Quantas vezes deu por si numa árdua batalha para explicar a regra dos golos fora a alguém que não vê futebol? Provavelmente, algumas. Se a UEFA seguir a vontade dos treinadores, nunca mais terá esse problema. Até aqui, empatar 0-0, em casa, na primeira mão, nem sempre era um mau resultado em eliminatórias a dois jogos. Tudo porque a regra de os golos fora valerem a dobrar permite que uma equipa, levando tudo a zeros para o segundo jogo, longe do seu estádio, jogue com a possibilidade de o seu golinho, lá fora, “entalar” os anfitriões. Mas isto vai acabar.
Segundo Pedro Pinto, jornalista português e um dos rostos da UEFA, o encontro de treinadores dos clubes europeus trouxe esta proposta: terminar com a regra dos golos fora. É algo que já era sabido, mas, agora, importa perceber os moldes disto.
Mais: vamos contar uma historinha que envolve Sérgio Conceição e outra que envolve o Sporting e uma má interpretação desta regra. A ler mais à frente.
Como passará a ser o desempate?
Sem a regra dos golos fora, o desempate, em eliminatórias a duas mãos, será bastante mais simples. Equipas empatadas? Prolongamento. Tudo igual? Penáltis. Só isto. Nada de contas e continhas com os golos fora.
Ainda assim, é importante dizer que a abolição da regra dos golos fora só será aplicada nas fases a eliminar. Na fase de grupos, para efeitos de desempate, marcar um golo na jornada disputada longe de casa continua a valer mais.
Por que motivo querem abolir esta regra?
A regra dos golos fora já é antiga (criada em 1965/66). Foi posta por dois motivos simples: primeiro, para encorajar a equipa visitante a ser mais ofensiva. Segundo, porque antes, sem a globalização do futebol e sem a tecnologia, as equipas, quando iam jogar fora de casa, iam, por vezes literalmente, para terreno desconhecido. Não conheciam o estádio, o ambiente, o país, tinham pouca informação sobre o adversário, etc. Ir jogar fora era uma tremenda desvantagem e foi por isso que foi criada a regra de dobrar os golos fora. De facto, ir marcar golos lá fora era uma missão merecedora de recompensa. Agora, com o conhecimento profundo que os clubes e jogadores têm uns dos outros, esta regra perde nexo.
Mais: não havendo esta dificuldade para os forasteiros, torna-se injusto que, em caso de prolongamento, a equipa que joga fora de casa tenha mais meia hora com golos a valer a dobrar.
Mais ainda: com essa condicionante, o próprio espetáculo acaba por sair prejudicado. Com medo de levar um golo no prolongamento – quase uma sentença de morte na eliminatória –, as equipas da casa acabam por ter receio de se exporem e os prolongamentos são, muitas vezes, enfadonhos e um caminho longo e doloroso até aos penáltis.
Quem deu o “empurrão”?
Segundo disse Pedro Pinto, ao “Maisfutebol”, quem avançou com esta ideia foi Diego Simeone, treinador do Atlético Madrid. O argentino deu o exemplo da Taça Libertadores, competição na qual a regra dos golos fora – em prolongamento, apenas – não se aplica. Simeone lançou o mote e a larga maioria dos treinadores concordou.
E foi aqui que, segundo Pedro Pinto, entrou Sérgio Conceição ao barulho. O treinador do FC Porto contou uma história vivida por si, como jogador, numa meia final da Liga dos Campeões entre Inter Milão e AC Milan.
Depois do empate 0-0, no primeiro jogo, veio um empate 1-1, no segundo. Conceição ficou sem a final da Champions de 2002/2003, porque, com a regra dos golos fora, o golo de Shevchenko, a valer a dobrar, deu a final ao AC Milan. A parte curiosa desta história é que o AC Milan teve esse golo a dobrar, por estar a jogar fora de casa, apesar de estar a jogar... no seu próprio estádio (as duas equipas partilham-no). Quem pôde ir a essa final – e vencê-la, frente à Juventus – foi Rui Costa, titular do lado do AC Milan.
A título de curiosidade, houve um caso semelhante na qualificação para o Mundial 2010. Na eliminatória entre Bahamas e Ilhas Virgens Britânicas, a equipa bahamiana avançou graças à regra dos golos fora, apesar de ambos os jogos terem sido jogados nas Bahamas.
Sporting ia-se safando com isto...
Por fim, outra curiosidade a envolver o Sporting. Na Taça das Taças de 1971/72, na segunda ronda, os leões defrontaram o Rangers. Primeira mão: 3-2 para o Rangers, na Escócia. Segunda mão: 3-2 para o Sporting, em Alvalade. No prolongamento, houve 1-1. O árbitro, o holandês Laurens van Raavens, decidiu levar o jogo para penáltis, esquecendo-se de que o golo escocês, nesse prolongamento, deveria valer a dobrar. O Sporting acabou por vencer os penáltis, por 3-0 (Damas defendeu quatro penáltis), mas, mais tarde, já no balneário, os responsáveis da UEFA deram conta do erro e quem avançou na eliminatória foram os escoceses. Só mais um bocadinho de plot twist: o Rangers... acabou por vencer a competição.