Mirandela é um postal de rusticidade, com casas típicas, fontanários e ribeiros de água transparente, com Trás-Os-Montes no sotaque da voz e o (bem) acolher no coração.
E se o aconchego se dá perfeitamente aos da terra, os que por lá chegam também não têm grandes razões de queixa.
Não falta simpatia em terras onde a alheira reina à mesa farta, seja como prato principal, acompanhado ou como aperitivo.
E numa combinação de sabores e saberes, em Mirandela, a alheira serve de merenda a qualquer hora por uma região onde este enchido dita tendências no paladar.
Feito por mãos hábeis, que replicam ao ponto a sabedoria que vem de gerações passadas, Mirandela orgulha-se do seu passado, até porque este ajuda a fortalecer o presente e a pensar o futuro. E o saber, por Mirandela, não fica guardado num qualquer relicário.
Aos dias de hoje, se Mirandela é conhecida pela sua (embaixadora) alheira, no futebol também o clube da terra se vai destacando no Campeonato de Portugal e puxando os holofotes da fama. Foi por lá que o Jogo do Povo encontrou Alex Machado, camisola 10 do Mirandela que serviu de guia nesta viagem ao Estádio de São Sebastião.
Mirandela luta pela manutenção nos nacionais
Aos 28 anos, o médio que fez formação no Amarante e no Paços de Ferreira vai-se destacando, procurando ser o motor do jogo mirandelense: atrativo e assente numa ideia de iniciativa seja com bola ou com pressão (sem ela) sobre o adversário.
Em terras onde o inverno se faz rigoroso mas o verão é abafado e muito quente, o futebol é um constante pisar de uma ‘fina camada de gelo’. Alex Machado sabe que no poder das decisões em campo há que ter inteligência porque se a ‘camada é fina’, pode rapidamente partir-se com uma má decisão. Por isso, o jogador assume que o foco está sempre no máximo. Sobretudo porque a derrota é uma companhia indesejável.
“Após uma derrota, no meu caso, só a meio da semana é que começo verdadeiramente a ‘aceitar’ isso”, reconheceu o jogador do Mirandela, ciente de que para triunfar no futebol muita coisa fica pelo caminho.
"O meu pai sempre me acompanhou para todo o lado, desde criança até aos dias de hoje"
“O ter de abdicar de estar com amigos, família, porque jogamos ou treinamos no dia seguinte. O facto de viver uma vida regrada, uma vida digamos, ‘anormal’ em prol de um amor, que é incerto”, admitiu o camisola 10 do clube transmontano já com vários anos de experiência nestas andanças da bola onde todas as jogadas têm um propósito bem claro: a família.
“O que sempre me deu força e motivação foram os meus pais, a minha família. O meu pai sempre me acompanhou para todo o lado, desde criança até aos dias de hoje”, revelou Alex Machado, falando do pai como alguém que é um “guia”.
“Desde cedo me ensinou que se quisesse jogar futebol teria de seguir um certo caminho e ter certo tipo de comportamentos”, disse, detalhando: “por exemplo, no Paços de Ferreira, na minha formação, devido aos horários dos treinos acabava por chegar sempre a casa, em Amarante, sempre depois da meia-noite”, recordou Alex Machado, relembrando os tempos em que o jantar se fazia madrugada fora literalmente.
“Jantar e acordar cedo no dia seguinte para ir à escola, todos os dias. Isto com 16/17 anos, é duro e difícil de assimilar”, contou ao Jogo do Povo.
Este é, pois, um “só” exemplo de alguém, como tantos outros jogadores, que procuram a felicidade na relva de um jogo onde o “sacrifício vai existir sempre”.
“Com a criação da Liga 3, perdeu um pouco o protagonismo”
“O jogador de futebol amadurece mais rápido porque se vê em situações difíceis, de crescimento pessoal desde muito novo”, acrescentou ainda Alex Machado que traçou-nos um raio x sobre a sua visão desta competição onde o Mirandela está inserido.
“O Campeonato de Portugal sempre foi um campeonato bastante competitivo, que serve de montra para muitos jogadores”, comentou Alex Machado, confessando, contudo, tal como outros jogadores e treinadores que pelo Jogo do Povo têm passado, que a criação da Liga 3 “tirou visibilidade” ao quarto escalão do futebol nacional.
“Com a criação da Liga 3, perdeu um pouco o protagonismo”, apontou, certo, todavia, de que “continua a ter jogadores muito talentosos, boas equipas e treinadores”.
“Prova disso é que defronto muitos deles todas as semanas”, disse ainda Alex Machado, nestas declarações ao Jogo do Povo, no Bancada, onde deu conta dos objetivos que o Mirandela tem na Série A do Campeonato de Portugal.
“A Série em que estamos inseridos é uma série muito equilibrada e que se vai decidir-se até à última. O nosso objetivo é a manutenção e penso que o conseguiremos atingir, embora eu pense que temos equipa para algo mais”, vaticinou.
Em Mirandela nesta temporada, depois de na última época ter estado nos Açores ao serviço dos Leões da Graciosa (Guadalupe), Alex Machado relatou que os seus planos são “muitos” quanto ao futuro mas, por agora, dedica-se a “100 por cento” ao futebol.
“Tenho um plano traçado na minha cabeça, mas no momento, sim, vivo só de futebol”, referiu Alex Machado, explicando que para ter rendimento tudo começa todos os dias com “um bom pequeno almoço”.
O facto de estar dedicado ao futebol e não ter outra atividade, permite que o jogador do Mirandela consiga ativar o corpo e a mente pela manhã para os treinos de tarde.
“Como estou sempre rodeado de atletas da minha equipa, ajudamo-nos uns aos outros a passar aqueles tempos mortos pré e pós treino”, contou, realçando ainda que passar pelo ginásio também faz parte das suas rotinas.
Tudo aquilo que se fez e faz no futebol tem um dia e um palco determinado. É ao domingo que tudo se passa. Por isso, Alex Machado diz que os pensamentos focam sempre esse dia em específico para que a equipa esteja ao mais alto rendimento, até porque o domingo é dia da bola rolar mas também de proporcionar um alegria aos adeptos.
“É o dia de ‘ir à bola’, o jogo em si, a festa envolvente, seja no popular, seja em campeonatos profissionais”, confirmou o jogador, vincando que quando pensa em futebol, além de pensar nos dias da bola, pensa sempre no pai, o seu ídolo.
Kevin De Bruyne como inspiração após Aimar, Iniesta e Pirlo
“Não tenho como não pensar no meu maior exemplo, o meu pai, que passou para mim esse amor”, confessou Alex Machado, que tem referências no futebol com as quais aprende ou aprendeu a ser melhor como “Pablo Aimar, Iniesta ou Pirlo”.
“Foram inspirações para mim”, reconheceu, admitindo que “gostava de ter visto de perto a forma como pensam o jogo”.
Mas a carreira de futebolista não dura para sempre e, por isso, outras referências vão aparecendo e que servem de ‘receita’ pra Alex Machado. “Sou um grande fã dos craques de antigamente. Na atualidade, diria Kevin De Bruyne”.
Nos balneários por onde tem passado, o médio tem encontrado algumas ‘peças’. Mas de todos os jogadores com os quais já se cruzou existe um que Alex Machado considera ser “chato” mas um amigo que o mundo da bola lhe deu.
“Apesar de ser muito injusto mencionar só uma pessoa, sempre tive colegas fantásticos, que se tornaram amigos para a vida! Chatos, mas fantásticos, como jogadores, como pessoas”, disse, entre sorrisos, certo de que sempre teve “a sorte de encontrar gente de bem”.
“Talvez o primeiro nome que me vem à cabeça seja do meu capitão em Felgueiras, Vítor Pinto. Ensinou-me muito sobre futebol e sobretudo, sobre a vida”, reconheceu Alex Machado, não se esquecendo das vezes em que ‘levou na cabeça’. “Também me deu muitas duras, que sei que sempre foram para que eu crescesse”.