Grande Futebol
Roy Hodgson, um 'globetrotter' habituado a sofrer para salvar o Crystal Palace
2017-09-18 11:30:00
Técnico volta ao ativo aos 70 anos depois de experiência traumática na seleção inglesa para um desafio de grande risco

O regresso de Roy Hodgson aos 70 anos à Premier League não podia ter corrido pior mas nada que contrarie uma longa carreira de 41 anos, feita de sofrimento e sentimento, de um 'globetrotter' que já treinou em seis países diferentes (Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Itália, Suíça e Emirados Árabes Unidos) e foi mais feliz no estrangeiro do que na própria casa. Na estreia como técnico do Crystal Palace, perdeu em casa com o Southampton por 1-0 e não estancou uma crise agora espelhada em cinco derrotas em cinco jogos e nenhum golo marcado, naquele que é o pior arranque da história da Premier League. Mesmo assim, os adeptos no final do jogo responderam-lhe com aplausos numa mensagem de confiança para a dura batalha que tem pela frente.

Com a paciência de chinês e bonomia que lhe é peculiar, Hodgson fez questão de afirmar na conferência de imprensa a seguir ao jogo não estar preocupado. E puxou dos galões da sua vasta experiência de treinador para lembrar trabalho anterior. “Não se esqueçam que no Fulham saímos da zona de descida no último jogo da temporada”, afirmou Hodgson quando confrontado com o calendário de peso que o Crystal Palace tem pela frente defrontando Manchester City, Manchester United e Chelsea. "N aaltura, vivemos muito tempo com a ideia, na nossa cabeça, de que podíamos descer" disse Hodgson que defendeu de que ainda pode demorar algum tempo antes que a equipa assimile as suas ideias e pediu confiança aos adeptos, que antes e depois do jogo lhe responderam com aplausos, apesar da derrota. Frank de Boer nunca teve esse privilégio e ao fim de 77 dias acabou despedido. Mas Roy Hodgson, pese embora a má imagem pública que tem em Inglaterra, e as más experiências no Liverpool e na seleção inglesa, goza de um estatuto especial.

O regresso ao ativo de Hodgson dá-se depois de uma experiência mal sucedida na seleção inglesa, onde ficou quatro anos, entre 2012 e 2016, sem nunca ter a simpatia da imprensa inglesa que muitas vezes o acusava de ter “ideias retrógadas” e de ser um “treinador ultrapassado”. Hodgson a tudo respondia com um misto de bonomia e ironia, transparecendo uma paciência de chinês que se esgotou quando pediu a demissão após a surpreendente eliminação perante a Islândia nos oitavos de final do Campeonato da Europa de 2016, em França. A seleção inglesa foi a quarta experiência de Hodgson a este nível depois de uma passagem bem sucedida ao comando da Suíça entre 1992 e 1995, e passagens sem destaque pela Finlândia e Emirados Árabes Unidos.  Ao comando da Suíça, conseguiu classificar a seleção para o Mundial de 1994, chegando à segunda fase da prova, e para o Europeu de 1996. A Suíça não se classificava para nenhuma competição desde 1966. Os maiores êxitos de Hodgson foram, aliás, sempre fora de Inglaterra, como se comprova com quatro campeonatos suecos ganhos (dois pelo Halmstads e dois pelo Malmö FF), duas taças da Suécia pelo Malmö FF, e uma Liga dinamarquesa pelo FC Kobenhavn.

A passagem pelo Liverpool, que Hodgson definiu como “o ponto mais alto da minha carreira” durou apenas seis meses deixando o cargo em janeiro de 2011 com resultados medianos. A explicação do técnico para a contratação de Raul Meireles foi um dos vários episódios que incendiaram o mau ambiente com os adeptos. “Ele [Raul Meireles] fez dois treinos, jogou na quinta-feira e deve jogar de novo no domingo, mas ainda é muito cedo para eu ter uma ideia da sua melhor posição. Os treinos é que me vão dizer onde ele deve jogar”. Meireles foi utilizado por Hodgson a médio-defensivo, médio esquerdo, médio direito, segundo avançado…

Outro foco de tensão foi a eliminação diante o Northampton Town,  da quarta divisão inglesa, em Anfield, para a Taça da Liga, nos penáltis depois de 2-2 no tempo regulamentar. Na conferência de imprensa pré-jogo, Hodgson  descreveu o adversário como “formidável” e revelou que estava impressionado com a “juventude e capacidade física” do Northampton.

Hodgson já não treinava um clube desde 2011 quando depois de uma boa campanha no West Bromwich Albion,  onde ficou em 11º lugar, em 2011/12,  foi convidado a assumir o comando técnico da seleção inglesa. Antes, no Fulham evitou a descida de divisão na primeira época (2007/08) e na época seguinte surpreendeu a europa do futebol ao conseguir apurar o clube para a Liga Europa onde chegou à final com o Atlético de Madrid. Perdeu no prolongamento por 2-1. Foi a segunda final europeia a que Hodgson chegou na carreira. A primeira tinha sido em 1996/97 com o Inter, o segundo clube italiano que treinou antes da Udinese (onde venceu uma Intertoto em 2000), perdendo nos penáltis por 4-1.

Duas finais perdidas, uma no prolongamento, outra nos penáltis, numa lógica de pathos associado à carreira de Hodgson que no dia da apresentação oficial como treinador do Crystal Palace confessou estar “muito ansioso por voltar ao trabalho no dia a dia de um clube”, confessando estar a cumprir “um sonho”. “Quando era criança, sonhava jogar neste clube [Crystal Palace], depois como treinador pensei em treinar, mas muitas coisas aconteceram este tempo todo. É muito recompensador estar aqui, num clube que sempre amei e admirei e que tem muito potencial. É possível reverter esta situação”. A estreia não correu bem. Mas a história da carreira de Hodgson fala por ele.