Grande Futebol
Uruguai quer fazer um Maracanazo. Ou um Maracanazov
2018-06-03 11:00:00
Aqueles homens calaram um Maracanã. Se isto não é ser lendário, então nada será.

A primeira vez nunca se esquece. Não é assim que diz o povo? Falar de Mundial é falar de Uruguai. Foram os primeiros a receber esta prova e foram os primeiros campeões do Mundo. E a primeira vez nunca se esquece.

É muito mais interessante falarmos do Maracanazo. O dia em o Brasil quis suicidar-se para o futebol. O dia em que o Uruguai chocou o Mundo, em 1950, e conquistou algo que estava prévia e inequivocamente atribuído ao anfitrião Brasil, com uma nação vestida de sobranceria. A seleção brasileira era a melhor, mas, num gigantesco Maracanã, com cerca de 200 mil pessoas, tudo ruiu. E nasceu um trauma – há quem lhe chame obsessão – do Brasil relativamente ao Mundial. Esse é um dos jogos mais épicos da história do futebol e, por extensão, da história dos Mundiais. Em 2018, a armada de Montevideo quer um Maracanazov, traduzido e adaptado à caminhada que será feita lá longe, na Rússia.

Esse Mundial de 1950 trouxe uma final não a um jogo, mas em fase de grupos. No Maracanã, o Brasil só precisava de um empate para ser campeão do Mundo. Isto depois de ter cilindrado a Suécia por 7-1 e a Espanha por 6-1. Isto com o Uruguai a vir de um 2-2 com a Espanha e de um 3-2 com a Suécia. Isto com todo o povo brasileiro sedento deste título. Isto perante 200 mil pessoas num grandioso estádio. Não sejamos injustos: tudo isto parece confluir numa sobranceria fatal, mas, convenhamos, bastante justificada e provida de nexo.

Antes do jogo, houve festa total pelas ruas do Rio de Janeiro e um pouco por todo o Brasil. No balneário do Uruguai, soube-se mais tarde, o selecionador Juan Fontana queria uma equipa defensiva. O capitão, Obdulio Varela, queria o contrário. “Juancito é um bom homem, mas, hoje, ele está errado. Se jogarmos defensivamente, o nosso destino será igual ao da Espanha e da Suécia”, começou por dizer, antes de apelar que os colegas não sentissem o fogo do Maracanã, numa frase lendária: “Muchachos, los de afuera son de palo. Que comience la función [Rapazes, quem está do lado de fora não joga. Que comece o espétaculo].

Para compor o ramalhete, só faltaria que, nesse dia 16 de julho de 1950, a vitória uruguaia tivesse, por exemplo, uma reviravolta. E teve. O Brasil saiu na frente e festejou como se não houvesse 17 de julho. Aos 66 e 79 minutos, Schiaffino e Ghiggia deram a volta. Depois, o silêncio.

“O silêncio era tão grande que se uma mosca estivesse voando por lá, ouviríamos o seu zumbido”, chegou a dizer o autor do segundo golo. Aqueles homens calaram um Maracanã. Se isto não é ser lendário, então nada será.

A talhe de foice, ficam algumas curiosidades:

- Depois dessa tragédia em forma de bola de futebol, o Brasil mudou a cor do equipamento. Trocaram, para sempre, aquele branco e azul pelo agora clássico amarelo e verde.
- 22 medalhas com nomes dos jogadores do Brasil ficaram por entregar.
- Jules Rimet, “pai” do Mundial, estava tão convencido de que entregaria a taça ao Brasil, que preparou apenas um discurso em português. Pôde exibi-lo apenas em casa, para a família.
- Os organizadores, “aziados” com aquela derrota, deixaram Jules Rimet sozinho na cerimónia de entrega da taça ao Uruguai.
- Mais de 60 anos depois, um adepto do Brasil encontrou, lá por casa, o bilhete para a final de 1950. Jogo ao qual não pôde ir, para ficar a tratar da mãe. A FIFA, depois de confirmar a autenticidade daquela relíquia, ofereceu-lhe três entrada para um jogo do Brasil no Mundial 2014… e no Maracanã, claro.

O PERCURSO RUMO AO RÚSSIA 2018

Na zona sul-americana de qualificação, não houve pai para o Brasil. Quem mais se aproximou foi precisamente este Uruguai, que venceu nove dos 18 jogos e terminou no segundo lugar. O registo defensivo não foi brilhante, mas o ofensivo foi bastante bom.

Cavani foi o melhor marcador da qualificação da CONMEBOL, com dez golos em 15 jogos.

O JOGADOR A SEGUIR: Rodrigo Bentancur

Um grandalhão com uma técnica tremenda. Forte a criar na primeira fase de construção, forte na condução, forte a surgir em zonas de finalização, forte no passe longo e muito maduro a definir. Resumindo, tem tudo. Um médio tremendo e que só tem… 20 anos. A Juventus caçou-o na Bombonera e, na primeira temporada de Liga Italiana, foram logo 27 jogos. Sim, quase sempre vindo do banco, mas vamos ignorar essa parte. É máquina e pronto.

Quanto à presença no onze belga, poderá ter pela frente uma missão hercúlea. Se Tabárez optar pelo onze de que a imprensa uruguaia fala, então Bentancur será o segundo médio, ao lado de Vecino. Falta a este craque a agressividade necessária para segurar, com Vecino, aquela zona central. Veremos.

OS CONVOCADOS (lista final de 23 jogadores):

Guarda-redes: Fernando Muslera (Galatasaray), Martín Silva (Vasco) e Martín Campaña (Independiente).
Defesas: Diego Godín (Atlético Madrid), Sebastian Coates (Sporting), José María Giménez (Atlético Madrid), Maxi Pereira (FC Porto), Gaston Silva (Independiente), Marín Cáceres (Lazio) e Guillermo Varela (Peñarol).
Médios: Nahitan Nandez (Boca Juniors), Lucas Torreira (Sampdoria), Matías Vecino (Inter Milão), Rodrigo Bentancur (Juventus), Carlos Sanchez (Monterrey), Jonathan Urretaviscaya (Pachuca), Giorgian de Arrascaeta (Cruzeiro), Diego Laxalt (Génova) e Cristian Rodriguez (Peñarol).
Avançados: Cristhian Stuani (Girona), Edinson Cavani (PSG), Maximiliano Gómez (Celta de Vigo) e Luis Suárez (FC Barcelona).

O ONZE PROVÁVEL

O TREINADOR: Óscar Tabárez

GUIA BANCADA: O MUNDIAL EM HISTÓRIAS

Grupo A

Rússia: O dia em que Rússia boicotou e "roubou" a Ucrânia para jogar o Mundial
Arábia Saudita: A lenda do "Pelé do Deserto", o terror de Setúbal
Egito: O futebol nascido de uma tragédia
Uruguai: Uruguai quer fazer um Maracanazo. Ou um Maracanazov

Grupo B

Portugal: Portugal, toca a jogar pelo chão que, de “Saltillos”, já foi suficiente
Espanha: O dia em que o General Franco teve medo dos russos e tirou um título à Espanha
Marrocos: "África minha" de Hervé Renard tem novo capítulo em Marrocos
Irão: Carlos Queiroz e o Irão: uma relação de amor e ódio

Grupo C

França: Didier Deschamps, o capitão da saga de 1998 em busca da redenção como treinador
Austrália: Um continente pequeno demais para uma seleção
Perú: O amor que os brasileiros ganharam ao Peru e a Cubillas, com a Argentina no meio
Dinamarca: Elkjaer fumava e bebia, mas corria que se fartava

Grupo D

Argentina: O dia em que Deus deu a mão para Maradona ficar na história do futebol
Islândia: Islândia e a aritmética que permite escolher os 23 convocados
Croácia: Quando Boban e Suker viraram heróis de uma nação
Nigéria: Yekini, um lugar na história da Nigéria e no coração dos portugueses

Grupo E

Brasil: Marinho Peres: capitão, desertor e um sonho que virou pesadelo em Barcelona