Enquanto José Mourinho e Marco Silva procuram ainda o caminho das pedras na Premier League – Mou a estabilizar um onze após uma pré-época quase sem reforços, Marco à procura da melhor fórmula sem vários dos reforços – emerge do andar de baixo, do Championship, uma das equipas mais completas que a nova época tem mostrado para lá da Mancha: o Wolverhampton “português”, fornecido de qualidade por Jorge Mendes e liderado de modo competente por Nuno Espírito Santo (NES). O ano avassalador no segundo escalão foi atribuído por quase todos à qualidade singular do plantel que tinha passado a habitar o Molineux. Na mais gasta das lógicas, os Wolves ganhavam porque tinham jogadores muito melhores do que os outros. Melhores seriam, não duvido, mas não era só por isso que ganhavam, como este arranque de época está a mostrar. Espírito Santo acrescentou ao grupo uma ideia e, acreditando nela, fez progredir o coletivo até a um nível de rendimento que não só o fez juntar-se aos melhores como lhe permite hoje bater-se com eles. O jogo com o Manchester City, há cerca de um mês, foi prova eloquente. Os Wolves não roubaram pontos à armada de Guardiola só por razões de felicidade ou um erro do árbitro, conseguiram-no jogando nos olhos do rival sempre que possível, ferindo-o tacticamente muito mais vezes do que é costume e colocando-se, mais de uma vez, perto da vitória.
Os reforços foram cirúrgicos e de qualidade, e alguns que conhecemos muito bem, como Rui Patrício, João Moutinho ou Raul Jimenez, mas a base é a que veio da divisão inferior, feita de jogadores que conhecem bem as ideias do treinador mas também a lógica de andamento forte e duelos sucessivos de que se alimenta o futebol inglês. Disso, o trio de centrais – Bennett, Coady e Boly – é exemplo flagrante. Todos enfrentam com facilidade os choques sucessivos no futebol aéreo mas também resolvem os problemas quando a bola lhes chega aos pés: Bennett protege-se mais mas Boly assume muitas vezes a condução e Coady é mestre nos lançamentos longos. Percebe-se, a partir daqui, como sabe variar jogo a equipa de NES: terrível nos lançamentos longos em busca de profundidade, melhorou muito a circulação e a paciência com bola, muito eficaz na cobertura do corredor central, protege-se bem nas zonas laterais, assim como exibe uma dinâmica permanente em que liga os corredores com bola, sempre com várias soluções para cada momento.
Nos lançamentos longos, deve somar-se à qualidade de Coady a mira telescópica colocada nas botas de Rúben Neves, que recua várias vezes, normalmente sobre a esquerda, para organizar jogo, seja em lançamentos para o corredor contrário (largura agressiva de Doherty, mas sobretudo explosão de Hélder Costa) ou, se o adversário dá espaço para construir mais curto, ligar com João Moutinho ou aproveitar os magníficos movimentos de apoio de Diogo Jota (cada vez melhor jogador!). A equipa progride com critério e soluções várias, ora por dentro ora por fora, em tabela ou numa desmarcação de rutura. A mesma equipa que tem um par de cérebros raro como Rúben e Moutinho – com foi feliz NES ao juntá-los – tem também armas permanentes para que nenhuma defesa descanse com metros nas costas. Quem tem, ao mesmo tempo, Hélder Costa, Diogo Jota e Raul Jimenez, tem duas garantias fundamentais: a defesa contrária nunca constrói jogo em sossego (se facilitar com bola vai ficar sem ela em zona proibida) e os organizadores de jogo da própria equipa sabem que há sempre uma seta pronta a disparar rumo à baliza contrária. E ainda tem de reserva o furacão Adama Traoré, seguramente um dos futebolistas mais rápidos do mundo, desequilibrador puro, potência e drible ao mesmo tempo e em doses generosas, lançado quando o jogo se parte ou em situações favoráveis no marcador e que já foi decisivo mais de uma vez.
E há ainda Rúben Vinagre, lateral menos contundente que Jony Castro mas com um pé esquerdo que faz dele ótima solução ofensiva (e alternativa de curto prazo a Guerreiro e Mário Rui na selecção), Dendoncker, joker belga para usar indiferentemente na defesa ou meio campo, Ivan Cavaleiro, lesionado de momento, e Bonatini, que entra na parte final dos jogos, numa gestão do desgaste a que Jimenez é sujeito e se sujeita. Não é um plantel muito grande mas apresenta um conjunto de jogadores que são, quase todos potenciais titulares, o que, no calendário apertado das competições inglesas, pode ser fator crítico de sucesso. Ainda assim, foi mesmo no coração da equipa o maior ganho, na junção de cérebros portugueses que acrescentaram pensamento e critério à vertigem que é imagem de marca de vários colegas. Com a bola em qualquer deles, o campo fica maior, o que dá muito jeito para atacar. Sem a bola, o zona central, onde é mais sensível conceder espaços, nunca fica deserta. Moutinho é já um velho sabedor, capaz de explicar sempre onde se deve estar no campo e porquê. Vale a pena segui-lo um jogo inteiro e tentar perceber o que faz sem bola, que aí está quase tudo o que é preciso entender do jogo. Rúben é o rei do passe, curto ou longo conforme a necessidade, pequeno Guardiola magistral no sentido útil que confere a cada lance. Mestre e aluno de mérito, como pai e filho numa comunhão de ideias. E muito mérito de Espírito Santo.