Opinião
Mourinho e Beckham, dois modelos de ego-marketing
2018-02-24 14:00:00

Um desafio inesperado, mas que muitos estarão prontos a acolher e farão tudo para manter vivo. Opõe José Mourinho a David Beckham e foi marcado de improviso na quarta-feira à noite, após o jogo da primeira mão dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, disputado no Estádio Sánchez Pizjuán, entre o Sevilha FC e o Manchester United. O jogo acabara 0-0 e a conduta excessivamente prudente dos Red Devils originara muitas críticas. Incluindo aquela de Beckham, que no United vestira a mítica camisola número 7 e a braçadeira de capitão. Por isso se sentiu autorizado a criticar uma exibição “que não foi à Manchester United”, isto é, indigna de uma equipa que pertence à elite do futebol mundial e que em nenhuma circunstância deveria esquecer o seu nível. Nem mesmo quando vai jogar a um estádio tão difícil como o do Sevilha FC.

A reação de José Mourinho às palavras de David Beckham era tão inevitável como óbvia. Havia, antes de mais, que defender as escolhas de posicionamento e de jogo, que ainda assim deram um bom resultado e permitirão ao Manchester United jogar em boa posição a qualificação no seu próprio estádio. Depois, havia que defender o seu estilo de jogo, que nunca agradou aos estetas mas permitiu a todas as equipas treinadas pelo técnico de Setúbal atingir resultados de altíssimo nível. E, por fim, havia que enfrentar um duelo dialético entre personagens de topo na arena mediática do futebol global.

Acho que este último é o aspeto mais interessante da história. Centrar a história na avareza do jogo expresso por uma equipa de José Mourinho é perder tempo. Já se sabe há muito que quem se diverte com estas exibições são apenas os adeptos da equipa treinada pelo português – e só que ela tiver bons resultados. De resto, a parte mais agradável do espetáculo proposto por José Mourinho é sempre a que se passa fora de campo, a zona em que lhe podemos chamar, com razão, Special One. Mas é precisamente neste plano que se descobre a maior semelhança entre ele e David Beckham.

O ex-número 7 do Manchester United foi certamente um futebolista de enorme talento e extraordinário profissionalismo, mas é também verdade que a sua fama foi sempre muito superior ao que mostrou em campo. E nesta minha avaliação não há qualquer avaliação negativa. Mais: tal como escrevi, num livro sobre desporto e pós-modernidade que estará nas livrarias nas próximas semanas, penso que no desporto de hoje a capacidade de produzir imagens e comunicar são talentos fundamentais. Nesta mutação cultural, que vê os atletas tornarem-se celebridades e construírem grande parte da sua fama fora do campo de jogo – quando no período que se concluiu nos anos 80, a fama dos atletas dependia quase exclusivamente da sua capacidade de conseguir sucesso dentro do campo – David Beckham foi um dos principais protagonistas. Demonstra-o o facto de, apesar de já ter deixado de jogar há cinco anos, não tenha ainda visto minimamente afetada a sua fama.

Em comparação com o inglês, Mourinho é menos projetado para a dimensão da pura imagem. Continua a ser um homem do futebol e vive-o com um espírito dramático que Beckham nunca teve, nem sequer na fase mais intensa da sua carreira. E todavia também Mourinho apresenta uma notável dimensão comunicativa e publicitária. A sua personagem, mas também o seu perfil profissional de treinador, baseia-se numa capacidade dialética e numa aura mediática que já fazem parte da sua bagagem laboral. E é isso que, no plano do debate, o impede de ceder a um golpe do adversário. Qualquer que seja esse adversário. Mais ainda se ele for um personagem do calibre de David Beckham, que mal abre a boca convoca os refletores da cena global.

Em ambas as frentes disparam as exigências do ego-marketing. Não se trata sequer do confronto entre dois machos-alfa, que só se resolve com a vitória de um sobre o outro. Em casos deste género, o que conta é não ceder ao opositor, nunca dar a impressão de se ser submisso. O equilíbrio de forças pode até ser a solução mais desejada, caso se consiga transformar tudo numa emoção para o público.

Mas é claro que estamos a falar de puro espetáculo. O futebol é outra coisa.

Pippo Russo é um jornalista e sociólogo italiano e escreve no Bancada ao quarto sábado do mês.