Jogo do Povo
Montalegre. Siga então a 'Belle Époque' no barrosão
2023-09-28 16:45:00
Entrevista a Tony da Silva, treinador do Montalegre, da série A do Campeonato de Portugal

Anthony da Silva é um nome que tem muito de francês e pouco de transmontano mas nas veias de Tony, ou Tony 'careca', como carinhosamente é conhecido nas lides do futebol, corre a portugalidade de uma figura da bola que é uma lenda na Roménia, foi um jogador leal e companheiro e é hoje treinador do Montalegre, do Campeonato de Portugal.

Do futebol e da vida, confessa Tony, há histórias que "davam um livro". E no futebol, Tony já foi muita coisa, poderia ter sido outra tanta, mas nunca deixou de ser acima de tudo um "gajo porreiro" e foi sempre alguém que "nunca fez mal a ninguém" para "subir na vida". Essa é, afinal, a "melhor Bola de Ouro" que este transmontano quer deixar como legado à família e ao balneário. O Jogo do Povo viajou para lá do Marão para conhecer a equipa do Alto Tâmega na capital do Barroso.

Fundado em 1964, o Centro Desportivo e Cultural de Montalegre carrega já uma história de sucessos e conquistas que, nos últimos anos, 'à boleia' do bom futebol, tem ampliado o destaque do povo montalegrense. Dentro das quatro linhas a formação transmontana causa impacto e, com isso, o nome da terra é falado. Mas não se julgue que têm sido tempos de facilidade.

Tony, o treinador do Montalegre, sabe aquilo que sentem os transmontanos, até porque, diz com orgulho, sempre se sentiu transmontano desde que nasceu. Mesmo que tenha passado grande parte da juventude na cidade luz de Paris.

E por isso, espera que cada vez mais sejam criadas facilidades para que mais jovens possam aparecer no desporto-rei desde as terras transmontanas em campeonatos cada vez mais "competitivos" como o Campeonato de Portugal ou a Liga 3, por exemplo.

"Cada ano que passa os campeonatos são cada vez mais competitivos, equipas equilibradas, os orçamentos são baixos e as condições de trabalho, não sendo as melhores, obrigam sempre os treinadores a uma capacidade de adaptação e de motivação fora do normal", explicou Tony, em declarações ao Jogo do Povo do Bancada.

O técnico - que somou vários troféus enquanto jogador e alinhou na mais importante competição de clubes, a Liga dos Campeões, perante nomes como Ribéry, Robben, Drogba, Totti, Frank Lampard, entre outros - reconhece que treinar um clube no quarto escalão português é um desafio e não deixa de ser uma aprendizagem.

"Depois de estar numa seleção de topo como é a dos Camarões e estar no Paços de Ferreira, na I Liga, onde nada faltava, tem sido uma ótima aprendizagem, para mim", reconheceu Tony, certo de que o Campeonato de Portugal merecia ter outro tipo de visibilidade.

"Poderia e deveria ter mais visibilidade este campeonato, não só pela competência dos treinadores que encontro, mas também pelos jogadores", afirmou o técnico, certo de que ainda existem algumas questões de burocracia que deveriam ser limadas.

"Por motivos de direitos de formação são obrigados a assinar contratos amadores e não chegam tão cedo lá acima por questões burocráticas e não pela qualidade", observou o técnico do Montalegre, em entrevista ao Bancada.

Certo de que "a vida custa a todos e esta cada vez mais difícil, principalmente aos clubes deste escalão que não tem os argumentos financeiros de outros", Tony diz que diariamente no Montalegre como em outros clubes "tudo se faz" para a paixão do futebol se manter viva.

Desse modo, os adeptos podem sempre esperar muita entrega e compromisso no trabalho do Montalegre. "O Montalegre é um clube humilde, com dificuldades, mas com pessoas de grande coração", disse, falando de uma equipa que vai sempre a jogo de forma "competitiva e ambiciosa".

"Jogar para ganhar, sabemos que não iremos ganhar os jogos todos, mas que seja por mérito do adversário e não demérito nosso. Sou um treinador ambicioso e exigente com os meus jogadores, assim como era jogador. Esta mentalidade levou-me ao topo do futebol", contou, desejando que do seu balneário possam sair jogadores que cheguem aos palcos que Tony já pisou.

"O meu sonho é que os meus jogadores possam fazer uma carreira igual ou melhor do que a minha. Assim, podem sustentar a família deles. Este é o meu maior sonho", contou Tony, focando-se cada vez mais naquilo que o faz ser e sentir bem, a família e o clube transmontano, sem pensar em grandes metas, porque a felicidade pode estar na simplicidade.

"O bonito na carreira é que sempre fui bem visto em todo lado, tanto aqui em Portugal, assim como na Roménia. Talvez pela minha forma de jogar, nunca desistia e nunca baixava os braços. Sei que muita gente se revia em mim nesse sentido. Sempre fui uma pessoa humilde e abordável, se calhar devido à educação que recebi e vivenciei ao longo da minha vida", explicou o treinador que, ao recuar nas memórias de jogador, admite que não se lembra de ter sido assobiado.

"Honestamente, não me lembro ser assobiado nos campos de futebol tanto como jogador, assim como treinador agora. E isso representa muito para mim, pois foi e será sempre a minha imagem de respeito e educação".

A 'Bola de Ouro' que Tony guarda para sempre

No fundo, para Tony mais do que troféus coletivos ou nomeações individuais que são atribuidas aos futebolistas, ser um "gajo porreiro" é uma das suas maiores conquistas e o legado que quer deixar ao filho.

"Sem dúvida que depois de tudo isso resume o meu maior troféu, além do meu filho. Sem dúvida que o reconhecimento da minha pessoa e da minha carreira e o carinho que ainda recebo hoje em dia na rua, no supermercado ou num estádio de futebol me fazem sentir feliz".

Esse é, pois, o maior troféu de um treinador que, até aqui chegar, teve de enfrentar vários desafios da vida. "O futebol é um mundo muito egoísta e de tubarões. Nunca desisti e isso levou-me a ganhar títulos, taças, supertaças e a jogar na Liga dos Campeões e na Liga Europa", contou Tony, reconhecendo que isso "foi top".

Agora, treina o Montalegre e tenta passar os conhecimentos e experiências aos mais jovens. Até porque não teve uma carreira fácil como jogador.

"Saí de casa dos meus pais um miúdo com 12 anos. Fui atrás de um sonho, um só objetivo: ganhar dinheiro para ajudar os meus", admitiu Tony, revelando que escorreram pelo seu rosto "muitas lágrimas".

"Fui sempre resiliente e sempre acreditei em mim mesmo nos momentos mais difíceis", declarou o técnico do Montalegre, em entrevista ao Jogo do Povo.

Agora, no emblema de Trás-Os-Montes consegue unir o futebol à proximidade com a família e isso deixa-o confortável. "Voltei homem para junto dos meus, para passar tempo com eles e para os conhecer melhor", admitiu Tony, certo de que na correria do futebol muita coisa em família acaba por se perder.

"A minha vida foi feita sempre longe de quem mais amo, é muito difícil", explicou-nos o treinador, certo de que lá fora poderia ter uma folha de vencimento mais alargada mas não teria, por certo, a presença da família tão próxima porque, acima de tudo, Tony não quer que o filho passe por coisas que teve de passar.

"Muitas noites perdidas a chorar, apesar de me mostrar sempre forte perante os outros", confessou agora o treinador do Montalegre, que enquanto jogador teve algumas 'barreiras' para ultrapassar, especialmente na Liga dos Campeões.

"Tive o privilégio de jogar na Liga dos Campeões contra clubes como o Chelsea, a AS Roma, o Bayern, entre outros. Aí enfreitei vários jogadores de topo como Drogba; Totti; John Terry; Lampard; Robben; Ribérye Deco, entre outros. Mas tenho de confessar que o Ribéry, o Robben, o Ricardo Quaresma e o Di María deram me muito trabalho", afirmou Tony, explicando ao Jogo do Povo que eram jogadores que a qualquer momento faziam a diferença no frente a frente.

"Além de serem muito rápidos, eram muito evoluídos tecnicamente. Eu tinha de ter uma concentração redobrada para lhes retirar espaço e assim eles não pudessem receber a bola de frente para a baliza", contou o técnico do Montalegre.

Nos dias de hoje como no passado o futebol sempre foi palco de episódios curiosos e engraçados dentro e fora dos relvados. Ainda que o balneário seja sagrado para os futebolistas, há sempre 'filmes' e 'novelas' que acabam por ser conhecidos.

"Pensava que o Tony, Tony era para mim. Mal sabia que era para o Tony Carreira"

De Tony são tantas as histórias que davam "um livro". Como aquela na apresentação do Desportivo de Chaves em que cinco mil pessoas gritavam por Tony. 

Nos corredores de acesso ao relvado achavam que Tony da Silva estava com "grande moral" dado que nas bancadas só se ouviam gritos de "Tony, Tony".

Contudo, os gritos eram, afinal, para "Tony Carreira que ia dar um espetáculo a seguir", contou este fã de um "bom arroz de cabidela".

Essa foi uma entre muitas outras brincadeiras que teve oportunidade de viver enquanto jogador que inscreveu o seu nome na história do Paços de Ferreira com o histórico terceiro lugar com Paulo Fonseca.

Esse feito deveu-se muito ao "clima de amizade e companheirismo" daquele balneário. Eram "unidos" dentro e fora de campo. Tão unidos que até os aniversários dos jogadores tinham direito a 'prendas especiais'.

"Se eu fosse a contar tudo, não chegava um livro para descrever momentos hilariantes [risos]", avisou Tony, realnaçdo que a visita a uma casa de diversão na Madeira ficou para sempre na memória.

"Acordei com a cabeça toda inchada e cheio de nódoas negras"

A ideia era comemorar a despedida de solteiro de Filipe Anunciação. Só que o que estava previsto não aconteceu e Tony acabou a tirar a roupa para o capitão.

"Fomos jogar à Madeira contra o Marítimo e o nosso capitão, o Filipe Anunciação, ia casar. O grupo queria fazer a despedida de solteiro. Fomos com o Filipe Anunciação a uma casa de strip. A ideia era a gente rir-se um bocado, pois o grupo era excelente. Mas quando lá chegamos, a malta começa a ver as bailarinas e acabei por ser eu a tirar a minha roupa para o Filipe Anunciação. Foi dos dias mais engraçados que o grupo teve", contou Tony, revelando que ainda andou a partir latas com a cabeça numa de "brincadeira".

"No dia seguinte, acordei com a cabeça toda inchada e cheio de nódoas negras", anunciou Tony, que ganha, empata e perde no futebol mas será para sempre recordado não apenas por ser o mítico Tony mas, acima de tudo, alguém que cedo batalhou pelas ruas de Paris à procura da felicidade.

A cidade luz iluminou-lhe os caminhos no futebol que se prolongam agora pelas suas terras de Trás-Os-Montes. Os ensinamentos recolhidos nas escolas do Paris Saint-Germain e na carreira de jogador são agora aplicados ao serviço do emblema barrosão. Montalegre quer, pois, manter e quem sabe usufruir cada vez mais da 'Belle Époque' no futebol.