Portugal
“Acho impossível que os elementos da direção do Benfica não sintam vergonha”
2021-06-26 14:30:00
Jorge Mattamouros aponta audição de Vieira na comissão de inquérito como decisiva para avançar com a queixa

O Benfica já deu início à preparação da temporada 2021/22 e nas conversas dos adeptos, entre os nomes de possíveis reforços e as notícias dos trabalhos a decorrer no Seixal, continua a estar a ação judicial intentada pelo associado Jorge Mattamouros contra o presidente das águias, Luís Filipe Vieira.

Advogado de profissão, Jorge Mattamouros já equacionava agir contra Vieira, por suspeitar que o dirigente misturava negócios profissionais com o clube e a SAD. O recurso aos tribunais tornou-se inevitável depois da “vergonha” que foi, para este associado, a audição de Luís Filipe Vieira na comissão parlamentar de inquérito sobre as perdas do Novo Banco.

“Depois de ver a comissão parlamentar de inquérito, de repente, fez-se luz. Depois de perceber a cronologia de restruturação pessoal de Luís Filipe Vieira (informação a que nós não tínhamos acesso), fez-se luz em relação à cronologia do Benfica. E vai sair um relatório da Deloitte que nos dará mais informação”, sustentou Jorge Mattamouros, durante uma conversa com outros associados do Benfica, transmitida pelo podcast Falar Benfica.

O presidente do Benfica, de acordo com este advogado, mudou de postura depois de ter ido ao Parlamento. Ainda assim, no topo da hierarquia das águias, parece tudo igual. “Foi incrível o que se passou. Acho impossível que os elementos da direção não sintam vergonha de ver o presidente do clube, ao qual eles estão associados, a prestar-se àquilo”, salientou.

Nos vários mandatos à frente das águias, Vieira foi transformando a “marca Benfica” numa “máquina de propaganda”, conseguindo que qualquer assunto que possa ser problemático “desapareça” da agenda mediática.

“O Luís Filipe Vieira, em cima da marca Benfica, tem, na minha avaliação, a maior máquina de impacto mediático em Portugal, não vou chamar só propaganda. Qualquer notícia, da coisa mais grave que possa parecer, desaparece. A comissão parlamentar de inquérito, por exemplo. Uma coisa grave. Esteve ali umas duas semanas no ciclo noticioso. E depois desapareceu. E é isto que acontece”, exemplificou.

Também o insucesso do Benfica na temporada 2020/21 serve de exemplo, no entender deste associado. “Durante a época, houve uma altura em que, ao fim de cinco vitórias, quiseram fazer-nos passar a mensagem de que a época teria corrido muito bem e que o problema tinha sido só a covid-19. E aquilo estava a pegar... Até perdermos um jogo”, lembrou.

O advogado insistiu que só avançou com uma ação judicial contra Vieira porque esta não pode “desaparecer” por vontade do presidente do Benfica, como acontece (na ótica de Mattamouros) com as notícias que o dirigente considera prejudiciais.

“Na ausência de uma ação judicial, há uma grande facilidade de retirar notícias do ciclo noticioso. Elas desaparecem. Mas, da perspetiva de Luís Filipe Vieira, a ação não se vai embora. Está ali, ele tem de responder e alguém imparcial vai decidir. Haverá momentos processuais de produção de prova. Ele não consegue controlar essa agenda. Manter estes temas na ordem do dia não significa que eu quero mediatismos”, explicou.

“Reparem: antes de aparecer esta ação, passe a imodéstia, o tema das eleições já lá ia. Já ninguém falava das eleições. Já se ouvia o vieirismo falar das eleições como o ato mais democrático possível e da enorme legitimidade de Luís Filipe Vieira. E agora temos um bom número de benfiquistas a pensar sobre tudo isto e a pensar se não foram além do que é admissível”, acrescentou.

Ao apresentar uma ação contra Vieira, este associado criou “um dilema” entre três fações: “Vamos ter os vieiristas empedernidos, aquelas pessoas que nunca vão aceitar rigorosamente nada contra o presidente, que confundem o presidente com o clube; vamos ter os antivieiristas, aquelas pessoas que estão desgastadas com o que se passa; e teremos um grupo grande de sócios que sente que as coisas não estão bem”.

Jorge Mattamouros acredita que “há um progressivo decréscimo de verdadeiros defensores de Vieira, descontando a máquina de propaganda, dos consultores, de toda a gente toda que depende de Luís Filipe Vieira”.

Uma “máquina de propaganda” que já está em campo, a trabalhar contra este associado. “Pagam aí a uns comentadores para virem dizer que a ação não tem mérito”, acusou: “Esse tipo de propaganda vai aparecer, porque nós sabemos que a fazem regularmente. Mas terão dificuldade porque a ação está bem montada e foi feita por pessoas que entendem de Direito e que entendem de Benfica”.

Publicamente, Vieira vai desvalorizar a iniciativa do advogado, escondendo a “enorme preocupação” com o risco de ser condenado. “Luís Filipe Vieira terá um comentário negativo, um chutar para canto, vai dizer que esta ação não tem importância nenhuma. Agora, sob essa aparência de desinteresse que virá, por trás dessa capa, não tenho dúvida de que haverá uma enorme preocupação. Pode ser um ano, 18 meses, ou dois anos. Mas a decisão virá”, antecipou.

“Os eleitores do Benfica, em geral, são tratados como menos inteligentes do que são. Vejo com grande dificuldade como é que benfiquistas podem racionalmente defender a continuidade de Luís Filipe Vieira. E sem tocar no trabalho que ele fez. Mas o que se passou nos últimos anos é muito grave. Ninguém pôde explicar esta confusão da assembleia geral, ninguém consegue explicar a contagem dos votos, ninguém consegue explicar a OPA”, concluiu Jorge Mattamouros.