Portugal
FC Porto em Inglaterra: goleadas, bombas e raros casos de finais felizes
2017-12-11 19:00:00
Dragões nunca venceram em 18 jogos disputados fora de casa frente a ingleses, mas já fizeram história mesmo com derrotas

O FC Porto já venceu em Espanha para as competições europeias. Já o fez também na França, na Holanda, na Alemanha ou até na Itália. Mas nunca o fez em Inglaterra. São 15 derrotas e zero vitórias em 18 jogos disputados no país de Sua Majestade, com 50 golos sofridos no currículo. Números que mostram uma tendência dos dragões para sucumbir perante adversários ingleses, sobretudo fora de portas. Este historial pode ser o principal adversário dos azuis e brancos quando enfrentarem o Liverpool FC, nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. Mas também o futebol direto, a reação às segundas bolas e o impiedoso ambiente de Anfield poderão ser obstáculos para a equipa de Sérgio Conceição. O técnico portista tem, assim, pela frente uma missão apenas ao alcance de técnicos "especiais" e já vamos perceber porquê. 

Os "reds" contam no currículo com uma goleada frente ao FC Porto. Tal como acontece com Arsenal, Manchester City ou United. Além das goleadas, os dragões também já enfrentaram histórias de "bombas" em Inglaterra. No entanto, como em todas as histórias, existem sempre exceções à regra. A mais recente foi o empate com sabor a vitória em Old Trafford, que acabou por embalar o FC Porto para a conquista da Champions pela mão de José Mourinho, em 2003/04. A outra foi no mesmo palco, mas há mais tempo. Em 1977/78 um "vagabundo" Seninho bisou no terreno dos "red devils", dando contornos saborosos à goleada sofrida, pois esses golos selaram a qualificação da equipa liderada por Pedroto para os quartos-de-final da Taça das Taças. Foram as duas últimas eliminatórias em que a equipa nortenha conseguiu bater adversários ingleses.  

A história negra do FC Porto frente a ingleses nem começou de forma malfadada, mas foi piorando ao longo dos tempos, com os piores resultados a surgirem já neste século. Tudo começou a 18 de setembro de 1968, mas um pouco mais ao lado, em Cardiff, no País de Gales. Apesar de jogar nas divisões inferiores inglesas, foi pelo triunfo na Taça de Gales que o Cardiff City se qualificou para a Taça das Taças. Na primeira eliminatória empataram os dragões (2-2), mas seriam eliminados nas Antas. Vamos, agora, à primeira eliminatória frente a uma equipa verdadeiramente inglesa. Na primeira eliminatória da Taça UEFA de 1974/75 o FC Porto recebeu o Wolverhampton Wanderers e venceu por 4-1 em casa, perdendo depois por 3-1 no terreno do Wolves.  

A equipa azul e branca sofreu aí a primeira derrota frente a ingleses, mas as eliminatórias continuaram a cair para o lado português. E foi isso que voltou a acontecer em 1977/78, num dos resultados negativos mais saborosos da história do clube. Seninho, o herói portista, recorda a eliminatória. "Quando demos os 4-0 nas Antas éramos uns verdadeiros desconhecidos, eles perguntavam de que galáxia vinha a nossa equipa. Nesse período tanto o FC Porto como o Benfica ou o Sporting caíam nas primeiras eliminatórias", recorda ao Bancada o antigo craque portista. Na segunda mão, o FC Porto perdeu por 5-2 em Inglaterra, mas seguiu em frente, muito por culpa do bis do antigo internacioal português. Depois disso começou o descalabro que, a eliminar, só Mourinho conseguiu evitar por uma ocasião. Novamente em Manchester, como já tínhamos referido. 

Mas voltemos a Manchester, onde o FC Porto encontrou muitas mais ameaças do que apenas o característico futebol direto dos ingleses. "Fomos ameaçados de bomba. Tínhamos uma bomba no hotel, no balneário... Tudo isto era algo a que não estávamos habituados, não costumávamos andar nestas andanças. Tudo era estranho e diferente. No entanto, o FC Porto tinha no Pedroto alguém que nos dava alma e confiança. E depois a qualidade de alguns jogadores fez a diferença. Tínhamos uma equipa boa, mas éramos outsiders", vinca Seninho, sobre a partida em que os dragões enfrentaram uma equipa que o antigo jogador considerava "um monstro do futebol mundial".  

"Na altura estávamos confiantes, mas até ficámos admiradíssimos com o 4-0. Após o primeiro jogo pensaram que tinha sido sorte e disseram que em casa marcavam cinco golos. E de facto marcaram, mas houve um indivíduo que marcou dois e eles foram eliminados. Tínhamos duas ou três vedetas, com muita qualidade, e a equipa era muito unida. Tínhamos uma grande defesa, um meio campo forte e na frente havia o Fernando Gomes, o Duda e o António Oliveira, que aparecia muitas vezes. Depois havia o Seninho, um jogador desconhecido, que não entrava muito em táticas e era meio vagabundo - às vezes nem jogava por essa razão", relembra o próprio Seninho, antes de dizer que "é um pouco injusto fazer comparações com a atual equipa" portista.  

Apesar da derrota por 5-2, o encontro de Manchester acabou por ficar na história do clube e também foi decisivo para o futuro de Seninho. "Estava muita gente a ver, toda a imprensa estava em Manchester. Apareceu lá o Seninho, que sabia que estava tudo a ver. Tive quatro propostas por causa desse jogo. Uma foi do próprio Manchester United, mas as minhas características não se adaptavam ao futebol inglês. Outra era do Inter, mas a Itália era o país do catenaccio. Também tive de um clube espanhol, mas lá o futebol era um pouco violento e decidi ir para os Estados Unidos [para os Cosmos]", revela-nos o antigo avançado, agora com 68 anos.  

Ambientes adversos e o problema da competitividade  

Após a eliminação do Manchester United, o FC Porto perdeu três jogos consecutivos em Inglaterra, um deles frente ao Liverpool, por 2-0, sendo eliminado nos quartos-de-final da Taça UEFA de 2000/01. No célebre jogo de 2003/04, que terminou com o golo de Costinha, o FC Porto conseguiu o primeiro empate da história mesmo em Inglaterra e todos se lembram como acabou a aventureira europeia dos dragões nessa época. Seguiram-se mais cinco derrotas, uma delas por 4-1 em Anfield e outra por 4-0 frente ao Arsenal. Depois aconteceu o último empate conseguido pelo FC Porto, em 2008/09, novamente em Old Trafford, desta vez por 2-2 nos quartos-de-final da Champions, mas com Ronaldo a dar o apuramento aos "red devils" na segunda mão no Dragão. Desde então, registo para cinco derrotas, uma delas por 5-0 com o Arsenal e outra por 4-0 com O City. E zero golos marcados. 

O que leva a este registo? Carlos Azenha, que foi adjunto de Jesualdo Ferreira nos dragões, num período em que foram muitos os adversários ingleses com que se cruzaram nas provas europeias, destaca o problema da competitividade. "As equipas inglesas praticam um futebol muito direto, muito intenso, estão habituadas a lutar pela segunda bola, são muito agressivas no jogo aéreo e às vezes a adaptação torna-se difícil. O que penso que pode ser mesmo um handicap para as equipas portuguesas, numa fase inicial, é o elevado ritmo competitivo do campeonato. No tempo em que as equipas demoram a entrar nesse ritmo já sofreram um ou dois golos. Foi o que nos aconteceu em alguns casos", recorda ao Bancada o técnico, de 51 anos. 

"Teoricamente não há explicação para este registo negativo. Há sempre ambientes quentes, na Turquia o ambiente é pior e o FC Porto até tem vencido lá. Em Inglaterra há contingências que acontecem contra a corrente do jogo que acabam por ditar esses resultados. Lembro-me da última vez que lá fomos... no espaço de dois minutos sofremos dois golos e quando isso acontece torna-se difícil as coisas correrem bem. Lembro-me também com o Chelsea, que estivemos a ganhar 1-0 e, quando tudo indicava que íamos ganhar o jogo, tivemos a infelicidade de o Helton cometer um erro. Esse lance acabou por desmoronar as coisas", argumenta Azenha.  

Já Seninho aponta o fator mental como algo determinante nestes jogos, em alusão à pressão que alguns jogadores podem acusar. "Os jogadores têm de estar concentrados e não ter medo. O grande problema no futebol é os jogadores terem medo de errar e até se esconderem. O futebol inglês está diferente devido à globalização. Na altura era um futebol direto. Hoje em dia têm um futebol muito forte", defendo o antigo craque portista.  

"Nem todos os jogadores são iguais e reagem da mesma maneira. O jogo em que senti pela primeira vez que a equipa se estava a ressentir pelo público contrário, com medo, foi na Turquia, no estádio antigo do Besiktas. E ganhámos o jogo [1-0, na Champions de 2007/08]. Em Inglaterra não senti que tivessem medo. Lá o contacto físico é muito forte, apostam muito na segunda bola. Por muito que prepares os jogadores para essa realidade só no decorrer do confronto é que começam a sentir a necessidade disso. Contra as equipas inglesas quando sofres um ou dois golos tudo se torna mais difícil", reforça Carlos Azenha.  

O ambiente adverso vivido em Old Traford também ficou na memória de Seninho. "O estádio era diferente de agora. Era mais pequeno. Era impressionante o facto de os adeptos serem quase todos jovens. Eles batiam na madeira das bancadas e aquilo fazia um barulho ensurdecedor. Até tinha a sensação de que o relvado estava a tremer. Mas a equipa esteve muito tranquila, houve só dois ou três jogadores com nervosismo, porque estes ambientes mexem sempre connosco", confessa-nos Seninho, sobre um encontro em que dois dos golos do United foram marcados pelo defesa portista Alfredo Murça na própria baliza. 

Desta vez, o FC Porto terá de enfrentar um ambiente mais complicado, pois Anfield oferece, provavelmente, a atmosfera mais intimidante do futebol inglês, sobretudo pelo que acontece na bancada "The Cop". Azenha já lá esteve ao serviço do FC Porto e explica-nos o que os dragões vão ter pela frente em Liverpool. "O público de Anfield pode ser um adversário. Estamos a falar de uma bancada mítica, que fica atrás da baliza e que tem adeptos a incentivar a equipa do primeiro ao último minuto. Quando isso acontece é um adversário que se tem pela frente. Cá em Portugal as claques apoiam, mas quando as coisas não correm bem o mais que se pode ouvir são assobios. Os ingleses não são assim", conclui.