Portugal
"Já vi jornalistas agredidos, com presidentes a ver, e não vi tanta indignação"
2022-09-01 12:20:00
Fernando Mendes denuncia "dois pesos e duas medidas" ao analisar processo disciplinar do CD a jornalista

O processo instaurado pelo Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol a uma jornalista tem concentrado as atenções do futebol português, após uma jornada em que Sporting e FC Porto perderam, com o Benfica a isolar-se na liderança.

Rita Latas, jornalista da Sport TV, está sob processo disciplinar do CD por ter feito uma pergunta sobre Slimani, ex-jogador do Sporting, ao treinador Rúben Amorim, após o jogo dos leões com o GD Chaves. O delegado do Sporting queixou-se ao delegado da Liga, levando o CD a abrir processo disciplinar à jornalista por "pergunta não relacionada com o jogo que acabara de terminar".

Esse processo tem originado surpresa e indignação, inclusive pelas bandas de Alvalade. Fernando Mendes, ex-jogador e confesso adepto do Sporting, considera toda esta situação "inacreditável", considerando injusta a posição do clube leonino, que insistiu com o delegado da Liga para que essa pergunta sobre Slimani fizesse parte do relatório.

"Isto não é normal. O jornalista tem o direito de fazer as perguntas que quiser e o treinador responde se quiser, foi isso que aconteceu. A classe dos jornalistas tem que estar indignada. Quero que fique bem claro, o jornalista tem toda a razão. Não tem que haver processo. Estou de acordo com isso. Estou de acordo com os meus colegas. Os jornalistas fazem as perguntas que quiser, o treinador responde se quiser", frisa o antigo internacional português.

No entanto, Fernando Mendes realça que não pode haver "dois pesos e duas medidas", lembrando outros incidentes que não provocaram "tanta indignação".

"Já vi jornalistas serem agredidos e não vi tanta indignação também. E com presidentes e diretores e tudo a ver. E não vi tanta indignação da classe" dos jornalistas, lembra o ex-defesa, no comentário para a Liga de Ouro, da CMTV. De imediato, outros participantes no programa associaram essa declaração à alegada agressão de Pedro Pinho, empresário com ligações ao FC Porto, a um operador de imagem da TVI, após um jogo dos dragões com o Moreirense, em abril de 2021.

"Quando agrediram o jornalista em Moreira de Cónegos não vi nada disso"

Na sequência do processo disciplinar a Rita Latas, o CNID - Associação dos Jornalistas de Desporto emitiu um comunicado a criticar o CD, garantindo que, na eventualidade da jornalista ser condenada a pagar alguma indemnização, "o CNID terá gosto em ir pagá-la num saco com moedas de um cêntimo". Uma posição que surpreendeu Fernando Mendes.

"Eu já disse que [o processo disciplinar] está mal. Está mal. Mas [a posição do CNID] tem que ser para todos. Na altura, quando agrediram esse jornalista [em Moreira de Cónegos], não vi virem dizer que pagam com cêntimos. Não vi nada disso. Porquê, porque agora é o Sporting?", questiona.

Apontando a mira ao CNID, Fernando Mendes destaca outras situações que merecem "indignação" dos jornalistas, em particular o condicionamento exercido por diretores de comunicação dos clubes: "Também já vi, em conferências de imprensa de treinadores, os jornalistas fazerem perguntas e os diretores de comunicação dizerem que a essa [pergunta o treinador] não responde. E não vi tanta indignação".

"Há tanta indignação, com razão, para umas coisas e noutras as coisas passam ao lado", insiste Fernando Mendes: "Quantas vezes é que já vimos os jornalistas a fazerem perguntas e os diretores de comunicação a dizerem que [o treinador] não responde a essa? E não vejo tanta indignação por causa disso. Aqui, o jornalista tem razão, mas [a classe dos jornalistas] também tem que se insurgir contra essas situações".

"É inacreditável porem um processo. Só gostava que outras vezes tivessem a mesma indignação. Os jornalistas têm toda a razão, mas também não vi indignados, e até se sujeitam a isso, quando os presidentes [dos clubes] vão a entrevistas em certos canais de televisão e os jornalistas são sujeitos a fazer as perguntas que os diretores de comunicação exigem. Nomes? Por exemplo, o presidente do Benfica [Luís Filipe Vieira]. E [os jornalistas] sujeitavam-se a isso. Então não se vê?", conclui Fernando Mendes.