Dez jornadas cumpridas e a maioria das equipas não ilude, desilude. Exceções: Sporting e Porto fortes, Braga competente e Rio Ave inspirador. No mais, entre altos e baixos, pouco se vê mais que banalidades. Olhemos desta vez mais os jogadores, com boas notícias em quase todos os conjuntos, porque se é verdade que numa boa equipa todos parecem melhores, também é um facto que nenhum coletivo, por frágil que seja, impede que se percebam os verdadeiros talentos. Neste caso, aliás, vive deles, tantas vezes.
Vê-se Rúben Ribeiro jogar pelo Rio Ave frente ao Sporting e pensa-se que não deslustraria na outra metade do campo, entre os mais bem pagos, como já demonstrara frente ao Benfica ou ao Porto. E pergunta-se a seguir porque não chegou mais alto. Em Itália, onde o cartão de cidadão tem menos peso que por cá, estaria decerto a caminho de um grande em janeiro, a despeito dos 30 anos, ou mesmo, se a concorrência pela posição o permitisse, a bater à porta da seleção. Rúben tem a técnica dos melhores, com esse pormenor, que é mesmo “pormaior”, de nunca se esconder, dizendo sempre à equipa que o procure porque ele tem no bolso mais uma solução para que o jogo flua. E fá-lo fluir, se há espaço e unidades soltas para isso, como também o trava, para agrupar mais soldados na hora de atacar. Chama-se a isto entender o jogo e ser capaz de definir ritmos. E Rúben consegue fazê-lo onde é mais difícil, porque o espaço rareia, nas chamadas entrelinhas onde só os craques verdadeiros respiram tranquilos. Questão fundamental: todo o futebolista precisa de um contexto que o faça sentir-se confortável. Rúben Ribeiro não é jogador de equipas que jogam recuadas, muito longe da baliza contrária e à espera que o rival falhe. Talvez por isso só agora o vejamos ao melhor nível. O negócio dele é com a bola e só numa equipa que a preza poderia brilhar. É um bálsamo ver o atual Rio Ave – de iniciativa sempre, de risco tático mas com equilíbrio que resulta do bom treino – por entre uma série de modelos repetidos e cinzentos. Rúben Ribeiro é a sétima cor do arco-íris, o prémio suplementar para quem gosta do jogo. Em dia sim, e têm sido vários, ele sozinho vale o bilhete.
No caminho das pedras para encontrar estrelas com luz própria, sigo o trilho da tabela, critério seguro para destacar que se mostra primeiro entre iguais ou maior que o coletivo. No Porto, revelam-se goleadores Aboubakar – que cresceu imenso também a ligar o jogo - e Marega mas é sempre nos pés de Brahimi que está a capacidade de desequilibrar com bola, variando os espaços por onde a equipa ataca. No Sporting, o eixo de sucesso liga a qualidade extraordinária de William (a Juve tê-la-á percebido agora) à criatividade lúcida de Bruno Fernandes (que a Juve já tinha percebido mas deixou fugir). O Benfica vive iluminado pelos golos - e pela classe extra - de Jonas, com Grimaldo a mostrar-se maior que a equipa e com dificuldade em ser apenas um lateral esquerdo. Gosto de Hassan no Braga, forte a segurar a bola e a procurar o golo, mas quem me encanta mesmo é o miúdo Xadas. O Marítimo revela o lateral Bebeto mas é a força goleadora de Rodrigo Pinho e Ricardo Valente que melhor retrata uma equipa essencialmente eficaz. Gosto de André Sousa no Belenenses, médio que trabalha mas também organiza e faz golos, vejo Heldon personificar o melhor de um errante Vitória de Guimarães, David Simão acrescentar critério para que o Boavista circule melhor a bola. Aprecio Vasco Rocha no Paços (como segundo médio), enquanto espero sempre mais de Pedrinho e voltar a ver Andrezinho. A prometer voos mais altos, para equipas de topo, sublinho Etebo no Feirense, Gonçalo Paciência, que finalmente afirma toda a qualidade que se adivinhava no Vitória de Setúbal, e agora com golos. Sigo sempre o que faz Murilo Freitas, esquerdino insinuante do Tondela, e mais essa empolgante dupla nipo-braiseira do Portimonense, Nakajima e Paulinho. O Chaves é melhor nos dias bons de Bressan, e espera ainda pelo melhor de Matheus, enquanto Rafael Costa tem sido quase uma ilha de bom rendimento num Moreirense sem rumo até agora. Também o Aves, repleto de nomes, demora em destacar algum e em deixar perceber se Amilton é mais que um extremo voador. E é mesmo difícil perceber o último lugar – e tantas derrotas - do Estoril quando se vê a bola sair redonda dos pés dos gémeos esquerdinos Lucas Evangelista e Eduardo. Não referi mais ninguém do Rio Ave, por já ter destacado Rúben Ribeiro, mas não resisto a juntar-lhe Francisco Geraldes, outro talento que executa melhor que a maioria por pensar mais depressa que quase todos. Deixem-no jogar também. Deixem-nos jogar aos dois, juntos, e dêem-lhes a bola. Assim tem acontecido em Vila do Conde e também por isso este Rio Ave é inspirador.
Carlos Daniel é jornalista na RTP e escreve no Bancada às segundas-feiras.