Portugal
O formato do Campeonato de Portugal grita por mudança (para melhor, já agora)
2018-03-27 16:50:00
Apenas 2.5% das equipas que participam na prova sobem à Segunda Liga. E há grandes hipóteses que não sejam as melhores

Na passada terça-feira, 20 de março, o Gondomar SC, clube entre os primeiros lugares da série B do seu campeonato, mostrou a revolta com o atual modelo competitivo do Campeonato de Portugal, o terceiro escalão do futebol lusitano. Os outros clubes concordam: o modelo não é perfeito, é pouco atrativo e acaba por prejudicar as séries mais competitivas. Em 2018/19, o sistema vai mudar (outra vez), mas muitas das debilidades vão continuar bem presentes.

Na publicação do Gondomar SC no Facebook, é explicado aquilo que já sabíamos: das 80 equipas participantes divididas por cinco séries, apenas duas vão estar na Segunda Liga em 2018/19. Os cinco vencedores das séries e os terceiros segundos com mais pontos qualificam-se para um playoff com oito equipas que vai ditar quem são os dois clubes com a subida garantida. O Gondomar SC criticou, no entanto, esse modelo competitivo, alegando que acaba por prejudicar as séries com as melhores equipas. No caso, a série B, onde está a equipa gondomarense. Porquê? Porque o campeonato tem equipas mais equilibradas e que perdem mais pontos entre si, obrigando o segundo classificado a ter menos pontos que os vice-líderes das restantes séries. A prova que a série B é a mais competitiva prende-se no fundo da tabela: as seis últimas equipas têm mais pontos (por larga margem) do que a mesma contagem nas outras séries.

Assim sendo, o Gondomar SC sabe que, mesmo que fique em segundo lugar da série B do Campeonato de Portugal, não vai ter a oportunidade disputar a playoff. Da série B já é certo e sabido que apenas o vencedor vai poder lutar pela subida, o que o Gondomar SC aplica de "castigo". "Esta é apenas mais uma questão que demonstra a falência deste modelo competitivo, a forma como foi efetivamente mal pensado e a urgência em ser revisto. O número de subidas/descidas é outra questão que carece, do nosso ponto de vista, de uma profunda reflexão. Como podemos pretender um campeonato forte quando, num campeonato de 80 equipas, apenas duas terão acesso às ligas profissionais? Não encontraremos, por essa Europa fora (particularmente nos países de referência a nível futebolístico), outro exemplo de tamanha injustiça nos segundo, terceiro e quarto escalões", pode ler-se no comunicado. O Bancada tentou entrar em contacto com o Gondomar SC, que recusou prestar declarações, mas ouviu as opiniões de outras equipas na luta pela subida à Segunda Liga. Uma delas foi o Vilafranquense, que concorda que existem muitas deficiências no atual Campeonato de Portugal, ainda que o Gondomar SC "já soubesse as regras antes do campeonato começar".

"Há sempre séries mais competitivas, mas, quando iniciamos o campeonato, sabemos as regras. É lógico que não é o modelo perfeito. As pessoas que estão à frente do futebol já perceberam que não é e por isso é que vai ser alterado. O futebol é jogado dentro de campo, e é dentro de campo que temos de lutar pelos objetivos. É um modelo que está completamente desajustado, é mau e pouco atrativo para equipas com dificuldades financeiras. É um modelo com o qual não concordo. Sei que há séries competitivas, sei que, se estivesse noutra série, talvez já tivesse garantido o apuramento", disse Vasco Matos, treinador do Vilafranquense, ao Bancada. A mudança anunciada por Vasco Matos consiste na redução de 80 para 72 equipas, com apenas quatro séries com 18 clubes cada uma. Os dois primeiros classificados de cada série vão disputar o playoff. Essa medida está prevista ser implementada a partir de 2018/19, a próxima temporada.

Já Eduardo Oliveira, diretor desportivo do FC Vizela, reforçou que o Gondomar SC já sabia que dificilmente se vai apurar para o playoff se terminar o campeonato no segundo lugar, reconhecendo, no entanto, que o atual modelo competitivo prejudica as séries mais equilibradas. Eduardo Oliveira até foi mais longe e assegurou que o sentimento geral no início de 2017/18 era que o segundo classificado da série B "estava completamente arrumado do playoff". "Toda a gente sabia, no início da época, que o segundo lugar da série B estava completamente arrumado do playoff. (...) Acaba por prejudicar as séries mais competitivas, mas também a série A e a D são muito competitivas e o segundo lugares dessas duas séries estão na luta pelo playoff. Nas séries mais competitivas, sendo os clubes muito iguais, já se sabia que iam fazer menos pontos, é natural. Um exemplo disso é a Segunda Liga, em que é impossível um clube ter 15 ou 20 pontos de avanço. Já se sabia que a série B ia ser muito competitiva em agosto, e já se imaginava que o apuramento do segundo classificado seria praticamente impossível. É evidente que a série B acaba por ser prejudicada neste contexto. O modelo, esta época, é assim, e já se sabia que a série mais competitiva seria sempre a mais prejudicada", garantiu o dirigente ao Bancada.

Para Eduardo Oliveira, o ponto mais negativo do atual modelo competitivo do Campeonato de Portugal prende-se, precisamente, pelo número de equipas que sobem. O diretor desportivo do FC Vizela, atual líder isolado da série A da prova e prestes a garantir a disputa do playoff de acesso à Segunda Liga, deixou ainda uma sugestão: "os primeiros classificados das séries deviam subir diretamente à Segunda Liga, sem playoff. Não faz sentido alguém ganhar um campeonato e poder perder a época em duas ou três semanas".

"Não é a minha opinião, é a opinião de 99% de quem está no futebol. Eu apanhei a transição da 2ª [Divisão] B para o CNS [Campeonato Nacional de Seniores] e a opinião geral é de que este modelo nunca agradou a ninguém, não faz qualquer sentido. Numa época como esta, em que há equipas muito fortes que investiram para chegar à Segunda Liga, subirem apenas duas em 80 não está correto. O modelo competitivo tem de mudar, e a prova disso é que mudam todos os anos porque ainda não encontraram o modelo correto. (...) Em 80 equipas subirem duas, é muito pouco. Este campeonato é muito prejudicado neste aspeto. Este ano, deviam subir, no mínimo três equipas e, idealmente, quatro", admitiu.

Vasco Matos concorda por inteiro. "É óbvio que é muito pouco. O modelo está completamente desajustado, é matar montes de equipas. Em 80, subir duas equipas… Quem subir, é um grande feito. Já ir ao playoff é um feito tremendo", começou por comentar, explicando depois que, a meio da temporada, há equipas que já não têm objetivos. Das duas, uma: ou já têm a descida garantida ou sabem que nem descem nem sobem. Jogar contra esses conjuntos em setembro ou outubro, quando está tudo em aberto, ou em fevereiro, quando já podem ter o campeonato resolvido, é muito diferente, o que acaba por tornar o campeonato "um bocadinho desajustado". "Espero que mude. É um campeonato muito importante para o futebol português, que alimenta as divisões superiores", pediu o técnico da equipa de Vila Franca de Xira.

Outro grande problema do Campeonato de Portugal prende-se pela diferença entre equipas. Há formações profissionais que defrontam clubes completamente amadores, o que cria uma discrepância grande em vários jogos. Segundo Eduardo Oliveira, o maior choque nota-se quando as equipas que acabaram de descer da Segunda Liga se batem com as que acabaram de subir dos campeonatos regionais. "A Federação [Portuguesa de Futebol] está a tentar [melhorar], e dou os parabéns porque está a tentar valorizar o campeonato nesse aspeto, mas uma das maiores críticas que aponto é a diferença de organização de alguns jogos e dos clubes que são profissionais para aqueles que têm mais dificuldade. É um campeonato em que a diferença é enorme entre equipas. As equipas sobem da distrital e jogam contra equipas que descem da Segunda Liga. Por norma, há um grande choque quando se encontram", referiu o diretor desportivo do FC Vizela, que voltou a reforçar o desejo para o futuro. "A minha opinião é que a Federação devia conseguir um modelo competitivo em que diminuísse as séries e em que o campeão se apurasse diretamente para a Segunda Liga. Uma equipa que chega ao fim de 30 jornadas em primeiro lugar deve subir. Há equipas que chegam todo o campeonato no primeiro lugar, chegam aos playoffs, um jogo corre mal e perde-se uma época. Não sou a favor disso", concluiu.