Num futebol marcado de coisas por fazer, de objetivos a cumprir e jogadas por descobrir, o espetáculo, a veneração e o culto habitam sempre a memória de quem é adepto, de quem vibra, de quem sofre mas também de quem sorri nos vários momentos que o jogo tem. Porque o futebol é festa e pretexto para ir e voltar tantas vezes novamente e, mesmo na derrota, o futebol deixa sempre espaço para a redenção. Porque o futebol é sempre um bom desafio para sorrir.
David Brás, 28 anos, representa em pleno o ser Académica. Adepto, fez-se doutor pelas salas da Universidade de Coimbra, cresceu de forma briosa desde as camadas jovens e regressou aos 'capa e batina' depois de algumas épocas a jogar na AD Nogueirense, Oliveira do Hospital e Anadia. Na última época, foi uma das figuras dos estudantes na Liga 3 e, aquando da realização desta entrevista, ficou a saber que está na 'hora da despedida' à sua Académica de sempre.
"Muitas vezes mentem ou dizem meias verdades para ficar bem na fotografia"
A questão que se impunha era lógica de tão óbvia. Afinal, o que descobriu no futebol sénior o David Brás que antes não sabia quando era um 'caloiro' do futebol em formação.
"Quando estava na formação ouvia as pessoas dizer que o futebol é um mundo de cão, mas não percebia muito bem o que isso significava", começou por dizer David Brás, em entrevista ao Jogo do Povo do Bancada.
"Com o passar dos anos aprendi o que é que isso significa", revelou o centrocampista, concretizando: "É um mundo onde as pessoas para ter sucesso usam todo o tipo de subterfúgios e onde muitas vezes mentem ou dizem meias verdades para ficar bem na fotografia".
Psicólogo formado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, David Brás confessou que tem ferramentas para enfrentar todas os momentos que o futebol coloca pela frente.
"Aprendi que para se sobreviver às quedas que temos, neste mundo de cão, é preciso ter uma grande paixão pelo jogo e relembrarmo-nos daquilo que nos fez apaixonar por este jogo tão bonito e que é amado por tantos milhões de pessoas pelo mundo fora, para que a paixão não se apague", afirmou o médio, uma das figuras da Liga 3, que sustena na "paixão" tudo aquilo que o futebol ainda lhe pode dar.
"Liga 3 é ótima montra para quem quer chegar aos patamares profissionais"
E paixão é a expressão que melhor caracteriza a prova tutelada pela Federação Portuguesa de Futebol para quem David Brás, um jovem mas já um experiente caminhante nestas andanças, só tem palavras de agradecimento pela forma como a competição é acarinhada.
"Acho que é uma competição que fazia falta ao futebol português", assumiu David Brás, admitindo que "é importante para se poder iniciar a profissionalização dos clubes antes destes chegarem ao futebol profissional".
Por outro lado, Brás realça "o mediatismo que recebe" e que faz da Liga 3 "uma ótima montra". "É uma ótima montra para jogadores que, como eu, desejam chegar aos patamares profissionais", completou o médio, que sonha chegar aos grandes patamares do futebol português para defrontar "todos aqueles que jogam na I Liga portuguesa". "Se assim for, é sinal que estou lá a jogar contra eles", revelou David Brás.
Até lá, vai multiplicando as tarefas pelas horas dos dias, tentando conciliar os treinos com a profissão. De manhã, puxa pelo físico, de tarde "pode variar" o seu dia.
"Há algumas tardes em que necessito de dedicar algum tempo a melhorar aquilo que é o meu futebol", explicou, detalhando que procura "fazer ginásio, ver o vídeo do jogo anterior" com a finalidade de ver o que pode "melhorar" e até "fazer algum tipo de treino específico complementar".
Já ao final do dia, entra em campo o senhor doutor para ajudar sempre a reconfigurar metas e objetivos com força mental. "Ao fim do dia, vou para o clube onde desempenho essas funções de psicólogo".
Aos 28 anos, David Brás tem já vários momentos que ecoam para a eternidade na sua mente. Alguns desses momentos mais bonitos foram passados no futebol "desde marcar golos aos 90 minutos que deram a vitória, a ser aplaudido de pé após uma substituição pela claque" ou ainda a ver "cartazes" com o seu nome a pedir a camisola.
Momentos eternizam o valor das coisas, a importância do ser e do estar, porque a bola une vários sentimentos e cola para sempre a magistralidade como agulha que encosta no vinil e das caixas som se ouve a música. Para David Brás, o carinho prestado e os gestos "marcaram", mas nenhum outro foi tão impactante como o jogo contra a União em Leiria.
"Jogar perante 17 mil pessoas no Municipal de Leiria e ter sido eleito como o melhor jogador em campo nesse jogo, essa sensação de jogar perante tantos adeptos é indescritível", revela o médio que se assume como o "mais chato" do balneário.
"Geralmente o gajo mais chato no balneário costumo ser eu… Mas praticamente todas as grandes amizades que tenho na minha vida, tiveram início dentro de um balneário, e acredito que no fim de contas, quando deixar de jogar, isso vai ser aquilo que vou levar comigo", vaticinou este fã de uma "boa mariscada" e que nunca sai de casa sem desodorizante e pastilhas.
Aquela prenda dos 8 anos nunca sai da memória
A cabeça tem mistérios que a ciência há muitos anos tenta descodificar. Porventura, é preciso puxar muito para se recordar do que se almoçou ou jantou há três semanas. Mas dificilmente se esquecem momentos marcantes, que cravam a memória para sempre.
Na vida de David Brás não há como esquecer a prenda de aniversário dos 8 anos quando a mãe o levou pela primeira vez a treinar. O sonho tornava-se realidade, a mente fitava aos maiores e mais bonitos sonhos nos saltos da bola.
"Foi a minha mãe que me levou ao pavilhão Jorge Anjinho para experimentar um treino de futebol como presente do meu oitavo aniversário", contou David Brás, nesta entrevista ao Jogo do Povo, no Bancada, detalhando que mais tarde o pai foi assistir ao treino.
"O meu pai estava a trabalhar e foi lá ter ao treino assim que conseguiu", sublinhou, deixando palavras de agradecimento para o 'balneário' que ao longo dos anos o tem acompanhado sempre.
"Ao longo destes 20 anos em que ando no futebol foram das pessoas que mais sofreram comigo, porque este mundo é difícil para os jogadores, mas acho que é ainda mais difícil para aqueles que estão à nossa volta", reconhece Brás, entregando méritos por continuar a jogar aos que o vão rodeando.
"Se ainda jogo futebol atualmente, é porque tanto eles como a minha esposa e os meus amigos mais próximos me incentivam a lutar pelo sonho de chegar aos patamares profissionais".
Uma entrevista para os apanhados desde os Açores no quarto do Seco
E porque a vida não é nada sem família ou amigos, David Brás guarda boas memórias e algumas "palhaçadas" que têm vindo a ser fabricadas nos tempos livres, pois o espírito de equipa também se faz com episódios curiosos, como aquele passado num quarto dos Açores com direito a uma entrevista para os apanhados.
"Na fase de manutenção da época que passou houve um jogo nos Açores, na ilha Terceira, e como era um jogo fundamental para garantir a manutenção da equipa, fomos dois dias antes do jogo", começou por contar este episódio.
"A caminho dos Açores, o Hugo Seco manda uma mensagem ao Rodrigo Guedes a dizer que é um jornalista de Coimbra e se lhe podia ligar de noite para fazer uma entrevista", detalhou, explicando que "o Guedes, como não sabia que era o Seco, aceitou fazer a entrevista".
Pela noite e já depois de reconfortarem o estômago, a digestão foi feita com a preciosa ajuda de umas boas gargalhadas à custa de Guedes.
"O Seco liga ao Guedes a falar com um tom de voz diferente e muito esquisito. O Guedes respondeu às perguntas todas e no final da entrevista vai para o quarto do Seco e começa a dizer que teve uma entrevista e que o entrevistador parecia um deficiente", salientou Brás, revelando que já ninguém conseguiu parar de rir à gargalhada.
"Causou uma risada geral em toda a gente que estava no quarto. E, melhor ainda, é que o Guedes depois para mostrar que o entrevistador falava de forma deficiente ia ligar de volta, mas não se lembrava do nome do dito jornalista, então para não se enganar vai ao Sync Me e quando descobre que era o Seco que o tinha entrevistado cai para cima da cama e toda a gente se desmanchou a rir".
Académica, um gigante nos palcos da Liga 3
Já houve um tempo em que o clube de Coimbra com mais presenças na I Liga se colou aos grandes e surpreendeu o futebol português. A Académica conquistou a Taça de Portugal por duas ocasiões, em 1938/39 e 2011/12. A Académica jogou nas provas da UEFA, brilhou nos grandes palcos, vivendo numa espécie de paraíso. Hoje, a Académica é um gigante que vai dando 'serenatas' nos palcos da Liga 3 como as capas negras de saudade em acordes da guitarra portuguesa.
David Brás é um doutor que Coimbra formou duas vezes; na Universidade e nos relvados. É tempo de ecoar a balada da despedida, levando sempre o bater da velha Cabra na ouvido.