremos tentar controlar e controlar essencialmente o individual, porque depois o individual, dentro do coletivo, é que vai surtir efeito. Se nos preocuparmos só com o coletivo e se um dos nossos jogadores em termos individuais não estiver bem, isso é o mais crítico, no futebol profissional”, defendeu em entrevista ao Expresso.

“Dentro de cada ação individual podes comprometer o coletivo e é aí que tentamos chegar, no futebol profissional. Tens de focar o individual, porque como o jogo é tão equilibrado, tão igual, é necessário que o individual de cada um esteja num patamar muito elevado. Não posso ser só eu a subir o meu nível no jogo, se os outros dez não tiverem esse nível. Se há uma variável que não está bem, tens de reformular. Basicamente é tentar gerir o comportamento de cada indivíduo dentro do jogo. Se me perguntas se gosto mais de jogar em 4-4-2 ou 4-2-3-1, digo que o que procuro, essencialmente, é o desconforto do adversário. Dou diferentes soluções à minha equipa, jogamos de uma determinada forma, mas abordamos sempre o adversário, em função daquilo que queremos fazer para tornar o adversário desconfortável, na nossa fase defensiva. Temos de identificar padrões e obrigá-los a fazer coisas que eles não costumam fazer. Tenho de possibilitar que a organização da minha equipa impossibilite que eles consigam cumprir determinados padrões em que se sentem confortáveis. E tu dizes: ok, mas eles podem mudar a qualquer momento. Sim, mas isso demora, é difícil haver outros padrões diferentes. É muito por aí que nós vamos”.

Ainda assim, Hugo Falcão garante preferir e querer incutir um estilo de futebol mais apoiado do que direto. A diferença, está em não fazer disso um dogma, como o fazem, por exemplo, nomes como Guardiola ou Setién. “A minha ideia é procurar ter um estilo de jogo muito mais apoiado do que direto. Mas se tivermos de jogar direto em determinados momentos e se isso for algo positivo para ultrapassar a equipa adversária, então faremos isso. Nós procuramos muito a estratégia, mas tens de ser coerente, porque tem de haver um equilíbrio. Muitas vezes a tua estratégia pode não resultar nos primeiros 15 minutos, pode não resultar nos primeiros 30 minutos. Então aí tens de alterar. Nós planeamos vários cenários. Claro que antes trabalhamos muito em observação e análise e vamos muito ao individual, mas temos de planear os cenários que podem acontecer. Há treinadores que preparam e depois a equipa adversária pode apresentar-se de uma forma que eles não estavam à espera, faz parte. É como estares a jogar um jogo de xadrez, jogas peça a peça, jogada a jogada, mas não podes pensar só na peça e na jogada, antes de fazer a jogada já tens de estar a pensar no que vai acontecer a seguir”, afirmou na mesma entrevista.

Aos 24 anos, Hugo Falcão já dava aulas na faculdade e aos 27 é treinador profissional de futebol. A ascensão é impressionante e entre as grandes ligas europeias talvez só tenha comparação com Nagelsmann. Apaixonado, dedicado e altamente metódico. Eis Hugo Falcão, o treinador mais jovem dos campeonatos profissionais em Portugal e o novo tomba gigantes do futebol português.