Opinião
A FIFA deve abrir uma guerra verdadeira aos super-agentes
2017-06-24 14:00:00

De repente, a FIFA descobriu que o futebol tem um problema: o excesso de dinheiro embolsado pelos agentes. Um rio de dinheiro gerado pelo mundo do futebol, mas que acaba fora deste mundo do futebol, para alimentar uma onerosa economia de serviços. O alarme soou com os detalhes da transferência de Paul Pogba da Juventus para o Manchester United, no Verão de 2016. Um negócio que, com o apuramento dos bónus, pode chegar a um recorde de 105 milhões de euros.

Logo na altura em que se fechou o acordo se falou muito a percentagem entregue a Mino Raiola, o representante do jogador, que o tinha levado no caminho inverso, do Manchester United para a Juventus, a custo zero. Falava-se naquela altura de uma quota de 25 por cento, portanto um valor que muito dificilmente pode ser considerado uma comissão. Além disso, nas semanas que se seguiram à conclusão da transferência, o próprio Raiola alimentou as dúvidas, dando ao Financial Times uma entrevista cheia de alusões e advertências à Juventus. Entre o que disse e o que não disse, por lá ficou o suficiente para que as suspeitas de TPO [ndr: third party ownership, ou seja, passe de um jogador detido por alguém que não o clube ou o próprio jogador, recentemente proibido pela FIFA] espreitassem sem serem verdadeiramente explícitas. Mas foi necessário chegarem as revelações do Football Leaks para que a FIFA despertasse do seu sono e abrisse um inquérito. E o resultado é conhecido: o Manchester United foi ilibado e a Juventus arrisca uma sanção pecuniária e a proibição de contratar jogadores durante uma janela de mercado.

Desta forma, foi um caso particular que levou a FIFA a alertar acerca do papel dos agentes e da sua voracidade. Um alarme que soa desafinado por duas razões. Primeiro: chega muito tarde e em consequência de um caso clamoroso, quando deveria ter soado muito antes, tendo em conta toda uma miríade de casos menos estrondosos. Segundo: culpando genericamente “os agentes”, a FIFA falha completamente o alvo. Lança uma acusação  indistinta, que tem o efeito de estigmatizar toda uma classe mas não atinge ninguém em específico. É uma forma cobarde de declarar guerra sem verdadeiramente a fazer. E acerca deste posicionamento da federação mundial, vale a pena clarificar o papel dos agentes e a diferença que têm para a categoria que verdadeiramente monopoliza a economia do futebol: os super-agentes.

Os agentes de jogadores desenvolvem um serviço que se tornou essencial com o passar do tempo, em consequência da crescente profissionalização do futebol. O facto de agirem de forma positiva ou negativa não depende do seu papel mas sim das pessoas que o desempenham. Pessoas que podem ser honestas ou desonestas. Além disso, a parte que recebem sob a forma de comissão é negociada com os clubes e o seu maior ou menor montante depende do que os próprios clubes lhes concedam, através dos seus diretores desportivos. Como é possível falar-se tanto do papel negativo dos agentes sem nunca chamar ao debate os diretores desportivos dos clubes? Mistério.

Como é também um mistério que a FIFA não se mexa de uma forma decisiva contra os super-agentes. Que são pessoas muito diferentes dos simples agentes de jogadores. O super-agente é um sujeito que não se limita a ser o representante de um jogador. Mais, numa simples negociação para a transferência de um futebolista pode tomar várias partes: agente do jogador cuja cessão está a ser negociada, consultor do clube que quer comprá-lo e consultor do clube que tenciona transferi-lo. E pode ainda ser o representante dos sujeitos externos que investiram nos direitos económicos do jogador que está a ser negociado ou ser ele mesmo um dos investidores.

Além disso, a esfera de ação do super-agente vai muito para lá do mercado de jogadores. Ele é também protagonista de negócios de altíssimo nível, como a compra e venda de clubes, a criação de fundos de investimento, a negociação de direitos de marketing e de transmissão televisiva (em cujo negócio podem entrar também através de estações de TV próprias) ou a entrada de novos investidores estrangeiros (que são quase sempre sócios do super-agente).

Um tipo assim não tem quase nada em comum com um simples agente de jogadores. E não é apenas porque muda a quantidade de negócios entre os dois, mas também porque são claramente diferentes em natureza. Um agente de jogadores é um intermediário, isto é, um sujeito que trabalha para que se produza um acordo entre as duas partes num negócio de mercado. O super-agente, por sua vez, cria o mercado. Constrói os negócios e dita as condições, obtendo ganhos que são em primeiro lugar próprios e dos interesses económico-financeiros (não futebolísticos) que o suportam.

A este grupo pertencem os Mino Raiola, os Jorge Mendes, os Pini Zahavi, os Fali Ramadani, os Kia Joorabchian. E não me parece que a FIFA esteja a esmerar-se a combatê-los. Prefere comprar uma guerra com os pequenos. E ao mesmo tempo o presidente Gianni Infantino fará a reunião de fim de ano no Dubai ao lado de Jorge Mendes. Grande coerência.

Pippo Russo é sociólogo e jornalista free-lancer e escreverá no Bancada ao quarto sábado de cada mês.