Opinião
O Benfica não sabia, mas quem sofre é o futebol português
2018-10-04 14:05:00

Para evitar julgamento, depois de ter sido acusada pelo Ministério Público de 30 crimes, entre eles corrupção, recebimento indevido de vantagem e favorecimento pessoal, a Benfica SAD defendeu-se, argumentando que nada teve a ver com os ilícitos imputados a Paulo Gonçalves, acusado de 79 crimes. Ora bem, aos olhos da malta que não faz do conhecimento de questões legais a sua vida, o expediente dos encarnados de nada serve para reanimar a dignidade do futebol português, por duas ordens de razões: alimenta as suspeitas de que, de facto, havia trabalho de bastidores e poucos serão os que acreditam que Paulo Gonçalves agiu com motivação própria e à revelia do clube.

No início da semana, Luís Filipe Vieira afirmou, em Assembleia Geral, que “quem tiver de cair que caia” na sequência do processo de investigação do caso E-Toupeira. Depreende-se da palavras do presidente do Benfica que alguém terá de cair. Não se percebeu claramente a quem se referia Vieira, mas julgo que o objetivo do líder máximo dos encarnados era mesmo esse. Ao mesmo tempo que alertava os benfiquistas para a eventualidade de alguém “próximo” do clube vir a “cair” - leia-se ser condenado -, Vieira apontava também o dedo ameaçador a quem está por trás de “tudo isto”.

No requerimento de abertura de instrução entregue ontem no Tribunal da Comarca de Lisboa, o Benfica tenta evitar o julgamento alegando "total desconhecimento" dos actos ilícitos de que é acusada a SAD e vai mais longe ao afirmar que "Paulo Gonçalves estava expressamente proibido pela Benfica SAD de praticar os atos que, na tese de acusação, terá praticado.

Ora, na prática, o que a Benfica SAD quer dizer é que Paulo Gonçalves estava, por exemplo, proibido de fazer aquilo que todos vimos com as divulgações de fotografias em que o antigo assessor jurídico oferecia camisolas do Benfica a José Nogueira da Silva, o funcionário judicial que terá fornecido a Paulo Gonçalves informação privilegiada sobre os processos judiciais em que o Benfica estava envolvido, por exemplo, o “caso dos emails”. O clube da Luz alega que a acusação do Ministério Público falha em relacionar a SAD com os atos de Paulo Gonçalves, isto é, não prova que o Benfica sabia daquela entrega de presentes, por exemplo.

Independemente do que venha a acontecer daqui para a frente, quem sai a perder será sempre o futebol português. Mesmo que a Benfica SAD consiga provar que nada teve a ver com os actos ilícitos imputados a Paulo Gonçalves, jamais o futebol português se livrará desta mancha, porque, de facto, o Benfica acabou por beneficiar dos actos do seu funcionário. Esta relação promíscua entre dirigentes de futebol e funcionários judiciais em prol do favorecimento de um determinado clube é coisa de filme. Um filme que não gostaríamos de ver no país Campeão da Europa.