O Bancada relembra Riera: foi quase campeão no Belenenses, tricampeão no Benfica e ainda serviu FC Porto e Sporting
“Uma referência a nível mundial como treinador”, “diferente na metodologia de trabalho”, alguém que “trouxe uma nova forma de trabalhar”, “uma sumidade como treinador”. É assim que, em dia de Portugal – Chile, alguns dos seus antigos jogadores descrevem Fernando Riera, treinador chileno que passou por Belenenses, Benfica, FC Porto e Sporting.
Riera foi, certamente, o chileno mais influente e bem sucedido que passou pelo futebol português, tendo ficado a quatro minutos de ser campeão no Belenenses, algo que conseguiu três vezes no Benfica, onde também chegou a uma final europeia, e, mais tarde, ainda passou por FC Porto e Sporting. Vale a pena relembrar o treinador que marcou o futebol mundial e, em particular, o português e o chileno.
Da carreira no Chile à influência francesa
A Portugal já chegou apenas como treinador e foi nesse papel que ganhou fama mundial, mas o registo de Riera enquanto jogador também não é de desprezar. Foi internacional chileno, tendo estado presente no Mundial de 50 e, depois de passar a maior parte da sua carreira no Universidad Católica, do Chile, tornou-se no primeiro chileno a jogar na Europa, ao ir para o Stade Reims, de França. Mais tarde, representaria também o Rouen, no mesmo país, onde terminaria a carreira.
José Augusto, histórico jogador do Benfica, que esteve presente em cinco finais europeias e que foi orientado por Riera nas suas duas passagens pela Luz, lembra que o chileno fez o seu curso de treinador em França, que, “nessa altura, já estava com um futebol bastante adiantado em relação àquilo que se fazia cá” e, por isso, o treinador “trouxe realmente uma forma de trabalho diferente da que nós tínhamos”.
Um treinador dedicado e minucioso
Fernando Riera “dedicava-se muito a aperfeiçoar as equipas e gostava de equipas que jogassem bem no aspeto técnico”, segundo recorda Fernando Tomé, que foi treinado pelo chileno no Sporting, na temporada 1974/75, enquanto José Augusto considera que Riera – técnico que faleceu em 2010, aos 90 anos – “foi um treinador excelente. A gente tem a mania de, quando as pessoas morrem, dizer bem delas, mas era realmente um treinador muito minucioso na forma como trabalhava, com muita competência e era diferente daquilo que nós tínhamos tido antes. Diferente na metodologia de trabalho a que estávamos habituados, trouxe uma nova forma de trabalhar, que teve o apoio de todos os jogadores. Era muito obstinado. Muito minucioso naquilo que fazia e que pretendia que fizéssemos”, explicou o jogador bicampeão europeu pelo Benfica.
Riera era uma “referência a nível mundial como treinador”, segundo conta Júlio, que foi seu jogador no FC Porto, em 1972/73, e que, além da competência técnica, destaca também que o chileno era “uma pessoa excelente, um excelente ser humano”, qualidades que José Augusto também atesta ao afirmar que se tratava de “um bom condutor de homens, sem dúvida absolutamente nenhuma”.
De selecionador do Chile a selecionador do “Resto do Mundo”
A carreira de treinador de Fernando Riera está intimamente ligada a Portugal, uma vez que teve a sua primeira experiência como técnico no Belenenses, aos 34 anos, e, ao longo da carreira, passaria pelos três grandes. No entanto, a sua fama foi muito além do nosso país.
No Chile, Riera conduziu a seleção ao seu melhor resultado de sempre num Mundial (o terceiro lugar), em 1962, e treinou clubes como o Universidad Católica, o Palestino e o Universidad Chile. Neste último, treinou Manuel Pellegrini, influenciando decisivamente a decisão deste de se tornar treinador, função em que, anos mais tarde, passaria por clubes como Real Madrid e Manchester City. “A mim não me passava pela cabeça ser treinador, mas quando tive Riera no Universidad Chile, em finais dos anos 70, despertou em mim e em vários mais esta vocação. Deixou um legado enorme, fez escola”, contou Pellegrini, em 2008, ao jornal chileno “El Mercurio”. A reputação de Riera no seu país natal é tão grande que, em 2016, foi inaugurada uma estátua sua nas imediações do Estádio Nacional chileno.
Além das passagens por Portugal e Chile, Riera treinou vários outros clubes sul-americanos, como Nacional (Uruguai), Boca Juniors, Monterrey, e Everton Viña, e também europeus, como Espanyol, Deportivo Corunha e Olympique Marselha. Mas a grande prova do reconhecimento mundial que alcançou está no convite que a FIFA lhe endereçou em 1963, para orientar a seleção do “Resto do Mundo”, num encontro de celebração, frente à Inglaterra. Nesse dia, Riera pôde contar com nomes como Eusébio, Pelé, Alfredo Di Stéfano, Ferenc Puskás, Paco Gento, Raymond Kopa e Lev Yashin todos na mesma equipa.
Mas foquemo-nos, agora, na sua carreira em Portugal.
Belenenses: a quatro minutos de ser campeão
Com apenas 34 anos, Fernando Riera abraçou a sua primeira experiência como treinador principal, no Belenenses, e a qualidade do seu trabalho ficou evidente quando, logo nessa primeira época, em 1954/55, esteve muito próximo de levar o Belenenses ao segundo título da sua história.
O clube do Restelo entrava para a última jornada no primeiro lugar do campeonato, à frente do Benfica, sabendo que uma vitória garantiria o título de campeão nacional. O adversário desse dia era o Sporting e tudo parecia bem encaminhado para os azuis, que venciam por 2-1 a apenas quatro minutos do final do jogo e, consequentemente, do campeonato. No entanto, foi nesse momento que Martins fez o golo do empate para o Sporting, acabando por oferecer o título ao grande rival Benfica.
Segundo uma crónica disponível no site do clube do Restelo, a edição do jornal “A Bola” do dia seguinte relatava que, no final do jogo, Fernando Riera, “bastante nervoso, media a cabina a passos largos, pontapeando de quando em vez uma hipotética bola…”. Segundo a mesma fonte, muitos anos mais tarde, o treinador chileno ter-se-á mostrado arrependido por não ter recuado mais jogadores para defender o resultado naqueles minutos decisivos.
Apesar desse desgosto, Riera ficou mais duas temporadas no Belenenses, até 1957, tendo-se tornado selecionador do Chile posteriormente.
Benfica: tricampeão, mas falhou na final de 63
Depois de conduzir a seleção chilena ao terceiro lugar no Mundial, Riera foi contratado pelo Benfica para substituir Béla Guttmann, tendo conseguido ser campeão nacional logo na primeira época, além de ter chegado à final da Taça dos Campeões Europeus.
José Augusto, que fazia parte do plantel de então, recorda que “foi um treinador que entrou bem no trabalho e na convivência com os jogadores e trouxe uma motivação bastante significativa”. O chileno era “diferente do Béla Guttmann, cada um tem as suas características e eles tinham conceções totalmente distintas.” A isso não será alheio o facto de Riera ser 20 anos mais novo que o seu antecessor no comando técnico do Benfica. “O Béla Guttmann era um homem com uma experiência grande da vida, com exemplos bastante significativos para que pudéssemos seguir. O Riera, enfim, estava mais atualizado na altura. Pela sua forma de dirigir, pela sua forma de ponderar o trabalho da semana, foi dos técnicos que, nesse aspeto, mais me tocou”, reconhece José Augusto.
No entanto, o antigo jogador do Benfica, também tem falhas a apontar ao técnico, nomeadamente, na final da Taça dos Campeões perdida em 1963, frente ao Milan de Cesare Maldini, Giovanni Trapattoni e Gianni Rivera. “Penso que essa equipa feita por ele não foi a melhor e talvez tivéssemos perdido por isso mesmo. Não merece a pena explicitar nomes, mas o que claudicou foi a defesa e os centrais. Houve uma conceção que não deu para ganhar. Riera claudicou um bocadinho na formação da equipa, na minha opinião, não só de agora, mas já daquele tempo”, considerou, não deixando de notar que Riera “era extraordinário, de uma competência bastante significativa”, mas que “as finais são para se ganhar e quando não ganhamos há sempre qualquer coisa, enfim. Não ganhámos e depois fazem-se as apreciações e… falhámos. Estivemos menos bem do que os outros. Mesmo assim perdemos pelo mínimo: 1-2, mas isso não invalida que eu diga que ele foi um excelente treinador, uma excelente pessoa”, concluiu.
No final dessa temporada, Riera abandonou o Benfica, regressando três anos depois para vencer mais dois campeonatos, em 1966/67 e 1967/68, sendo que não terminou esta última época.
FC Porto: “Sol de pouca dura”
Quatro anos depois de deixar o Benfica, Riera foi contratado pelo FC Porto, em 1972, mas não foi tão bem sucedido como na Luz, não indo além de um quarto lugar no campeonato, atrás de Benfica, Belenenses e Vitória de Setúbal.
Júlio “era um menino, tinha subido dos juniores, devia ter 19 anos”, mas lembra-se que o treinador chileno lhe “ensinou algumas coisas, mas, como se costuma dizer, foi sol de pouca dura”, referindo-se ao facto de Riera ter permanecido apenas uma época no FC Porto.
Nesta altura, Riera já era um treinador reputado, tendo por isso Júlio considerado que, para a sua própria carreira, “foi um bom começo, com um grande treinador a nível mundial, num FC Porto que tinha grandes referências, como o António Oliveira, o senhor Rolando, o senhor Rui ou o falecido Pavão.”
Sporting: “Uma fase de transição que não foi fácil”
Mais dois anos volvidos, e Fernando Riera completava o ciclo dos grandes, juntando-se ao Sporting. No entanto, Fernando Tomé, jogador dos “leões” na altura, lembra que o chileno passou pelo Sporting “numa fase de transição que não foi fácil”. Em 1974/75, Di Stéfano começou a época como treinador, cargo que ocupou durante pouco tempo, sendo depois substituído por Osvaldo Silva, antes da chegada de Riera.
Tomé lembra que Riera chegou ao Sporting “numa fase derradeira da carreira, mas ainda sabia muito de futebol. Não era um treinador que viesse para aprender, vinha para ensinar. Era uma sumidade como treinador”, afirmou.
Ainda assim, o Sporting terminou a época “num modesto terceiro lugar”, depois de ter sido campeão na temporada anterior, lembra Tomé, que aproveitou também para lembrar o abraço que Riera lhe deu quando deixou o Sporting e o convite que o chileno lhe fizera anteriormente para se juntar ao Benfica, quando Tomé ainda jogava no Vitória de Setúbal.
Fim de carreira
Depois da experiência no Sporting, Fernando Riera não trabalhou mais na Europa, treinando clubes mexicanos e chilenos até ao final da sua carreira, em 1989, com 69 anos. Quase 20 anos depois, a 23 de setembro de 2010, Riera faleceu na sua terra natal, Santiago, mas deixando um legado que une o futebol português ao chileno e se estende ao mundo inteiro.