Portugal
João Amaral: dos relvados amadores à elite nacional foi um 'saltinho'
2018-05-23 16:05:00
O jogador natural de Vila Nova de Gaia é um caso raro no futebol português

Em 2016, um membro do plantel do Pedras Rubras reforçou o Vitória de Setúbal e demorou muito pouco tempo a assumir-se de imediato como titular da equipa sadina. Aos 24 anos, João Amaral saltou um escalão do futebol português e foi do Campeonato de Portugal para a Primeira Liga, tornou-se uma peça importante no conjunto de José Couceiro e tem sido dado como reforço do Benfica para 2018/19. A história de João Amaral é um exemplo para os jogadores de divisões inferiores que têm como ambição atingir outros níveis. "Toda a gente quer ser o Amaral na nossa divisão", garantiu ao Bancada João Pedro, antigo colega de João Amaral no Pedras Rubras.

Mas não se engane. O 'saltinho' de João Amaral não é sinónimo de qualquer tipo de facilidades. Não foi formado num grande nem foi 'pescado' por um um clube de dimensão considerável enquanto jovem. Formado no Vilanovense, João Amaral estreou-se como sénior no CD Candal, dos campeonatos distritais. A primeira presença numa prova nacional foi em 2012/13, quando se mudou para o Padroense e fez mais de 30 jogos com pouco mais de 20 anos. Transferiu-se para o SC Mirandela no ano seguinte e voltou a ter um bom registo individual: 33 jogos e seis golos. Foi na equipa do distrito de Bragança que encontrou Ricardo Chéu, treinador que falou com o Bancada sobre João Amaral.

"O João, acima de tudo, é um grande profissional. Sempre foi um miúdo que teve sempre muito bem vincado aquilo que pretendia. É um homem de família, porque sei que um dos grandes objetivos dele é ajudar a família. Tinha isso bem vincado. Houve alturas mais difíceis na carreira dele, a oportunidade demorou, mas finalmente chegou", começou por dizer Chéu ao Bancada. Para o técnico, a característica que melhor define o extremo que hoje conta 26 anos é a raça. "É um lutador. Para além de ser um jogador com características muito interessantes na velocidade, é um lutador. Não desiste de nenhum lance, disputa cada lance como se fosse o último para ajudar a equipa."

A entrega de João Amaral ao jogo até chegou a causar alguns momentos mais tristes, mas também memoráveis. Ricardo Chéu, que tinha (e continua a ter) uma relação próxima como Amaral, contou-nos um episódio num desafio em Fafe. "O João fazia as viagens comigo do Porto até Mirandela. Lembro-me de uma situação curiosa em Fafe, e falei com ele recentemente sobre isso. Fomos jogar a Fafe e o João teve um dia 'não' na finalização. Esteve na cara do golo várias vezes e falhou. Quando foi substituído agarrou-se a mim a pedir desculpa e a chorar", revelou. Ricardo Chéu aprecia tanto as qualidades de João Amaral que até esteve perto de se adiantar ao Vitória de Setúbal na tarefa de dar ao jogador a primeira experiência numa liga profissional. Em 2014/15, já com João Amaral ao serviço do FC Pedras Ruras, o técnico estava no Académico de Viseu e avançou para a contratação do avançado no mercado de inverno, mas este já havia sido emprestado à AD Oliveirense, o que impossibilitou a mudança. "Ele ficou muito triste. Quem se entrega como ele se entrega e gosta de aprender tem tudo para chegar a mais altos patamares. O João não me surpreende por isso. Soube ouvir, pedir conselhos."

Jardel e João Amaral podem vir a ser colegas em 2018/19 (Tiago Petinga/Lusa)

Quem foi colega de balneário de João Amaral no FC Pedras Rubras foi João Pedro, defesa e médio defensivo que passou pela formação do FC Porto. "O primeiro jogo que vi dele foi contra o Santa Clara, para a Taça de Portugal, quando fomos eliminados nos penáltis. Notei que tinha grandes qualidades como jogador. Muito rápido, muito bom com os pés. É um jogador inteligente. A sensação que tive foi que ele ia andar pouco tempo por aqueles patamares", explicou ao Bancada. Estava certo, como mais tarde se veio a perceber.

Para João Pedro, a rápida e bem sucedida adaptação de João Amaral ao Vitória de Setúbal e ao futebol de Primeira Liga não foi surpreendente. Até porque, segundo o jogador de 23 anos, "um jogador, quando é bom, sai muito bem preparado do CNS para uma Primeira Liga ao ponto de chegar e jogar logo". Porquê? Porque o terceiro escalão foca-se mais na "raça" e no jogo físico, enquanto a Segunda Liga "é um jogo mais de cabeça". "O João Amaral era intenso. Rapidamente se adaptou, como se tem visto pelos jogos brilhantes que tem feito. Noto perfeitamente que tem evoluído. Está melhor a nível físico e mental. (...) Claro que há jogadores da Segunda Liga que também saem muito bem preparados, é uma liga com um nível de competitividade muito diferente."

Certo. João Amaral chegou, viu e venceu na Primeira Liga, conquistando tudo e todos em Setúbal mesmo não tendo o mesmo estatuto de outros. Mas terá qualidade para vingar no Benfica, um dos três grandes com uma exigência bastante superior à dos sadinos? Ricardo Chéu, que na última temporada orientou o União da Madeira, considera que tudo depende do espaço que for dado ao atleta e deu o exemplo de Rafa, jogador que também treinou. "É sempre difícil chegar a um clube como o Benfica e impor-se. Naturalmente que será um salto qualitativo bastante grande para o João. Será difícil conseguir o seu espaço na equipa do Benfica, sabemos do poderio e qualidade interna. Acredito que o João poderá ter essse espaço e evoluir com os melhores. Todos os jogadores precisam do seu tempo de adaptação, mas acredito que se lhe derem oportunidade ele não vai deixar ninguém ficar mal no Benfica. Lembro-me de ter treinado também o Rafa numa altura precoce e sempre disse que ele podia chegar a estes patamares", frisou.

Ainda assim, e caso se confirme a transferência do Vitória de Setúbal para o Benfica, João Amaral não precisa de provar mais nada a ninguém. Já é uma referência no terceiro escalão do futebol português por tudo o que conquistou e por ajudar a alimentar o sonho de centenas de futebolistas que todos os dias lutam para estar na elite lusitana.

"Eu vou ser muito sincero: toda a gente quer ser o Amaral na nossa divisão. Toda a gente quer ser o Pedro Tiba, o André Claro [jogadores da Primeira Liga que vieram de escalões mais baixos]... Todos os que estão aqui têm esse sonho, até os que estão em divisões mais baixas. As oportunidades são complicadas, porque existe muita coisa por trás que condiciona. Pelo Amaral penso que foi mesmo pelo valor dele. É muito humilde, trabalhador e tenho a certeza que vai conseguir deixar-nos orgulhosos. É sinal que existe qualidade no CNS", assegurou João Pedro.