Opinião
Griezmann é o melhor mas não o mais querido do Atlético
2018-03-03 15:20:00

A antropologia do futebol assinala caraterísticas particulares em cada clube, detalhes que explicam os gostos dos seus adeptos e uma resistência, que pode chegar a ser feroz, a mudar coisas que estes consideram como básicas. Há não muito tempo, no World Summit Football realizado em Bilbau, Javier Clemente, o popular ex-treinador do Athletic e polémico ex-selecionador espanhol, recusava radicalmente a possibilidade de reproduzir na “cantera” basca a metodologia do Barça e, em geral, o aclamado estilo de Pep Guardiola. Clemente não soube explicar por que razão um miúdo de Tarrasa (Xavi), de Badia (Busquets), de Barcelona (Piqué) ou Fuentealvilla (Iniesta) pode jogar e triunfar num modelo baseado essencialmente na apoteose técnica e porque é que os rapazes das localidades vizinhas – Barakaldo, Durango, Gernika, Getxo ou Portugalete – não podem fazê-lo.

É bastante habitual no futebol escutarmos estas teorias sectárias, que no caso do Athletic de Bilbau o condenam a jogar mal. Segundo esta espécie de determinismo histórico, o Atlético de Madrid nasceu para jogar em contra-ataque, o estilo que caraterizava as suas míticas versões dos anos 60, com Luis Aragonés a jogador, ou dos anos 70, com ele a treinador. Diego Simeone é o messias atual daquela cultura, definida pelo entusiasmo dos adeptos por um tipo de jogador de cabelo escuro, cara pálida e barba cerrada – Simeone, Luis Aragonés e Diego Costa –, lutador, violento em algumas ocasiões, propício a expulsões, furiosamente competitivo e temido pelos rivais. Se há jogador que não cumpre com a maioria destes pressupostos ele é o francês Antoine Griezmann, claramente o melhor futebolista da equipa, mas sempre submetido à divisão entre os adeptos do Atlético. Ao contrário de Diego Costa, Griezmann não é universalmente querido pelos adeptos.

O Atlético estará nas melhores condições para ganhar a Liga se vencer amanhã o Barça no Camp Nou. Ninguém o admitiria no início do ano, quando o Barça tinha onze pontos de avanço. Agora são cinco. Duas razões explicam esta redução. O Barça concedeu empates inesperados contra equipas situadas em zona de descida, como o Alavés e o Las Palmas. E o Atlético não comete erros. É a equipa menos batida da Europa – 11 golos sofridos em 28 jogos – e nas últimas jornadas até se deu ao luxo de golear os rivais: meteu cinco ao Sevilha FC e quatro ao Leganés. A razão essencial para esta saga do Atlético é Griezmann, autor de sete golos nas duas últimas partidas e de 15 desde o começo da época.

É fácil atribuir a Griezmann (26 anos, quarta época no clube, 75 golos em 134 jogos da Liga) a responsabilidade pela recuperação do Atlético. É um caso simples de leitura inversa. Se o consideravam responsável pelo fracasso, tem de ser inevitavelmente o ator principal do sucesso. O percurso do Atlético vinha sendo muito irregular até aos últimos dois meses. Eliminado da Champions logo na fase de grupos e da Taça do Rei nos quartos-de-final, viu os seguidores apontarem Griezmann como principal problema da equipa. As razões eram de todos os tipos: no início do Verão acusavam-no de traição, por insinuar que queria mudar de equipa, e na primeira metade da época criticavam-no por ser preguiçoso, acusação que coincidiu com duas decisões relevantes, que foram tirá-lo do dérbi com o Real Madrid e substituí-lo pelo defesa uruguaio Giménez, no Riazor, quando o Atlético empatava a zero com o débil Deportivo da Corunha.

O interesse do Barça na sua contratação não ajudou à popularidade de Griezmann e mereceu até um protesto do Atlético junto da UEFA. Ainda que os catalães o tenham negado, suspeita-se que o francês alinhará na próxima época pelo FC Barcelona. A cláusula de transferência é de 100 milhões de euros, uma barbaridade há um par de anos. Agora, depois da revolução económica causada pela transferência de Neymar, essa mesma verba é quase uma borla por um dos melhores jogadores do Mundo.

Os adeptos do Atlético já despediram Griezmann com assobios e apupos, mas agora não têm outro remédio a não ser ovacioná-lo. Só Messi faz tanta diferença nos jogos. E isso não significa uma apreciação clara por Griezmann, jogador generoso, astuto e versátil, capaz de se mover por toda a frente de ataque e de se associar aos médios. Fenomenal rematador de meia distância, excelente contra-atacante, mais do que aceitável cabeceador, o francês é uma mina para o Atlético. Ainda assim, não são poucos os jornalistas e adeptos que assinalam o regresso do intempestivo Diego Costa como causa dos êxitos da equipa.

Griezmann – louro, leve, bonito, de rosto de menino, sorridente, pouco conflituoso – não pertence à estirpe de Simeone, Aragonés ou Diego Costa, personagens dignas dos western spaghetti de Sergio Leone. A Griezmann, na Real Sociedad, onde era adorado, chamavam-lhe o Principezinho. Quando se chateiam com ele, muitos adeptos do Atlético chamam-lhe “A Loura”, com visível tom depreciativo. É, com toda a segurança, um dos melhores futebolistas da história do Atlético. E mesmo assim nada leva a que se pense nele como mito dos “colchoneros”. E uma figura mundial, mas não cumpre com o perfil aguerrido que tanto agrada aos adeptos.

Santiago Segurola, jornalista e ensaísta espanhol, escreve no Bancada ao primeiro sábado de cada mês.