Opinião
As pontas soltas do dérbi
2018-08-22 14:05:00

O primeiro clássico da época está encostado aos próximos dias do calendário e os rivais que também são vizinhos vão abordar o jogo com níveis diferentes de certezas e dúvidas. O Benfica incorporou poucas novidades, mantém um sistema tático trabalhado desde a época passada e parece ter um projeto de jogo mais consolidado para desafios de nível alto de dificuldade. No Sporting mudou quase tudo e o nível exibicional ainda não está nos mínimos que José Peseiro quer impor. Mesmo assim, de um lado e do outro há pontas soltas, que não soltam as equipas.

O encontro com o PAOK é o espelho da influência que um único elemento pode ter no jogar de uma formação. O nome de Jonas deverá ter ecoado entredentes, nas bancadas cheias do Estádio da Luz, sempre que Pizzi, Ferreyra ou Seferovic abanavam na hora de finalizar.

O Benfica caminhou pelo jogo frente aos gregos com um domínio quase sempre amplo, muitas oportunidades de golo e um índice medíocre de eficácia. Mas este apagão ofensivo não está ligado apenas à ausência de Jonas, porque Rui Vitória também não pôde contar com Salvio, um dos jogadores encarnados em melhor forma neste início de temporada. Apesar de se ter conseguido impor no encontro, o Benfica atacou menos do que devia com muitos jogadores, mesmo contando com as aparições de Gedson Fernandes nas alas e com as inúmeras chegadas de Pizzi à grande área.  

Ferreyra surge agora quase como um pequeno réu neste caso de ineficácia, quando o currículo recente do avançado sugere exatamente o inverso. Aquilo que se percebe é que ainda não há uma química tática perfeita com o resto da equipa e que a forma de jogar do argentino contraria, em certa medida, alguns princípios que Jonas aporta ao Benfica. Com o brasileiro há muito mais exploração do corredor central e uma ligação mais natural à linha de médios, enquanto Ferreyra potencia movimentos mais diagonais. Sem Castillo e sem Jonas e com Seferovic na segunda linha, Facundo Ferreyra não deixará de ser o plano inicial para o ataque no dérbi da próxima jornada.

Quanto à decisão frente ao PAOK, depois de desbaratar oportunidades que garantiriam um sono tranquilo em Salónica, o Benfica vai agora encontrar mais um ambiente hostil, à semelhança do que aconteceu em Istambul, frente ao Fenerbahçe. Mas a diferença entre as duas equipas não se cava em decibéis. Em relação aos turcos, o PAOK tem a vantagem de manejar melhor a bola, por isso Rui Vitória precisará de evitar a perda de agressividade e a concessão de espaço no meio campo de que o adversário grego beneficiou em algumas fatias do segundo tempo. Foi nesses momentos que o Benfica perdeu o controlo do jogo, aparecendo o golo grego como consequência da quebra encarnada, mais do que da exuberância ofensiva do PAOK.   

O Sporting vai abraçar o dérbi com várias soluções de recurso e um nível de pressão mais baixo que o habitual. Olhando para o “onze” de José Peseiro, basta juntar alguns nomes que partiram para se perceber quais são os problemas que assombram esta nova versão: Rui Patrício, Fábio Coentrão, William Carvalho.

Na baliza, seria sempre difícil substituir o titular da Seleção Nacional, mas Emiliano Viviano (apesar do bom currículo em Itália) parece não dar garantias mínimas. A solução imediata encontrada por José Peseiro foi dar tempo de jogo e confiança a Romain Salin, mas o brasileiro Renan Ribeiro (que defendia as redes do Estoril-Praia na época passada) poderá ser a melhor opção.

O regresso de Jefferson a Alvalade está a ser demasiado envergonhado. As exibições sem cor do lateral-esquerdo brasileiro devem obrigam o treinador a completar a defesa com outra opção. Marcos Acuña é uma solução credível dentro do plantel, mas o recuo no relvado afastará o argentino de outras funções, mais ofensivas e igualmente fundamentais.

No meio-campo, a presença tutelar de William Carvalho é uma saudade quase sem remissão para os adeptos do Sporting, que dificilmente voltarão a ter, nos tempos mais próximos, um médio com a mesma qualidade, capacidade de passe e inteligência tática. Apesar de tudo, a iminente chegada de Nemanja Gudelj conseguirá dar outra qualidade àquela zona do corredor central do Sporting, entregue nesta altura a Battaglia, Petrovic e Misic.

Não há dérbis decisivos em agosto, mas o encontro da Luz será um barómetro importante às candidaturas de Benfica e Sporting. Os encarnados já iniciaram mais cedo a escalada da época e somam sinais de vantagem sobre a equipa de José Peseiro, mas o trabalho de recuperação (até psicológica) do novo técnico pode começar a dar resultados já neste clássico. E retirar pressão será, nesta altura, a melhor política para um Sporting que tenta reinventar-se depois da tempestade.

Manuel Fernandes Silva é jornalista na RTP e escreve no Bancada às quartas-feiras.