A Taça das Confederações mostrou que as melhores ideias estão sempre mais perto da vitória. Dizer que a Alemanha levou uma equipa secundária à Rússia é uma verdade mentirosa. É certo que não teve Neuer, Hummels, Kroos ou Thomas Muller mas não atraiçoou nem uma só vez a proposta de jogo que tem exibido em muitos anos e que há-de apresentar de novo no Verão de 2018, contando já com todos os melhores. É nos princípios de jogo colectivo que se encontra a identidade e é a identidade que faz as melhores equipas, mesmo as de selecção. Ou mais ainda as de selecção, que o menor tempo para treinar, em vez de ser uma desculpa para não se perceber um processo claro, deve antes reforçar a necessidade de definir claramente uma ideia do jogo, com princípios que estabelecem o que se pretende de cada jogador em cada posição e em cada momento. Não se trata de recusar o óbvio, que é a necessidade de retirar o melhor de cada jogador, antes do inverso, de criar um contexto com que os jogadores facilmente se identifiquem e permita usufruir do máximo que cada um pode dar. Não, a Alemanha que se exibiu na Rússia não mudou por não ter este jogador ou aquele, nem tactimente se protegeu por causa disso, antes reforçou a convicção num caminho táctico (que já valeu um título mundial) e meteu mais gente na caminhada. Apenas começou a marcha de Rudiger, Ginter, Goretzka, Rudy ou Werner na Mannschaft, já que não é difícil prever que dentro de um ano estejam no grupo dos alemães que já tocaram o topo do mundo.
As outras melhores equipas, essas com os melhores jogadores que tinham, eram Portugal e o Chile, melhor Portugal que o Chile mesmo se isso não valeu mais uma final aos homens de Fernando Santos. O que nenhuma delas conseguiu foi ser surpreendente, e menos ainda entusiasmante, valha a verdade. O Chile voltou a ser o que tem sido com esta sua geração de ouro feita de homens pequenos no tamanho mas gigantes na alma: melhor a atacar que a defender, muito forte sobretudo no contra-ataque, mesmo se já sem a riqueza de jogo dos anos de Bielsa e Sampaoli. Portugal foi evolução na continuidade em relação ao Europeu de França. Com uma diferença: enquanto o Chile vive dessa geração de Alexis e Vidal mas não vislumbra sucessores, Portugal viu chegar mais gente de talento para somar aos melhores de há um ano. Ou seja, o Chile não mudou mas dificilmente poderia mudar, Portugal não mudou mas precisa de mudar. A pergunta é: mudar… como a para quê?
Raciocínio lógico: se não faz sentido (nos próximos anos) imaginar Portugal sem Cristiano Ronaldo e não se tirará dele o melhor rendimento sem ser numa dupla de ataque, Portugal só pode jogar em 1-4-4-2. Fernando Santos tem assim duas opções: ou prossegue com a estrutura mais clássica que tem sido utilizada, com duas linhas de quatro homens, ou avança para um losango no meio campo, algo que já experimentou nos clubes e que, curiosamente e embora já poucos se lembrem, foi o primeiro sistema em que apostou neste seu trajecto na selecção. Depressa o abandonou, é certo, mas parece-me interessante que possa voltar a pensar nele. É que se a equipa portuguesa na Rússia tem de ter Ronaldo, o torneio na Rússia mostrou que tem de ter também Bernardo Silva. A essa dupla de génios desequilibradores, junto mais um: Gelson. Há-de haver maneira de colocar os três em campo mantendo o mínimo equilíbrio na equipa. Só o losango o permite. Além de manter Ronaldo em dupla na frente, coloca Bernardo onde tem de estar mais vezes que é no centro do terreno – onde poucos são capazes de jogar como ele – sem o amarrar à direita e sem o desgaste das grandes correrias defensivas que lhe reduz o tempo útil em campo para 70 ou 80 minutos. E onde arrumar Gelson? Prioritariamente à direita desse losango (ou 1-4-1-3-2), como quase sempre evolui no Sporting, também num sistema com dois avançados no centro. Vantagem suplementar: André Gomes não seria mais um ala esquerdo, posição que sabe cumprir tacticamente mas que nunca lhe permitirá mostrar a qualidade que efectivamente tem. Vale até a pena reforçar que quando se tem, além de André Gomes, também Adrien, Moutinho, Pizzi, João Mário ou Renato Sanches, faz sentido aumentar as vagas no corredor central, precisamente para tirar destes jogadores o melhor que sejam capazes de dar. Acresce que a questão da profundidade nas alas estaria garantida pela qualidade ofensiva dos laterais portugueses, que quem tem Nélson Semedo, Cédric, Cancelo, Guerreiro e Coentrão bem pode dar-lhes licença para atacar.
Este raciocínio tem um vício original, dirão alguns, que é o de perspectivar essa evolução de um prisma ofensivo, ou seja, pensar primeiro em como tirar o melhor dos jogadores para poder atacar. É verdade e é assumido. É que esta selecção já tem doutoramento – com louvor garantido em Paris – nas disciplinas de rigor defensivo, anulação do adversário e racionalidade à espera do momento de dar a estocada. Acredito que a margem de crescimento está precisamente nos momentos com bola e insisto em que as estrelas nascentes reclamam esse regresso a um futebol que nos faça cantar vitórias mas nos deixe também encantar com elas. E não só as que já brilharam na Rússia mas também as dos sub-21 (Gonçalo Guedes, Bruma, Podence, João Carvalho, Bruno Fernandes), que claramente recomendam um jogar de iniciativa em que a qualidade técnica dos nossos seja a primeira arma para ganhar. A proposta de jogo é crucial. Por isso, pelos princípios, no fim ganhou a Alemanha, mesmo deixando os maiores craques a trabalhar para o bronze em Ibiza ou nas Seychelles.
Carlos Daniel é jornalista da RTP e escreve no Bancada às segundas-feiras.