Futebol. Para muitos, uma paixão, uma forma de vida, de ser e estar num espaço onde o tempo, esse grande mestre, é apenas um ponteiro que tanto aponta a mil caminhos e sorrisos, como pode apontar a nada. Futebol. Um lugar onde é sempre difícil calcular onde pôr os pés, dado que, se a bola não entra, tudo escorrega rapidamente, 'do oitenta ao oito', diz-se na gíria. E no futebol se há função tantas vezes incompreendida é a de treinador. Eles sabem especificamente que é no relvado que se faz o teste do algodão, onde todo o trabalho se avalia numa evidência absoluta. E foi sobre futebol e do Amarante, sensação da Série A do Campeonato de Portugal, que o Bancada conversou com o treinador Renato Coimbra.
No futebol nem sempre há espaço para amores mas Renato Coimbra, 46 anos, contraria esta lógica e acredita que, em terra de escritores (Teixeira de Pascoaes ou Agustina Bessa-Luís), é possível ser poeta nos relvados unindo a sabedoria das táticas e estratégias ao apego sentimental.
Cresceu a cinzelar a magia do futebol no balneário do Amarante
Com essa forma de ser e pensar, aceitou o desafio de treinar o 'seu' Amarante no Campeonato de Portugal, o Amarante que conhece desde que, ainda menino pela mão do pai, então diretor do clube, começou a sentir o ambiente do balneário, no tempo em que o futebol ainda era, como contou um dia António Lobo Antunes, "pura criação, uma atividade eufórica, uma magia cinzelada, uma nascente de prazer, uma inspiração, um entusiasmo".
E todos sabem que 'não há amor como o primeiro'. Amarante é berço para Renato Coimbra, onde o treinador guarda eternas e aconchegantes memórias. "O futebol foi praticamente o único desporto que eu fiz. Futebol, futebol, futebol. Sempre gostei desde o futebol de rua que se jogava antigamente."
E do antigamente pairam memórias na cabeça de Renato Coimbra que o ligam ao clube de Amarante. "O meu pai foi diretor de futebol do Amarante e eu ia aos treinos todos, aos jogos todos, estava sempre no balneário".
E nesse 'espaço sagrado', para quem faz do futebol uma forma de ser e estar, Amarante foi sempre mais do que um clube de futebol na vida de Renato Coimbra, ele que não esconde que é um treinador "emotivo".
Por isso, quando surgiu o convite para treinar o clube, tornou-se difícil ao FC Alpendorada, onde estava e onde tinha acabado de ser campeão da Divisão de Elite Pró-Nacional da Associação de Futebol do Porto, segurá-lo.
Os amores são assim, mesmo que no futebol exista pouco espaço para amar. Mas se há terra onde amar está presente é precisamente em AMARante.
No dia em que assinou pelo clube da terra, Renato Coimbra, que jogou na formação amarantina, sabia o tamanho do desafio e o que o esperava na Série A do Campeonato de Portugal onde fez da luta diária um sucesso acabando por atingir a fase de apuramento de campeão.
"O Amarante fez realmente uma primeira fase muito boa. Juntamente com o Rebordosa e o União de Santarém fomos das equipas que menos derrotas tivemos", começou por explicar Renato Coimbra em entrevista ao Bancada, onde admitiu que o objetivo inicial era "a manutenção".
Só que com o passar do campeonato os objetivos amarantinos foram ajustados e pensou-se, e concretizou-se o apuramento para a fase final juntamente com um Vianense que "cedo se destacou e cedo se percebeu que se ia apurar".
"Ninguém nos tira a ambição e a vontade de lutar. Temos uma ilusão muito grande"
Agora, segue-se a fase final e Renato Coimbra sabe que vai lutar contra equipas poderosas, algumas com tradição no futebol nacional, mas nem isso retira ambição ao técnico que chegou a jogar na formação ao lado de nomes emblemáticos do futebol nacional como Ricardo Carvalho e Nuno Gomes, outras destacadas figuras de Amarante.
"Sabemos que partímos um bocadinho atrás em termos de orçamento e, se calhar, em termos de plantel, mas ninguém nos tira a ambição e a vontade de lutar por uma subida de divisão. O meu discurso não pode ser outro. Sabemos que é difícil, vamos jogar contra adversários poderosos mas temos uma ilusão muito grande", observou Renato Coimbra.
O treinador explicou também que vê a equipa de Amarante com "estrutura para chegar a uma Liga 3". "O clube tem uma cidade por trás que tem de suportar o clube", argumentou Renato Coimbra, sublinhando que é alguém que pensa sempre na vitória e, como filho da terra, não nega que meteu uma maior pressão em si mesmo. "Gosto de ganhar e eu próprio sendo de Amarante meti em mim essa pressão".
Ao Bancada, o treinador do Amarante disse também que não sentiu pressão por parte quer da Direção, quer da plateia preto e branca. "Eu conhecia as pessoas da cidade" e "as pessoas têm sido incríveis", justificou, agradecendo o convite endereçado pela Direção do clube amarantino que lhe abriu as portas para treinar num campeonato tão especial.
"É o clube pelo qual eu tenho mais carinho. É o clube da minha cidade, onde eu nasci, onde eu cresci e onde eu vivo", admitiu o treinador de 46 anos, que vive a primeira experiência nos campeonatos nacionais.
"Eu nunca tinha treinado no Campeonato de Portugal e nunca tinha estado a um nível tão alto", recorda o técnico que, anteriormente, orientou o FC Alpendorada, o Baião e o Vila Caiz, das divisões distritais da Associação de Futebol do Porto.
Assim, treinar em Amarante o Amarante tem sido uma história de encantar na vida de Renato Coimbra. "Era uma ambição minha, se fosse possível, treinar o Amarante porque é o clube do meu coração".
No futebol o passado é passado, o presente passa rápido e quanto ao futuro nunca se podem fazer grandes previsões. Renato Coimbra também não as faz e prefere saborear o momento, focando-se no Amarante. E o futuro será "o que tiver de ser".
"O futebol nunca foi o meu sustento profissional. Fui sempre e continuo a ser amador, embora o futebol continue a tirar-me tempo. Se algum dia eu tiver possibilidade de chegar a patamares mais acima, se for com o Amarante, excelente. Seria outro sonho realizado. Agora, é um passo de cada vez e não vale a pena estar com grandes ilusões. O que daí vem será sempre uma consequência. Se tiver que ser, se não tiver que ser, não será problema."
Treinador é tarefa de "improviso grande"
Na conversa com o nosso jornal, o treinador do Amarante não escondeu que nas divisões inferiores do futebol português se exige dos mestres do treino capacidade de improviso para ultrapassar certas situações.
Mas mesmo aí, admite Renato Coimbra, este convive bem com esse tipo de tarefa extra. "Um treinador tem que ter uma capacidade de improviso muito, muito, muito grande. Nenhum treino é igual, nenhum jogador é igual, nenhum jogo é igual".
Amarante de Ricardo Carvalho, Nuno Gomes e Renato Coimbra
Falar de futebol em Amarante remete imediatamente para dois nomes: Ricardo Carvalho e Nuno Gomes. Renato Coimbra reconhece os ex-colegas de formação no clube amarantino como embaixadores do desporto da cidade e não nega que gostaria um dia de ver também o seu nome escrito em páginas douradas no centenário emblema.
"Nunca estou preocupado com o que vem a seguir. Trabalhar, ser sério, ser uma pessoa correta e coerente. Esse é o meu foco. No futebol tudo depende dos resultados. A única coisa em que eu me foco é dar o meu melhor todos os dias. Se o Renato Coimbra tiver a felicidade de chegar a patamares dessas referências que jogaram comigo na formação, muito bem. Se não chegar, não há problema nenhum", contou um treinador que diz que a sua ambição "não tem limites".
Futebol revela "carinho"
E se o futebol é a arte das emoções, Renato Coimbra não esconde que este desporto tem mostrado o carinho de quem lhe é próximo, onde está e mesmo por onde passou.
"Tenho um carinho muito grande, muito grande pelo FC Alpendorada, tenho uma relação de amizade e proximidade com as pessoas e nada apagará", assegurou Renato Coimbra, dizendo que vive dias felizes no Amarante mas nenhum "como o dia da apresentação".
Esse, admite Renato Coimbra, não se apagará da memória.
Depois de ser a equipa sensação da Serie A do Campeonato de Portugal, o Amarante defrontará agora na fase final das equipas do Lusitânia de Lourosa, do Salgueiros e do Vianense na fase final de promoção à Liga 3 do futebol português.