Jovens venezuelanos ofereceram ao povo do seu país a alegria e a esperança que se desvaneceu com a crise sócio económica
No Mundial Sub-20 que decorreu na Coreia do Sul, o conjunto venezuelano fez história. Apenas na segunda presença na competição (depois da queda nos oitavos de final no Egito, em 2009, perante os Emirados Árabes Unidos), os sul americanos alcançaram pela primeira vez a final da competição. Os Sub-20 venezuelanos oferecem assim um motivo de particular orgulho não só ao futebol do país, como ao seu próprio povo.
Com a Venezuela enterrada no último lugar da qualificação CONMEBOL para o Rússia 2018, com apenas seis pontos e uma vitória conquistada em catorze jogos, e sem que qualquer clube venezuelano tenha conseguido ultrapassar a fase de grupos da Copa Libertadores 2017 (Zamora e Zulia ficaram mesmo em último nos seus grupos e nem Carabobo ou Deportivo Táchira lá conseguiram chegar), estes são tempos complicados para o futebol da Venezuela. Contudo, é social e economicamente que o país vive a sua verdadeira crise.
A 15 mil quilómetros de distância do seu país, os jovens da Vinotinto fizeram história. Ao alcançar a final do Mundial Sub-20, pelo país fala-se já em geração de ouro para o futebol venezuelano. Mesmo com uma equipa preenchida, essencialmente, por jogadores que atuam no campeonato local, num país onde a instabilidade social, política e económica está nos limites da guerra civil, os jovens venezuelanos não se deixaram afetar ou inferiorizar.
A Venezuela surpreendeu desde início. Logo ao primeiro encontro a Vinotinto bateu a poderosa Alemanha por 2-0 e mostrava ao que ia. Ronaldo Peña e Sergio Córdova anunciavam-se ao Mundo e passariam a integrar uma restrita lista de jogadores em destaque ao longo da competição. A surpresa inicial nunca daria lugar ao deslumbramento. A Venezuela goleia Vanuatu (7-0) na segunda jornada e, à terceira, volta a vencer fazendo o pleno na fase de grupos da competição. Sergio Córdova voltava a ser decisivo e com um golo solitário derrota o México pela margem mínima. O caminho até à final é longo. Mais longo que o de Inglaterra, com a Venezuela a enfrentar prolongamento nos três encontros da fase a eliminar. Batendo o Japão nos oitavos de final após prolongamento, batendo os Estados Unidos nos quartos de final também após prolongamento e batendo o Uruguai, nas meias finais, somente nas grandes penalidades.
Em campo os jovens venezuelanos eram uma extensão do seu próprio povo. Mostravam em campo a resiliência que muitos dos seus conterrâneos vão mostrando, no seu próprio país, a quinze mil quilómetros de distância. Resilientes, lutadores, aguerridos. Uns contra as melhores seleções jovens de futebol. Outros contra a crise ecónimica e contra a opressão de um governo teoricamente democrático. Ambos com um objetivo simples em mente: um futuro mais sorridente.
Na final, porém, Inglaterra foi mais forte. Na mão de Freddie Woodman, aos 74 minutos, esbarrou o sonho venezuelano. O guardião inglês defendia uma grande penalidade de Adalberto Peñaranda e a Venezuela nunca conseguiria chegar ao golo que pudesse adiar o sonho por mais trinta minutos.
Esbarrar na nova geração de ouro inglesa e sair de cabeça levantada
A conquista do campeonato do Mundo Sub-20 por parte de Inglaterra coloca um ponto final no hiato inglês no que a títulos FIFA diz respeito. A última conquista dos ingleses remontava já a 1966, ano em que organizaram o campeonato do Mundo sénior que venceriam na final perante a Alemanha. Inglaterra que nem vencia um jogo num Campeonato do Mundo Sub-20 desde 1997, não só vencia o seu primeiro jogo no torneio em duas décadas, como chegaria a uma inédita final e, claro está, a um título também ele inédito.
A Venezuela caiu na final perante uma, também ela, geração de ouro. Afinal, a base da equipa inglesa que terminou a vencer o campeonato do Mundo Sub-20, foi a base da equipa inglesa que vencera o campeonato europeu sub-17 em 2014 e que chegaria à meia final do campeonato europeu sub-19 de 2016. Inglaterra, por seu lado, vencia o campeonato do mundo sub-20 sem muitos dos principais jogadores da geração de 1997 e um dia depois da equipa secundária sub-20 vencer o reputado e prestigiado Torneio de Toulon. Mesmo ausente de nomes como Patrick Roberts, Joe Gomez, Isaiah Brown, Marcus Rashford, Axel Tuanzebe, Demetri Mitchell, Rico Henry, Cameron Bortwick-Jackson, Reece Oxford, Jordan Rossiter ou Tammy Abraham, Inglaterra demonstrou uma maturidade competitiva pouco habitual nas suas seleções, não vacilou e terminou a vencer o título mundial.
Com uma conjunto de selecionados com base no futebol venezuelano, a distância que separa os jovens sul americanos dos ingleses em matéria de conduções de trabalho é colossal. Mais do que os próprios ingleses, o campeonato do mundo sub-20 era, para os venezuelanos, a possibilidade de se colocarem na montra para um futuro, pessoal e desportivo, muito mais risonho. Principalmente, dado o contexto económico e social vivido no país. Cair na final perante a Inglaterra não encerra, por isso, qualquer deceção para o conjunto venezuelano. Bem pelo contrário. Na Coreia do Sul, os jovens venezuelanos podem muito bem ter mudado a face do futebol do país, mostrando que o país é capaz, não só de competir, como de jogar para vencer competições.
“Os maus momentos que estamos a atravessar têm servido de inspiração para os jogadores Vinotinto”
A Venezuela alcançou uma inédita final de uma competição FIFA e, no país sul americano, os jovens que integraram a equipa na Coreia do Sul poderão formar a base de uma geração de ouro do futebol no país. Contudo, mais do que heróis desportivos, os jovens finalistas do Mundial Sub-20 estabeleceram-se como figuras de esperança para todo o povo venezuelano. Para Franco Joel Hernández, jornalista do diário venezuelano El Universal, a crise económica e social vivida no país não pode ser dissociada do sucesso desportivo da joven vinotinto. “Sem dúvida, os maus momentos que estamos a atravessar têm servido de inspiração para os jogadores venezuelanos. Cada vez que algum jogador falou na zona mista após o jogo disse que era para dar alegria ao país”, conta ao Bancada Franco Hernández.
Mesmo perante a derrota contra Inglaterra, a Venezuela avalia a prestação dos jovens venezuelanos na Coreia do Sul como um sucesso desportivo sem precedentes. “Hoje à tarde existirá uma grande recepção no Estádio Olímpico de Caracas onde se irão homenagear os jogadores”, adianta-nos Franco Hernández. Mesmo perante a queda na final, os jovens venezuelanos são tidos no país como heróis nacionais. Uma participação que moveu e parou o país. “Os jogos de futebol do campeonato do mundo sub-20 foram nas primeiras horas da manhã, mas ainda assim as pessoas se levantaram para assistir a jogos de futebol”, diz-nos de Hernández de forma entusiasmada.
Por esta altura a Venezuela, e Caracas em particular, vive momentos conturbados ao nível social e político. Sucedem-se, diariamente, as manifestações contra o governo de Maduro e os relatos de mortos e feridos chegam pela imprensa. “No momento, estamos passando por uma grande crise política, económica e social e esses caras têm dado grande alegria a todos os venezuelanos”, confessa o jornalista do El Universal. “O desempenho da Venezuela no Mundial Sub-20 foi um grande bálsamo para todo o país”, conclui Franco Hernández.
Uma jovem Vinotinto que fica para a história
Após o apito final e mesmo perante a derrota contra Inglaterra, Rafael Dudamel, selecionador venezuelano, era um homem orgulhoso. Mais que isso, era um homem emocionado pelo verdadeiro feito que os seus jogadores haviam conseguido na Coreia do Sul. “Estou orgulhoso dos meus jogadores, porque foram valentes. Jogaram com orgulho, dignidade e muito amor próprio”, referiu. “Há alguma tristeza porque sonhava vê-los como campeões. Não pudemos dar essa felicidade ao nosso país mas estou seguro que nas suas cabeças e corações serão para sempre campeões”, confessou de forma sentimental.
Os jovens venezuelanos podem ter jogado com o coração na Coreia do Sul e utilizado o contexto social e político do país como motivo de superação, mas mais que a garra com que disputaram cada encontro, salta à vista uma inegável capacidade técnica e qualidade futebolística de muitos dos jovens jogadores venezuelanos. O Mundial Sub-20 serviu, por isso, para que vários dos jovens venezuelanos se colocasse na montra do futebol e possam vir a ser alvo de cobiça de diversos clubes europeus este Verão.
Dos 23 convocados para o Mundial Sub-20, apenas cinco jogadores jogam já fora do campeonato venezuelano. Desses cinco, apenas dois jogam na Europa, sendo que Yangel Herrera está emprestado ao New York City FC pelo Manchester City. Adalberto Peñaranda, que desperdiçou uma grande penalidade na final do Mundial, é jogador do Málaga, enquanto Ronaldo Peña defende as cores do Las Palmas.
Contudo, foram bem mais os jogadores venezuelanos que deram nas vistas no torneio Sul Coreano. Sérgio Cordova, à cabeça. O poderoso jovem avançado do Caracas Fútbol Club, de 1’91m, terminou o campeonato do Mundo Sub-20 com quatro golos e como um dos segundos melhores marcadores da prova. Já Samuel Sosa ficará para sempre ligado à competição depois de salvar a equipa da eliminação nas meias finais. Sosa fez o golo do empate da Venezuela perante o Uruguai já para lá do minuto noventa, um encontro que a vinotinto venceria nas grandes penalidades. Quem se destacou particularmente foi também o guardião venezuelano: Wuilker Farinez. O guarda redes do Caracas FC encaixou apenas três golos em toda a competição e mostrou-se particularmente importante no desempate por grandes penalidades perante o Uruguai.
A qualidade técnica assinalável da equipa venezuelana não passou despercebida, mesmo que todos os atletas presentes no Campeonato do Mundo Sub-20 tenham sido formados localmente, sendo Nahuel Ferraresi a única exceção. O defesa venezuelano mudou-se para a Argentina aos 12 anos e efetuou toda a sua formação em clubes argentinos como o Vélez, o Ferrocarril Oeste ou o Nueva Chicago. E se falamos de qualidade técnica não podemos deixar de destacar Yeferson Soteldo, o pequeno médio do Huachipato do Chile. Com 1’58m, Soteldo mostrou um controlo de bola ímpar e um drible curto desconcertante.