No Brasil festeja-se a transferência de Neymar do Barça para o PSG. Por causa do impacto nos planos de carreira do craque? Não. Pelo que o negócio representa para a economia do futebol? Muito menos. Pela redefinição do equilíbrio de forças nas ligas espanhola, francesa e dos campeões? Menos ainda. Festeja-se por puro – digamos – calculismo supersticioso.
Afinal, em 1994, quando o Brasil se sagrou tetracampeão mundial, o número 10 do clube parisiense era um brasileiro, Raí. E, em 2002, quando os canarinhos se tornaram penta, também: Ronaldinho Gaúcho. E se em 1958, 1962 e 1970, os outros anos de conquistas verde-amarelas, o número 10 do PSG não era brasileiro, isso deve-se, prosseguem os fanáticos das coincidências e dos acasos, ao singelo facto do clube francês ainda nem existir – foi fundado dois meses após a final de 70.
Místico por natureza, o país com as maiores populações católica e espírita do mundo e vice-líder, atrás dos Estados Unidos, em número de fiéis protestantes, tem espaço ainda assim para assuntos terrenos. E, no terreno, o Brasil parte, convenhamos, entre os favoritos para o Russia-2018: tem um treinador, Tite, na mesma frequência de onda dos filósofos do futebol moderno e um grupo de jogadores capaz de ombrear com os gloriosos Brasis do passado, portanto, capaz de ombrear com a poderosa Alemanha e companhia do presente.
Dois dos melhores laterais do mundo, Daniel Alves e Marcelo, o médio posicional da moda, Casemiro, talento de sobra nas alas, Coutinho e, claro, Neymar e um ponta-de-lança combativo e habilidoso, Gabriel Jesus. Os nomes do guarda-redes titular – Alisson – e da dupla de centrais preferida – Marquinhos e Miranda – são menos impressionantes, mas os meros dois golos sofridos em jogos oficiais, um num autogolo e outro num penálti, falam por eles. Sobram os dois médios de comunicação, Paulinho e Renato Augusto, que trabalham sem parar, ou não estivessem os dois no incansável mercado chinês, e as muitas e boas segundas escolhas.
Sim, há concorrentes de peso. Desde logo os outros três grandes do futebol de seleções: a vizinha Argentina, de Messi (e do Papa Francisco, já que falamos de fé); a campeã Alemanha, da organização e do método (e do emérito Papa Bento XVI, já agora); e a quase sempre competitiva Itália (onde, a propósito, moram os dois papas). Fora França e Espanha, os dois últimos campeões que nunca o tinham sido antes, em 1998 e 2010. Inglaterra e Uruguai, para completar o lote das oito seleções que já ergueram a taça, estarão no meio do pelotão.
O que leva a uma questão interessante: o Rússia-2018 trará um campeão do mundo inédito? E quem, de entre os 203 membros da FIFA, num universo de 211, que nunca venceram um Mundial será o próximo a consegui-lo? Afinal, estamos em maré de estreias: os atuais campeões sul-americano e europeu, Chile (duas vezes seguidas) e Portugal, nunca haviam conquistado o título antes.
Quando o economista (e fã apaixonado do Manchester United) Jim O’Neill cunhou a expressão BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) a propósito de novos países em condições de dominar a economia global, listou fatores como área, população, produção, matérias primas. Quem pode então aspirar a ser BRIC do futebol? E quais os critérios?
Num exercício, ao contrário do de O’Neill, sem pretensões científicas tomemos como fatores indispensáveis a paixão natural pelo futebol, o nível de organização do jogo, a presença habitual em mundiais, o campo de recrutamento e a relevância enquanto nação.
Aos milionários China e Estados Unidos, primeiro e quarto países mais populosos do mundo, sobra-lhes campo de recrutamento mas falta-lhes paixão natural, no caso dos americanos, e presença habitual em mundiais, no caso dos asiáticos. Essa inconstância nos apuramentos é o problema também dos loucos pelo jogo e potências das suas regiões Egito e Turquia. A Nigéria, sétimo país mundial em população e, portanto, país com melhores probabilidades da apaixonada por futebol África Negra, não tem liga organizada. Com boas doses de cada um dos fatores necessários elencados, a Colômbia tem potencial para ser uma força, mas, por ora, de segundo plano.
Sobram, portanto, dois países com tudo: México – liga tradicional, força demográfica, presença constante nos eventos, triunfo recente no torneio olímpico e relevância crescente no mundo – e Rússia – futebol tanto histórico como milionário (única seleção das 32 no Brasil-2014 com todos os jogadores a atuar na própria liga) e gigantismo a todos os níveis. Tivesse a seleção anfitriã do próximo Mundial uma ótima geração, como tiveram Inglaterra e França quando ganharam os “seus” mundiais caseiros, e estaria entre os favoritos para o ano. O razoável conjunto azteca também tem tudo na teoria menos talento suficiente imediato na prática.
Por isso, tal como os BRIC demoram a tomar conta da economia global, daqui a um ano o mais provável é que um dos campeões mundiais tradicionais esteja a festejar nova conquista. E o Brasil, com o novo camisa 10 do PSG em campo, parte como favorito, pelo menos, segundo os fanáticos da superstição.
João Almeida Moreira é um jornalista português radicado em São Paulo e escreve no Bancada ao segundo sábado de cada mês