O Arsenal v Chelsea da época passada, em setembro de 2016, marcou um dos pontos de viragem mais importantes da Premier League no domínio tático. Na altura, Wenger já vencia os azuis por 3-0 na 1.ª parte e foi nessa altura que Conte, até aí partidário do 4-3-3 em contexto de jogos oficiais, mas já escaldado com a derrota em casa contra o Liverpool, tentou um choque no sistema: tirou Cesc, um centrocampista, e colocou Alonso, um ala-esquerdo adquirido pouco tempo antes à Fiorentina, embora tivesse tido uma passagem anterior pelo futebol inglês (Bolton e Sunderland) que sempre facilitou a sua adaptação à PL.
Oscar, que era um dos três elementos que compunha a zona média, foi, antes de ser vendido para a China, um dos principais sacrificados com a nova roupagem do Chelsea: o 3-4-2-1, estreado oficialmente na 2.ª parte daquele dérbi contra o Arsenal e que criou moda em todo o resto da temporada 2016/17, estando na origem do êxito do emblema de Fulham Road. Depois da jornada em que perderam contra o Arsenal, os azuis estavam em 8.º lugar. A partir do 3-4-2-1, ganharam 13 jornadas seguidas, logo encaminhados para o título de campeão, com a nota de não terem participado nas competições europeias que lhes pudesse provocar mais desgaste.
Na verdade, e mesmo não tendo conseguido comprar Koulibaly ao Nápoles, Romagnoli ao Milan ou Bonucci à Juventus, Conte já naquela pré-época previu o resgate desse sistema específico, quando fez testes com três defesas-centrais nos estágios da Áustria e EUA. A aquisição de Alonso só veio a reforçar a noção que Conte já idealizava um novo sistema, mas que esperava que a equipa deslizasse para ter argumentos e legitimidade para uma mudança severa.
As vantagens daquela estruturação tática já foram devidamente escalpelizadas. Tendo Matic e Kanté a dominar o espaço central, que, somados com os três defesas-centrais, formavam um bloco de cinco unidades no meio para segurar as transições, o Chelsea pressupunha o avanço de cinco homens em ataque: para além dos dois médios-ofensivos com posicionamento indefinido (Hazard mais inclinado para o centro-esquerda e Pedro/Willian mais para o centro-direita), estavam presentes o ponta de lança (Diego Costa) e os dois alas (Alonso e Moses) que perfuravam pelos flancos e que podiam concluir no poste mais afastado.
Para a presente época, Conte fez um ligeiro ‘lifting’. Percebendo que o seu 3-4-2-1 tinha causado uma ótima impressão e que tinha sido plasmado em muitos outros clubes da Premier League, que o iam espelhar contra os azuis nos jogos em que defrontassem o técnico ‘leccese’, Conte ultimou um 3-5-2, bem mais próximo daquilo que fazia na sua melhor Juve e Itália. Sem surpresa, atendendo àquilo que se passou nos três confrontos anteriores (Final da Taça, Supertaça e jogo da 1.ª volta do campeonato), Wenger voltou a espelhar o sistema tático no dérbi mais recente, no Emirates, recuando Özil para mais perto de Xhaka e de Wilshere, exatamente para fazer o ricochete do 3-5-2 de Conte e não ficar a perder no preenchimento numérico da zona média. Depois houve muitas desafinações nos ‘Gunners’, mas isso fica para outra oportunidade…
Removendo um dos dois médios-ofensivos (Pedro/Willian), compôs-se ainda melhor a zona média central com uma terceira peça, a sexta para o corredor central da zona mais recuada. Isso permite-lhe, em jogos “grandes”, conter com mais densidade a zona ofensiva do oponente, como conseguiu contra o Tottenham, a reduzir o impacto das infiltrações da dupla Alli & Eriksen a suportar Kane, em agosto.
Conte não se tem fixado totalmente no 3-5-2 durante esta temporada 2017/18. Ocasionalmente, alterna com o 3-4-2-1 da época anterior, quando pretende agitar ligeiramente mais a equipa, ou quando tem de adequar um desenho mediante a rotatividade necessária para gerir a condição do plantel que está em várias provas em simultâneo: por exemplo, se tiver de descansar um ou dois médio-centro, e não tendo outro de categoria aproximada para além de Drinkwater para revezar, recorre a um médio-ofensivo como Pedro ou Willian para manter a categoria elevada, apostando num enquadramento que os favoreça. No fundo, ainda que manifestando preferência pelo 3-5-2, com particular incidência nos jogos contra equipas fortes, não exclui a opção pelo 3-4-2-1, dependendo das circunstâncias.
Voltando à análise do novo desenho. Para além da barreira granítica reforçada com o sexto homem que o Chelsea adquire no meio para não se deixar surpreender pelo adversário que desenvolva o contra-golpe, há três vantagens imediatas na utilização do “3-5-2 contiano”. Em primeiro lugar, permite que Cesc possa jogar mais vezes e assegure um melhor raciocínio em posse, sem que, com isso, tenha de tirar um médio que lhe possa dar segurança em cobertura e recuperação. A presença mais regular de Cesc é importante para dar escapatórias ao Chelsea quando os centrais estiverem bloqueados na fase inicial de construção: Azpilicueta, destro do lado direito, é o que melhor abre (curto ou longo), mas os oponentes também já sabem disso e tentam tapá-lo, como fizeram recentemente Calvert-Lewin (Everton) e Alexis (Arsenal). O truque mais batido do adversário costuma ser o de forçar o Chelsea construir pelo lado de Cahill, destro do lado esquerdo, daí que seja importante a tal proximidade de Cesc ou até de Hazard a facultar o apoio frontal para ajudar Cahill a despachar a bola com a melhor entrega possível.
Kanté é indiscutível e já aconteceu ter ordens para fazer o pressing mais alto porque atrás de si ficam outros dois médios-centro a preencher o núcleo do campo. A novidade nesta temporada é Bakayoko, que cria o elemento-surpresa que Conte procurava na distinção para Matic. ‘Baka’ emerge na base das desmarcações verticais e indetetáveis em direção à baliza, constituindo-se como opção de finalização, com alguns laivos do registo de Paulinho no Barcelona. O ex-Mónaco não intervém tanto no passe e na manobra, mas vale sobretudo na cobertura, a defender, e na chegada, a atacar.
A segunda vantagem mais flagrante da nova máscara tática do Chelsea é uma maior amplificação do jogo ofensivo dos alas – Alonso e Moses/Zappacosta. Foi bem visível no segundo golo (notável) dos azuis no dérbi de anteontem contra o Arsenal como os dois flanqueadores se uniram na concretização. Podem aventurar-se ainda mais em fase ofensiva porque sentem que, mesmo que haja uma perda de bola, existem os tais seis homens no corredor central (3 defesas-centrais + 3 médios-centro) que estabilizam a transição defensiva e que não deixam a equipa tão vulnerável.
Em teoria, remover um médio-ofensivo como Pedro ou Willian, para apostar num médio-centro, que se posiciona mais atrás, indiciaria que a equipa atacaria pior. Mas essa pode ser uma ideia falsa, não só porque Bakayoko pode transmitir maior variabilidade nas desmarcações, como nenhum outro consegue fazer naquela equipa, mas também porque, por outro lado, Cesc continua a poder jogar mais tempo para melhorar a tomada de decisão global na engrenagem ofensiva. A juntar a isso, os alas ganham mais conforto em ataque e Hazard tem ainda mais liberdade para aparecer onde quiser, distorcendo a eficácia da marcação zonal do adversário que nunca sabe muito bem quando e onde é que tem de lidar com as acelerações do ilusionista de La Louvière.
Sem Diego Costa, que, sozinho, podia tratar do assunto na frente contra dois ou três defesas, foi contratado Morata, a quem tem faltado algum ‘killer-instict’ para ser mais dominante na área. A primeira escolha tinha sido Lukaku, mas o Manchester United chegou-se à frente. E até Hazard já chegou a jogar algumas vezes a 9.
As ondas de choque da derrocada em Roma, no Olímpico, fizeram-se sentir também na utilização de David Luiz, hoje completamente afastado dos planos de Conte e que ainda pode entrar no negócio de Alex Sandro de Turim para Londres. Christensen já não deve perder o lugar como central do meio prioritário e ainda há Rüdiger a poder jogar como central-lateral, com Cahill a poder alternar com o dinamarquês. Conte prefere mais coordenação e serenidade na posição de central do meio, com menos picos de corrente.
Conte procurou ainda mais estabilidade para esta época e a montagem do novo sistema surge nesse sentido, com menos probabilidades de se desmembrar em jogos a doer, não só em Inglaterra, como na ‘Champions’. É difícil afirmar que esta equipa é mais forte ou mais fraca que a da época passada. Sem David Luiz, Matic e Diego Costa, para além de um líder como Terry, a sensação mais rápida é que o Chelsea do presente não é tão intimidante.
Mas o facto de participar em simultâneo nas competições europeias em 17/18 também tem que se lhe diga e esse é um dado que não nos permite fazer uma comparação tão linear quanto isso. O que é certo é que Conte definiu um bloco mais compacto e procura atacar com as chegadas-surpresa de Bakayoko, fornecendo liberdade total para o génio de Hazard, que também não tem de fechar de forma tão pronunciada na meia-esquerda em fase defensiva. A teoria na montagem da equipa parece acertada, mas daí a ser correspondida com troféus já é outra história. Para todos os efeitos, o Manchester City, de Guardiola não está a dar hipóteses e ser eventualmente eliminado pelo Barça também não seria propriamente uma vergonha.
Luís Catarino é comentador da Sporttv e escreve no Bancada às sextas-feiras.