Durante quatro temporadas, entre 2001 e 2006, com uma saída para Espanha pelo meio, poucos jogadores marcaram tantos golos em Portugal quantos os que Benni McCarthy fez ao serviço do FC Porto. McCarthy liderou mesmo a África do Sul às duas únicas participações em Mundiais de futebol até à edição que organizou em 2010. Nem antes, ou depois, o país sul africano teve um avançado como ele. Com 31 golos apontados pelos Bafana Bafana, Benni McCarthy é ainda hoje o melhor marcador da história do futebol da África do Sul. Tudo isto, nos próximos anos, pode estar para mudar. Afinal, mora em Portugal a grande esperança do futebol da África do Sul. Mora, em Braga, um dos segredos mais bem guardados do futebol internacional e que este ano pode muito bem ser revelado ao Mundo por Abel Ferreira: Luther Singh.
Nascido no bastião da resistência sul africana ao regime apartheid há 20 anos e com raízes que ascendem à Índia, Luther Singh foi uma das figuras do SC Braga B na temporada passada ao apontar 11 golos pela equipa secundária dos arsenalistas na segunda divisão portuguesa. 11 golos e quatro assistências numa temporada onde demonstrou versatilidade jogando ora a extremo esquerdo, ora a avançado centro, ora nas costas do avançado centro. Letal no um para um, há quem compare Luther Singh a Arjen Robben também pela qualidade do remate do jovem sul africano. Em África é considerado um fenómeno e, no seu país, a grande esperança para devolver a glória internacional aos Bafana Bafana há muito perdida.
Aos 20 anos, Luther Singh aguarda ainda a estreia pela equipa principal na equipa do SC Braga, mas não falta experiência ao jovem atacante sul africano que tem estado incorporado nos trabalhos de pré temporada dos arsenalistas e até apontou um dos golos da equipa do SC Braga que ontem venceu o Aves por 2-1. Aos 20 anos, Luther Singh leva já três temporadas de futebol sénior nas pernas, tendo sido particularmente utilizada nas duas mais recentes. Não só pelo SC Braga B na temporada passada, mas também uma breve participação na segunda liga em 2016/17, ano de estreia em Portugal depois de duas temporadas ao serviço do GAIS da segunda divisão sueca, clube ao qual chegou em 2015 e arrasou no ano seguinte com 10 golos em 32 jogos.
Singh começa a confirmar o que os escalões jovens permitiram antever: em Braga mora um rapaz especial. Em 2016 foi a figura máxima da seleção sul africana que perdeu a final da Copa COSAFA Sub-20, competição júnior dedicada aos países da África Meridional e que Singh terminou como melhor marcador. Pelo meio, apontou um hat trick a Angola e até assistiu para o golo da África do Sul na final perdida para a Zâmbia por 2-1. No ano seguinte, Singh voltou a estar em destaque na CAN Sub-20, competição em que mais uma vez a África do Sul caiu aos pés da Zâmbia (desta feita nas meias finais) e na qual Singh terminou como o melhor marcador da prova com quatro golos e duas assistências que lhe valeram uma presença na equipa ideal do torneio. Sem surpresa, Singh esteve entre os convocados para o Mundial Sub-20 de 2017 no qual a África do Sul não passou a fase de grupos e onde apesar das boas exibições de Singh, o já avançado do SC Braga ficou em branco.
As exibições impressionantes de Singh ao serviço da África do Sul Sub-20 (marcou nove golos em treze internacionalizações) permitiram ao jovem do SC Braga, apesar da tenra idade, contar já três internacionalizações pela seleção principal da África do Sul, tendo feito a estreia pelos Bafana Bafana em março de 2017 frente a Angola - tendo ficado ainda assim ligado à eliminação da África do Sul na Copa COSAFA deste ano devido à marcação de uma grande penalidade displicente que correu Mundo. Uma precocidade que sempre o acompanhou, bem desde os tempos em que chegou à academia Stars of Africa uma das mais conceituadas do futebol sul africano.
“Geralmente não levamos para a Academia jogadores tão novos, mas no Luther identificamos imediatamente algo que mais nenhum outro miúdo nos dava. Ele era realmente diferente. Era o pacote completo”, assumiu Farouk Khan, um dos mais conceituados observadores do futebol africano, à Forbes. O antigo técnico do Santos usou ainda dos seus contactos no futebol brasileiro para, aos 16 anos, permitir que Luther Singh ganhasse rodagem no Brasil treinando por algum tempo quer no Fluminense, quer no Vasco da Gama.
“Treinei no Vasco da Gama e no Fluminense, dois clubes gigantes no Brasil. Foi uma grande experiência conhecer todo aquele ambiente, enfrentando jogadores de grande qualidade, percebendo como eles utilizam o seu talento e quão seriamente levam o futebol e o seu desenvolvimento e o quão importante é para eles chegarem a profissionais de futebol”, confessou Singh também à Forbes.
Sul africano, mas de origens indianas (o avô era indiano e radicou-se em Noordgesig, Soweto, cidade dos arredores de Joanesburgo que acabou conhecida pela dura luta travada contra a discriminação racial na época do Apartheid e que acabou ainda famosa pelas piores razões aquando do Massacre do Soweto), Luther Singh é o primeiro homem da família a chegar ao futebol profissional. O pai, tios e primos tentaram-no, mas só o jovem Luther o conseguiu com os restantes membros da família Singh a não passarem os escalões amadores e semi profissionais.
Luther Singh tinha 11 anos quando foi pescado por Farouk Khan para a Academia Stars of Africa e desde então passou já por Brasil, Suécia e Portugal, prometendo não ficar por aqui. Palavra de quem o descobriu: “Singh é um jogador maravilhoso. Além da óbvia qualidade técnica, é um jogador capaz de utilizar ambos os pés, é forte e é rápido. É um jogador que tem todos os atributos que o futebol moderno exige. Tudo o que Singh precisa agora é de paciência porque ele é muito impaciente e está ansioso por ser jogador de primeira equipa e isso leva-o a querer saltar etapas no treino e esforçar-se em demasia. Digo-lhe sempre que com a qualidade que tem irá ter uma carreira bem sucedida. Coisas boas acontecerão a Singh se ele souber ser paciente”, afirmou à Forbes o homem que Singh considera como um pai.
Da África do Sul à Suécia, passando pelo Brasil, distam milhares de quilómetro mas tudo teve uma razão de ser. Este é um rapaz cuja carreira tem sido construída de forma minuciosa: “Queríamos que Luther fosse para um país onde pudesse jogar futebol a nível profissional imediatamente e não por uma academia, escalões jovens ou, pior, ficando-se pelo banco ou pelas bancadas. O GAIS permitiu isso e foi uma oportunidade que fez maravilhas por ele”. Em dois anos na Suécia, Luther Singh apontou 12 golos em 40 jogos, numa altura em que em Portugal não teria sequer ainda atingido a maioridade. Um desses golos apontados logo na estreia.
“Quando cheguei à Suécia joguei ora como extremo direito, ora como extremo esquerdo. Tenho muita sorte porque sou hábil com ambos os pés. Também joguei como número dez e como avançado e essa em particular foi uma mudança que foi muito boa para mim. Mas também adoro jogar como extremo, partir para cima dos adversários e criar oportunidades de golo para os meus colegas”, deu-se a conhecer o agora jogador do SC Braga.
É, aliás, essa versatilidade e confiança no seu jogo que Farouk Khan destaca como pontos fortes de Luther Singh. Sem ser particularmente alto e forte (Singh tem 171cm e 61kg), em campo, Singh transforma-se. “Certos jogadores aparentam ser baixotes fora de campo, mas dentro dele são autênticos animais. O Luther tem esse tipo de presença”. Zungu, que passou pelo Vitória SC em 2016/17 afirmou também à Forbes ter ficado encantado e acima de tudo impressionado com o que viu de Singh em Portugal.
Em Portugal, Luther Singh diz sentir-se em casa e o estilo de jogo do SC Braga não o podia agradar mais. “O meu atual clube tem jogadores de todo o Mundo portanto há bastantes jogadores de qualidade em Braga. Os meus companheiros são extremamente técnicos como eu e acredito que o estilo de jogo do clube se adapta na perfeição às minhas características. Trabalhar fora do teu país nunca é fácil mas temos de nos lembrar sempre porque decidimos deixar o país. Eu sobrevivi porque identifiquei as minhas prioridades: jogar pela minha família e pelo meu país. O futebol é um trabalho como qualquer outro e estou bastante grato por me ter permitido viajar pelo Mundo enquanto vou tomando conta e sustentando a minha família”.
A reputação construída por Singh no futebol jovem, mas também nos meses que passou no Brasil e já na segunda divisão sueca não passaram ao lado de alguns dos clubes das principais ligas europeias. O próprio avançado do SC Braga deu conta do interesse de clubes como o Real Madrid - que queria incorporá-lo nas equipas secundárias -, o Swansea ou o Pescara, rejeitando sempre uma mudança enquanto não fosse um jogador livre por, aí, considerar que melhores oportunidades surgiriam. Foi após o final do contrato de Singh com o GAIS que o atacante sul africano chegou a Portugal para representar o SC Braga e, hoje, está às portas da equipa de Abel Ferreira depois de uma temporada de bom nível ao serviço do SC Braga B.