Desde aquele golo de Kelvin, ao minuto 92, nunca mais houve descanso no banco do FC Porto. Pinto da Costa tentou quase tudo: treinadores jovens e competentes, treinadores estrangeiros competentes, treinadores experientes e competentes, antigos jogadores do clube que se tornaram treinadores competentes.
O problema do FC Porto não esteve tanto na escolha dos sucessivos técnicos, mas mais na política desportiva errática dos últimos anos, que tem provocado baixas importantes na estrutura e, mais do que isso, uma quase completa ausência de títulos.
O clube azul e branco perdeu para o Benfica a marca de casa forte e cadeira de sonho do futebol português, para se tornar num espaço de risco para qualquer treinador. A ideia de que “no Porto, qualquer um ganha” parece agora uma memória difusa dos tempos em que os dragões dominavam internamente, somavam muitos milhões em transferências e conseguiam até colocar treinadores em alguns dos melhores clubes europeus (casos de Bobby Robson, José Mourinho e André Villas-Boas).
Mais do que da mística ou de uma figura tutelar no balneário, o FC Porto sente falta de um salto organizacional (que o Benfica já deu) e de uma gestão desportiva consistente, sem mudanças de humor repentinas, de acordo com o nome do ocupante do banco de suplentes. O principal exemplo talvez seja a forma como os plantéis de Paulo Fonseca e Julen Lopetegui foram construídos.
Com o ex-treinador do Paços de Ferreira, a aposta foi em jogadores do campeonato português, de baixo custo e nem sempre de qualidade acima de qualquer suspeita. Para além disso, Paulo Fonseca não teve a última palavra em várias das contratações.
Com Lopetegui, Pinto da Costa colocou-se nas mãos do treinador como poucas vezes fez ao longo de 35 anos de presidência. Deu-lhe o comando quase total do futebol, contratou quase todos os jogadores que o técnico espanhol pediu e construiu o plantel mais forte dos últimos anos. Algumas das marcas de maior qualidade do último elenco portista ainda têm raízes nesses tempos, em que chegaram ao Dragão Iker Casillas, Marcano, Danilo Pereira, Óliver Torres e Brahimi.
Com o fim do projeto Lopetegui, o Porto foi tentando um compromisso entre a manutenção dos recursos humanos valiosos deixados pelo atual seleccionador espanhol e a necessidade de encarar uma nova realidade desportiva e financeira, com domínio quase total do Benfica.
As semelhanças, tantas vezes assinaladas, entre o atual momento e o ano de afirmação de José Mourinho são, a meu ver, ilusórias. É verdade que os azuis e brancos somavam três épocas sem vencer, mas dois fatores ajudaram a suavizar esse pequeno passeio pelo deserto. Em primeiro lugar, o Benfica estava numa fase de início de recuperação da era das trevas de Vale e Azevedo. Não ganhava o campeonato desde 1993/1994 e, no clube azul e branco, ver o rival da Luz quase prostrado faz toda a diferença e minimiza qualquer derrota. Por outro lado, nesse primeiro verão de José Mourinho nos dragões, Pinto da Costa teve a capacidade de dar ao técnico um plantel competitivo, mas financeiramente sustentável. As contratações centraram-se muito nos valores emergentes do campeonato português, um pouco à semelhança do que está a acontecer agora…com o Benfica.
Sérgio Conceição chega ao FC Porto no período mais conturbado da presidência de Pinto da Costa, com sinais de contestação à SAD assinalados a tinta quase todas as semanas.
Nesta nova ordem portista, será obrigatório transferir vários jogadores fundamentais, pelo que o novo treinador terá de saber potenciar ao máximo os valores da formação, para além de ter de acomodar no plantel vários jogadores que estiveram emprestados e que não seriam primeiras opções se o clube vivesse em tempos de boas contas.
Nuno Espírito Santo e Sérgio Conceição estão unidos “apenas” pela ponte da competência. Quanto ao resto, não poderiam ser mais diferentes.
Nuno é ponderação e tranquilidade. Sérgio é intensidade e emoção.
A mudança de treinador pareceu um processo impulsivo e impreparado, enquadrado pela necessidade de dar um rosto à desilusão dos adeptos portistas. Os sinais que se seguiram não colam à imagem do FC Porto das últimas décadas: semanas de indefinição, a recusa de Marco Silva, o aparecimento quase diário de novos nomes. Tudo isto colocaria o sucessor de Nuno Espírito Santo num papel muito frágil. No entanto, Pinto da Costa conseguiu escolher um nome capaz de congregar opiniões favoráveis. Sérgio Conceição tem história no Porto e chega de Nantes com uma marca de qualidade justa, fruto de um trabalho de recuperação assinalável. O novo treinador dos dragões tirou a equipa do fosso da descida e levou-a até ao sétimo lugar da Liga Francesa.
Pinto da Costa voltou a encontrar um treinador competente. Mas se a próxima época também não tiver títulos, é provável que Sérgio Conceição não possa cumprir o papel de “guarda-chuva” para as más decisões dos dirigentes, como aconteceu com Paulo Fonseca, Lopetegui, José Peseiro ou Nuno Espírito Santo. E em caso de penta benfiquista, a contestação poderá ser demasiado audível, até para Pinto da Costa, o presidente que mudou a história do FC Porto.
Manuel Fernandes Silva é jornalista da RTP e escreve no Bancada às quartas feiras.