Grande Futebol
Uns não têm pernas, outros não têm braços, mas têm futebol
2018-07-30 16:00:00
O futebol é uma forma de fugir à guerra.

O futebol joga-se com duas pernas, certo? Errado. Um guarda-redes defende com os dois braços, certo? Muito errado. No médio-oriente, a vida é madrasta para muita gente – gente dos 8 aos 88 anos –, mas, apesar das marcas deixadas pelos bombardeamentos na Faixa de Gaza, no conflito israelo-palestiniano, há espaço para o futebol. Espaço e vontade. E paixão. E determinação.

A história é relativamente simples de contar: a Reuters chegou a um senhor cheio de ideias. Fouad Abu Ghalyoun, membro do Comité Paralímpico Palestiniano, viu um jogo entre amputados ingleses e turcos e lembrou-se de criar uma equipa composta por mutilados e amputados da Faixa de Gaza. Os treinos são curtos – meia hora, na maioria das vezes – com um joguinho de 20 minutos.

Em Deir al-Balah, começaram por tratar, primeiro, dos equipamentos. Os jogadores, na sua maioria, é apenas dotado de uma perna. Solução: jogar de muletas. Sim, isso mesmo.

No início, metaforizámos que havia mutilados dos 8 aos 88 anos. Errado. Nesta equipa, há jogadores palestinianos dos 13 aos 42 anos. Todos provenientes da Faixa de Gaza e todos com visíveis limitações físicas. Como nos grandes heróis, as maiores limitações físicas são superadas pela determinação e força mental.

"Com uma perna não é tão fácil e é preciso um tipo especial de exercícios”, conta Khaled al-Mabhouh, treinador da equipa.

Formar um campeonato e ir jogar lá fora

Engana-se quem pensa que isto é uma loucura daquela gente. No estrangeiro, há países a formar equipas de amputados e competições a nível mundial. É esse o objetivo de al-Mabhouh. “Estamos em contacto com muitas instituições e associações para que nos apoiem e ajudem. Ainda estamos a utilizar equipamentos não-profissionais para treinar e as muletas não se adaptam totalmente aos movimentos dos atletas”, explica, à “Efe”, antes de contar como foi a adaptação dos atletas: "Os jogadores têm uma grande determinação para jogar. No início, estavam tímidos, mas consegui que se soltassem", detalhou.

E soltaram-se mesmo. É que nem pontapés acrobáticos ficam por fazer.

Os jogadores, esses, revelam gratidão. Ibrahim Khatab, de 14 anos, explica como foi parar a esta equipa. “O meu pai incentivou-me e, agora estou a jogar futebol, algo de que me vi privado depois de ter um pé amputado em 2014, quando fui ferido por um foguete disparado por um avião de reconhecimento israelita".

O pai, esse, revela que o filho passou a trocar o tablet pelo relvado. “Ele estava sempre agarrado ao tablet, a jogar. Agora, depois de ter entrado na equipa de futebol, vejo que ele tem esperança e alegria”.

Abu Ikrayem é o lateral esquerdo desta equipa. Perdeu uma perna, em 2007, mas não perdeu o futebol: “Com esta equipa, é a primeira vez que volto a praticar o meu desporto favorito em anos”.

Para estas crianças, adolescentes e adultos, o futebol é uma forma de fugir da guerra. Mas é mais do que isso: é uma forma de voltar a viver. Com os membros inferiores pela metade, mas com paixão a duplicar.