O futebol agrega paixões, empresta alegrias, algumas tristezas e muitas memórias. Não faltam ontens na bola que rola, porque o hoje passa rapidamente e o futuro está sempre 'à perna' e chega veloz. Do futebol todos guardam momentos. Dos que se querem esquecer mas pairam na cabeça e teimam em não sair, aos momentos que não se esquecem e são verdadeiro 'combustível' de coragem, de generosidade, e de camaradagem para o futebol e para a vida.
O futebol é uma escola onde inicialmente se chega como aluno e alguns passam, anos depois, para o outro lado da sala. Os professores têm por nobre missão ensinar, explicar o mundo, abrir horizontes e fomentar os sonhos. Ensinar é, pois, mais do que debitar matérias. E com Pedro Barroso, que guiou a alma salgueirista no Campeonato de Portugal, na última época, tem sido rigorosamente esse percurso trilhado.
De aluno a professor tem sido uma viagem demasiado rápida para uma vida feita pelos corredores do futebol. Nos carris ou no alcatrão há muita estrada percorrida e outra tanta por fazer para que se cumpra o sonho que, como diz o poeta, 'comanda a vida'.
Pedro Barroso tem 37 anos e não há no 'salgueiral' quem não conheça o homem que devolveu a alma ao 'tão velhinho e sempre novo' Salgueiros, equipa que ficou a escassos minutos de subir à Liga 3. Mas o futebol é imprevisível, não é matemática pura ou ciência exata e é por isso que agita paixões. E é na adversidade que os homens se revelam.
"No fundo o 'líder' não pode mostrar fraquezas nem fragilidades, tem que ser a imagem forte do grupo, o Homem responsável por fazer toda gente acreditar que mesmo que o contexto seja de grande adversidade vamos conseguir! Para além de um discurso verbal forte, cada vez mais o treinador tem a capacidade uma postura corporal convincente", afirmou Pedro Barroso, em entrevista ao Jogo do Povo, no Bancada.
"Eu tinha um gabinete ambulante"
Tendo por referências nomes como José Mourinho, Pep Guardiola, Abel Ferreira, Sérgio Conceição, Luís Castro e Vítor Pereira, Pedro Barroso é um jovem técnico cuja carreira não é um 'mar de rosas'.
Quem quer triunfar no futebol tem de 'dar o litro' e nas voltas da bola muita coisa fica pelo caminho, como as horas de sono, porque as divisões mais baixas do futebol nacional não são um 'doce' e é preciso lutar.
"Desde muito cedo que comecei a trabalhar, andava na faculdade e conciliava com o meu trabalho, para pagar as propinas", relatou Pedro Barroso, realçando que a sua rotina na última época é bem reveladora daquilo que é a vida de muitos treinadores por esse Portugal fora.
"Acordava todos os dias ás 6h30 e ia fazer o meu treino ao ginásio até às 7h00 ou às 8h00", contou este penafidelense de gema, acrescentando que a equipa técnica seguia depois para o Porto.
"Estávamos às 8h45 no complexo do Cerco e o treino era das 10h30 ás 12h00". No final, era tempo de cuidar do estômago mas nem aí o futebol ficava fora do menu.
"Deslocava-me de metro de Campanhã para o Bolhão para almoçar e durante o almoço estava sempre com o computador ligado", contou, até porque este "era o momento de analisar a equipa" os "adversários" e fazer o "planeamento" do trabalho.
"No fundo, eu tinha um gabinete ambulante", afirmou com boa disposição à mistura Pedro Barroso, que ainda encontrava tempo para dar aulas.
"Dava aulas de Educação Física das 15h00 ás 17h30. Nessa altura, deslocava-me a pé até à estação de metro da Trindade para ir de metro até Campanhã. Em Campanhã, apanhava o comboio até Penafiel onde chegava por volta das 18h30."
Numa rotina de fazer qualquer um perder o fôlego, perfeitamente, Pedro Barroso tinha algumas horas de pausa mas contou ao Bancada que ainda havia margem de tempo para um curso de futebol que andou a dar.
"Três vezes por semana dava formação no curso de nível 1 de futebol entre as 20h00 e as 24h00". Com isto tudo, este pai de família, que deixava o lar bem cedo, às primeiras horas do dia, "chegava a casa por volta da 01h00 da madrugada". Isto durante a semana, porque ao fim de semana ainda havia treinos e, logicamente, os jogos do Salgueiros.
"Treinávamos de manhã e ao domingo era dia de competir. Durante a semana não tinha nenhuma folga, era uma rotina muito preenchida e repleta de sacrifícios", admitiu Pedro Barroso, um treinador que apesar de jovem leva muitos anos disto já.
Dois pares de sapatilhas porque homem prevenido vale por dois
Da rua do Marquinho, em Santiago subArrifana, uma freguesia que pertence ao concelho de Penafiel, Pedro Barroso fez o primeiro campo de futebol com os amigos. Mas a influência do pai diretor do FC Penafiel levou-o inevitavelmente para os escalões de formação dos penafidelenses.
Enquanto miúdo, Pedro Barroso recorda que não havia naquele tempo uma mochila sua que não tivesse umas sapatilhas suplentes para uma futebolada.
"O futebol surge na minha vida desde tenra idade, incutida a paixão através do meu pai, que era dirigente do FC Penafiel. A bola seguia debaixo do braço e as sapatilhas suplentes (para não levar uma 'sova' se chegasse a casa com as novas estragadas) na mochila. Fui alimentando essa paixão através do jogo na rua, e mais tarde comecei a jogar na formação do FC Penafiel."
O futebol foi sempre um amor, ainda que o técnico tenha praticado outros desportos. "Pratiquei atletismo e ténis de mesa, mas durante a adolescência sempre que possível praticava qualquer tipo de desporto com os meus amigos."
As memórias da carrinha e as partidas que ficam para sempre
Quem é do futebol sabe que se cultivam amizades e memórias para todo o sempre. Quem é do futebol sabe que hoje em dia muitos são os pais que levam os filhos aos treinos e esperam horas faça chuva ou sol até que a sessão termine. Mas quem é do futebol de há umas décadas atrás sabe como era a formação antigamente e aí aparece a mítica carrinha.
A carrinha era o meio de transporte mais desejado pelos aspirantes a jogadores e na frente seguia um diretor a conduzir e os mais velhos. O banco da frente era sagrado. A disposição dos lugares tinha regras específicas e o 'respeitinho' era cultivado. Também aconteciam algumas 'praxes'.
Pedro Barroso é desse casta e não esquece viagens na carrinha do clube, como também não esquece algumas 'partidas' que se faziam naquele tempo, sobretudo a quem chegava de novo ao clube.
"Foram grandes momentos. Entre muitas brincadeiras, destaco a brincadeira de andar a cortar a ponta das meias e colocar nas sapatilhas direitinhas, quando iam calçar as meias elas subiam até ao joelho e isso dava grande azia", recorda nesta entrevista ao Jogo do Povo, do Bancada, certo de que nos ontens, nos hojes e amanhãs é preciso sempre 'dar corta às sapatilhas'.
"Temos tudo que necessitamos para potenciar o jogador"
Entre memórias boas, outras amargas, Pedro Barroso é hoje um dos mais experientes técnicos do Campeonato de Portugal mas sonha trepar divisões. Trabalha para isso e procura aprender com aquilo que de menos bom lhe corre.
"Tenho dois momentos que são muito dolorosos. Como treinador adjunto, em 2014/2015, perdemos o título de campeão da II Liga pelo GD Chaves nos descontos e, na época passada, perdemos no Salgueiros a subida à Liga 3 nos descontos".
Mas nem só de momentos menos bons se escreve a história do treinador de 37 anos. "Tenho dois momentos imensamente gratificantes, ambos em 2013/2014 e pelo SC Freamunde como treinador principal dos sub-19 onde subimos de divisão à 1.ª Divisão Nacional de sub19", contou, explicando que foi também "como treinador adjunto" que alcançou "o titulo de Campeão Nacional do antigo Campeonato Nacional de Seniores e naturalmente a subida à II Liga" num dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, no Estádio do Fontelo, em Viseu.
No futebol o futuro é incerto e tudo pode acontecer. Atualmente, Pedro Barroso está sem clube mas o telefone pode tocar a qualquer momento e o técnico diz estar preparado para novos desafios.
Atento ao futebol senior em várias divisões mas também à formação, o professor faz um raio x ao que se vai fazendo em Portugal ao nível dos novos talentos que são produzidos.
"Cada vez mais os clubes têm melhores condições do ponto de vista das infraestruturas, de departamentos médicos capazes, de treinadores mais capacitados e acredito que, com esta melhoria a todos os níveis, vamos ter jogadores mais capazes de entender o jogo, e tecnicamente mais competentes para dar resposta às necessidades do jogo."
No fundo, em Portugal, nos dias que correm "temos tudo que necessitamos para potenciar o jogador." Palavra de Pedro Barroso, que já trabalhou em vários emblemas como CD Chaves, Tondela, Benfica e Castelo Branco e Freamunde, entre outros. E fica a certeza de que se o futebol fossem só 90 minutos, este era um rumo sagradinho. Mas o futebol precisa de muito mais tempo e o que se vê no retângulo de jogo em 90 minutos tem muito mais tempo do que o tempo que o tempo dá.