Opinião
Da análise das equipas aos bons sinais do arranque
2018-09-03 14:00:00
Carlos Daniel é jornalista na RTP e escreve no Bancada às segundas feiras.

Confesso que ainda me surpreendo. No recente sorteio da Liga dos Campeões, 90 por cento das observações sobre as equipas que saíram em sorte às portuguesas soavam mais gastas que um par de luvas velhas: “as equipa holandesas já viveram melhores tempos”, “a maior dificuldade pode estar nas viagens longas”, atenção ao público local que é fervoroso”, “o histórico com clubes deste país é positivo (ou negativo)”, salvando-se um pontual destaque, quase inútil (que o espectador ou leitor também conhece), de um ou outro jogador mais famoso. Sobre o plantel actual e as opções em tempo mais recentes, pouca coisa. Sobre a forma de jogar, quase nada. Chega a ser constrangedor que, num país em que a análise do jogo já atingiu um grau de elaboração significativo, seja nas equipas técnicas e mesmo nos média, se repitam as banalidades de sempre, ao invés de se pesquisar (é tão fácil hoje em dia) e preparar uma intervenção que acrescente conhecimento ao receptor.

Dizer que o Galatasaray é idêntico ao Besiktas é tão absurdo como tratar Porto e Benfica como equipas idênticas só porque do mesmo país. Afirmar que o AEK é perigoso em casa devido ao público, uns dias depois da vitória folgada do Benfica em Salónica (onde o público é mais vibrante ainda) quase soa a piada. E o histórico entre clubes ou países, permitam-me que o diga, não acrescenta nada: o que há-de ter o Shalke 04 de hoje a ver com o que eliminou o Porto num outro confronto há dez anos? E é mentira quando se diz que “estas equipas já se encontraram x vezes nas provas europeias”. Não, estas equipas, de hoje e com estas características, nunca se encontraram. A forças e fraquezas medem-se no campo e na actualidade. No grupo do Porto, todos são candidatos ao apuramento, pelo que nenhum jogo será de vitória garantida mesmo se a equipa portuguesa me parece a mais forte. No do Benfica, o alinhamento de forças parece evidente mas o Ajax está longe de ser tão inferior como se pintou à equipa da Luz.  

É na realidade actual de cada clube que se deve procurar a maior ou menor dose de favoritismo. Sim, tanto Porto como Benfica têm boas possibilidades de apuramento na Liga dos Campeões (tal como o Sporting na Liga Europa) mas nada disso tem a ver com a história, o ambiente no destino, as características tradicionais do futebol de um país e seguramente menos ainda com viagens de avião.

Pode ser apenas coragem de início de época mas parece-me justo sublinhar o número de elevado de equipas que entraram na Liga portuguesa deste ano com intenção de um futebol de iniciativa, com vontade de correr riscos, mesmo que isso represente menor solidez atrás. O equilíbrio conquista-se com tempo e treino. Já uma ideia de jogo corajosa é como o anúncio de um perfume aqui há uns anos: uns têm, outros não. Não afirmo que se trata das equipas que jogam melhor - algumas estão ainda longe de jogar bem, sequer - ou que vão ser revelações surpreendentes, apenas que aparentam uma intenção de visitar mais vezes a relva da área rival ao longo de cada jogo, o que se saúda em país de jogo curto. Vemos isso nos grandes - e mau seria que não - como de novo no Braga, mesmo se com um meio campo em reconstrução, ou num Vitória de Guimarães todo ele reconstrução mas com 5 golos marcados entre a Luz o Dragão, o que é boa forma de se apresentar.

O Marítimo do estreante Cláudio Braga marcou em todos os jogos num sistema que multiplica unidades ofensivas. E o mesmo se pode dizer do Rio Ave de José Gomes, bem mais perigoso à frente que seguro atrás. Idem para o Nacional de Costinha, como se percebeu amplamente perante o Benfica mas com sinais claros (os bons e os maus) que já vinham de trás. No Belenenses não há dúvidas de que a ideia de Silas é audaz, a ver vamos se há jogadores para tanto. Pode haver dúvidas sobre o limite do Santa Clara que João Henriques constrói nos Açores mas os 9 golos marcados nas últimas três jornadas são bem o sintoma de uma equipa que não se contenta com a metade defensiva do jogo.

O Moreirense viu as boas intenções (mesmo sem ponta de lança declarado) chocarem com um calendário duro, enquanto o novo Portimonense de Folha tem jogadores de qualidade e uma ideia que garante em volume de jogo ofensivo mas precisa com urgência de um avançado que traduza regularmente esses ataques em golos (se Jackson ainda for um pouco do velho Jackson… cuidado!). O Feirense dá sequência ao bom trabalho de Nuno Manta num modelo de maior equilíbrio mas sempre com critério no processo ofensivo e está, desde já, de novo e muito justamente, entre os destaques da prova.

Carlos Daniel é jornalista na RTP e escreve no Bancada às segundas feiras.