Grande Futebol
Uma equipa de portugueses à conquista do futebol asiático
2018-03-16 20:45:00
O Benfica de Macau está a surpreender tudo e todos e até mandou na Coreia do Norte

Há coisas inexplicáveis. As vidas destes homens deram uma grande volta e nem os próprios conseguem encontrar palavras para descrever o que lhes vai na alma. O futebol é fértil em surpresas, todos o sabemos, mas o que se está a passar com a rapaziada do Benfica de Macau ultrapassa a imaginação do mais criativo. Carlos Leonel, por exemplo, mudou-se para Macau para ajudar um amigo e hoje é um dos melhores marcadores da Taça AFC, o equivalente à Liga Europa. Mas há mais. A equipa foi até à Coreia do Norte disputar mais um jogo para a competição continental e o Bancada mostra-lhe, com imagens, a aventura desta gente num país cheio de mistérios.

Hugo Silva - mais conhecido como Muxa - disputava o Campeonato de Portugal há pouco mais de um mês. O médio representava o Anadia FC na Série E, onde jogava para uma plateia com pouco mais de 100 pessoas, quando recebeu um convite para se mudar para Macau e representar o Benfica local. Na passada quarta-feira, Muxa jogou perante 35 mil espectadores numa das mais importantes competições de clubes da Ásia. “Parece que estou a sonhar”, revelou, ao Bancada, o jogador de 28 anos, reconhecendo que nunca esperou que as coisas pudessem correr tão bem, embora soubesse, quando viajou para Macau, que a equipa iria participar na Taça AFC.

Acontece que a presença do Benfica de Macau marca a estreia de uma equipa macaense nas competições internacionais. E como tal, a exigência sobre esta equipa para que apresentasse resultados era praticamente inexistente. “O que interessava era participar”, diziam muitos. Pois bem, não podiam estar mais equivocados. O clube com carimbo português está a surpreender meio mundo e no regresso da Coreia do Norte até órgãos da Comunicação Social macaense tinham à espera no aeroporto. “O futebol aqui não tem a importância que tem em Portugal, por exemplo, mas sentimos que, com as nossas prestações, podemos mudar a mentalidade até das pessoas da federação macaense. Apostar mais no futebol”, explicou Muxa.

A aventura desta malta começou com o primeiro jogo para a fase de grupos da Taça AFC. Aconteceu a 7 deste mês e diante do Fu Jen Universidade Católica, de Taiwan. Ninguém estava à espera de grande coisa, sejamos sinceros. “Estavam cerca de 1500 pessoas no nosso estádio”, contou, ao Bancada, Carlos Leonel, o homem de quem se fala (já lá vamos). Mas essas 1500 viram uma jogatana das antigas. O Benfica de Macau venceu por 3-2 depois de ter ido para o intervalo a perder 2-0. Ah pois é. Quem não acreditava passou a acreditar - jogadores incluídos.

Para além de muitos futebolistas portugueses, a equipa é liderada por um português: Bernardo Tavares. Por isso mesmo há, no seio do grupo, “aquele espírito luso”, revelou-nos Carlos Leonel, o goleador desta equipa. “Aquela alma que nos fez conquistar o Campeonato da Europa”, lembrou o madeirense, que lamentou o facto de os seus pais, da Ribeira Brava, não o puderem ver jogar. “Talvez um dia”, disse. Mas voltemos ao jogo que marcou a estreia de uma equipa macaense nas competições internacionais.

A equipa veio do intervalo em desvantagem por 2-0, mas logo tratou de reduzir por intermédio de Gilchrist Nguema. E o que veio a seguir foi o início do conto de fadas que se vai misturando com a vida de Carlos Leonel, ele que divide o seu tempo entre o campo de futebol e a universidade onde está a tirar a sua segunda licenciatura. Carlos marcou dois golos e o Benfica de Macau deu a cambalhota no marcador. A equipa mais portuguesa da Taça AFC acabava de ganhar o seu primeiro jogo em competições internacionais e Carlos Leonel estava intimamente ligado a este resultado histórico.

Mas se julga que Carlos Leonel ficou por aqui está muito enganado. Depois de defrontar a equipa de Taiwan, o Benfica de Macau tinha pela frente outro momento único na vida destes jogadores: uma viagem até à Coreia do Norte para defrontar o Hwaebul FC. As dificuldades encontradas para a  preparação deste desafio são evidentes, não havia muita informação sobre o oponente. “A única informação que tínhamos dos norte-coreanos era de um jogo na Mongólia. Sabíamos que eram fisicamente muito fortes e que eram profissionais, só isso”, revelou Hugo Silva, ao Bancada.

 Carlos Leonel à esquerda e Hugo Silva (Muxa) à direita com a bancada do Estádio Kim Il-Sung, Pyongyang, em fundo

A viagem fez-se e o que esperava pelos jogadores macaenses deixou alguns deles bem impressionados. “Enquanto lá estivemos só podíamos usar o telemóvel uma hora antes do jogo. Depois já não nos deixaram”, explicou Muxa, que ficou espantado com o nível de organização demonstrado pelos norte-coreanos. “A hora e meia do jogo já estava uma bancada cheia. Tinha tudo um chapéu branco e uma cartolina dourada na mão. E a banda não parava de tocar”, disse o jogador que passou pela formação do FC Porto.

O jogo começou e nas bancadas estavam 35 mil espectadores a apoiarem a equipa da casa. A partida foi bem disputada e o golos foram surgindo, ora para um lado, ora para o outro. Mas o Benfica de Macau tinha Carlos Leonel e o madeirense, que está on fire, voltou a bisar para ajudar a sua equipa a conquistar mais três pontos com nova vitória por 3-2.

Hugo Silva e uma bancada repleta de apoiantes norte-coreanos

Mas as coisas nem sempre correram de feição a Carlos Leonel. Agora com 30 anos, Carlos revelou, ao Bancada, que momentos houve em que pensou mesmo deixar o futebol. “Eu tinha ido para o Brasil num intercâmbio pela universidade e na altura deixei de jogar futebol, estive quase um ano parado. Estava a tirar a minha licenciatura em Administração e o futebol passou para segundo plano”, contou. Até que um dia recebeu uma chamada de um amigo. “Estava no Rio de Janeiro, com as malas feitas. E este meu amigo que vivia em Macau ligou-me a dizer que precisava de ajuda. Ele estava lá num clube da segunda liga - Casa de Portugal - e precisava de alguém para marcar golos”.

“Eu fui. Sabia que era uma coisa para quatro meses. Ajudei-o e fiz mais golos do que jogos”, lembrou Carlos Leonel que durante esses quatro meses fez muito mais do que jogar à bola: conheceu a mulher com quem ainda hoje vive. “Depois disso acordei o bichinho do futebol que tinha dentro de mim e decidi regressar a Portugal para acabar a minha licenciatura e voltar a jogar futebol a sério. E foi o que fiz. As coisas até me correram bem no CD Fátima, mas já não correram tão bem no Tirsense e numa fase complicada decidi regressar a Macau para junto da minha mulher”, e o futebol voltou para segundo plano.

Ora bem. De regresso a Macau, Carlos Leonel percebeu que nunca se sentiria completo sem o futebol e aceitou o desafio lançado por alguém da estrutura do Benfica de Macau e foi dar mais uns pontapés na bola. Tudo isto enquanto iniciava mais uma aventura académica: Licenciatura em Mandarim.

A organização e arrumação das ruas de Pyonyang impressionaram os jogadores do Benfica de Macau

Os golos iam acontecendo e Carlos Leonel participou na ascensão do Benfica de Macau ao topo do futebol macaense. Marcou golos, muitos golos e a equipa ia ganhando títulos. As águias de Macau foram tetracampeãs e vão bem lançadas para conquistar o penta e Carlos Leonel é já internacional pela seleção macaense e, admire-se, já marcou uma porrada de golos com a camisola da seleção de Macau. Só não marcou na viagem à Índia para a qualificação da Taça da Ásia, perante uma plateia de cerca de 20 mil pessoas e o sonho ficava adiado. Sonho? Qual sonho?

“Eu tinha um sonho de marcar um golo num estádio com mais de 15 mil pessoas e não consegui na Índia”. É verdade. Carlos não marcou diante dos 15 mil adeptos na Índia, mas marcou em Pyongyang num estádio com mais de 30 mil pessoas. Estava cumprido o sonho.