Grande Futebol
Renascido das cinzas, Montserrat voltou a competir e quase surpreendeu
2018-09-17 15:30:00
Montserrat esteve três anos sem jogar um encontro oficial e, no regresso, ficou a segundos de surpreender El Salvador.

Julho de 1995. Supostamente adormecido e sem qualquer erupção registada desde o século XVII, o vulcão de Soufrière Hills deu sinal de vida e, como que a compensar pelo tempo perdido, destruiu praticamente a totalidade de Montserrat, pequena ilha das caraíbas de domínio britânico desde 1632. Então habitada por cerca de 13 mil pessoas, dois terços da população de Montserrat viu-se obrigada a fugir da ilha num êxodo massivo que aumentou em vários milhares a população em Inglaterra, arredores de Londres em particular. Por essa altura, a seleção nacional de futebol dava os seus primeiros passos, a mesma que em inícios de setembro voltou a participar num jogo de futebol oficial três anos depois.

Setembro de 2018. Três anos depois de ter empatado a dois golos perante a seleção do Curaçao em jogo a contar para a fase de qualificação CONCACAF para o Rússia 2018, Montserrat voltou a entrar em ação. Permitiu-o a fase de qualificação para a Liga das Nações CONCACAF, competição gémea da Nations League organizada pela UEFA e que também servirá para qualificar diferentes países para a Gold Cup de 2019. Apesar do duelo aparentemente de forças totalmente distintas, Montserrat ficou perto da surpresa. Taylor Joey, aos 38 minutos, ainda colocou a pequena ilha das caraíbas e uma das três piores piores seleções de futebol do Mundo na frente do marcador e só em cima do apito final Ceren Óscar, que já havia feito o golo do empate, empatou o encontro para El Salvador.

Se El Salvador - país habituado por mais de seis milhões de pessoas - se encontra por esta altura na posição 72 do ranking FIFA de seleções e, por consequência, uma das potências da região, a história de Montserrat é bem diferente. Atualmente instalada no 204º posto do ranking, apenas seis federações de futebol estão pior classificadas do que Montserrat no panorama futebolístico internacional: Anguilla, Bahamas, Eritreia, Somália, Tonga e as Ilhas Turcos e Caicos, também elas, território ultramarino britânico. Um verdadeiro confronto entre David e Golias que, por pouco, não resultou numa das maiores proezas da história do futebol.

Atualmente habitada por pouco mais de cinco mil pessoas, 23 anos depois, Montserrat ainda se procura restabelecer da violenta erupção que tornou praticamente inabitada e inabitável todo o território pertencente ao pequeno estado britânico. Com uma equipa construída por jogadores semi profissionais estabelecidos em Inglaterra para onde fugiu a quase totalidade da população do país nos anos 90, nem mesmo encontros amigáveis são uma realidade para a federação de Montserrat. E, mesmo com três anos de ausência dos relvados, Montserrat impressionou e ficou perto da surpresa.

Obreiro da quase surpresa é o antigo internacional escocês, lateral esquerdo e lenda do Manchester City Willie Donachie. Donachie, que participou em dois campeonatos do Mundo ao serviço da Escócia, é hoje o selecionador nacional de Montserrat. “Quase conseguimos um bom resultado, mas a três segundos do final, por aí, conseguiram a vitória o que foi bastante desolador. Foi uma exibição heróica dos meus jogadores”, afirmou Donachie após o encontro. “Os jogadores são todos grandes pessoas e que têm uma grande afinidade com o país. Aqui não existem egos. Somos como uma grande família. Montserrat ainda é uma ilha lindíssima, um lugar muito bonito, mas todos estes jogadores vivem em Inglaterra, especialmente na zona de Londres”, recorda Donachie à BBC.

Muitos deles sem terem nascido, sequer, em Montserrat, como o médio Dean Mason, por exemplo. Nascido em Londres, o médio está habilitado a jogar por Montserrat devido à nacionalidade da avó, uma das antigas habitantes de Montserrat que foram obrigadas a abandonar a ilha durante a erupção de 1995. É Mason quem explica o que sente um jogador quando entra em campo por um país que não competiu durante três anos: “É sempre estranho quando não jogas durante três anos e de repente recebes uma chamada para voltares a ir jogar. Só gostava que se tornasse mais frequente e que existam algumas melhorias que nos permitam seguir em frente como equipa e alcançar coisas especiais porque a verdade é que temos uma excelente equipa. Mas quando não jogas de forma regular e não te reúnes de forma regular, é complicado progredir enquanto equipa”.

Da lista de convocados para o recente encontro frente a El Salvador, destacam-se jogadores como Brandom Comley do Colchester United e único jogador das divisões profissionais de Inglaterra da lista, bem como Alex Dyer do IF Elfsborg da primeira divisão sueca, com a esmagadora maioria dos restantes jogadores a surgirem de equipas dos escalões não profissionais de Inglaterra, desempregados e até Micah Hilton, único representante do campeonato de Montserrat na lista de Donachie.

Montserrat teve de esperar três anos para voltar a competir oficialmente, mas os próximos tempos ditam uma realidade bem diferente. Até março de 2019, Montserrat tem já jogos agendados perante Belize, Aruba e Ilhas Caimão. “Em teoria não devemos vencer qualquer jogo. Somos uma das nações menos cotadas no Mundo”, desabafa Donachie. “Mas eu sempre digo: com grande espírito de equipa e com a competitividade deste grupo, temos sempre uma hipótese” afirmou ainda o antigo internacional escocês.

“As pessoas pensam que isto da Liga das Nações é uma brincadeira, mas para Montserrat é massivo. Para o país poder jogar contra equipas como os Estados Unidos ou o Canadá, é uma oportunidade inacreditável. É bom para países como este e para as pequenas ilhas onde realmente existem bons jogadores e todos são apaixonados pelo jogo. Foi algo muito bom depois de toda a corrupção que envolveu a FIFA. Têm tentado dividir o dinheiro por todos os pequenos países e por isso é uma excelente oportunidade para todos os jovens jogadores da zona das Caraíbas. Há muitos bons jogadores por lá”, atirou Donachie.

Equipa de Montserrat que, recorde-se, ficou celebrizada pelo documentário “A Outra Final” de 2003, filme que eternizou o confronto entre a seleção caribenha e o Butão, à altura, as duas piores seleções de futebol do Mundo ou, vá, as duas menos bem classificadas do Ranking FIFA. Encontro que o Butão, a jogar em casa, acabou por vencer por 4-0 naquela que foi a primeira vitória de sempre, bem como a primeira “clean sheet” alguma vez registada pelo país que, hoje, se começa a distanciar das últimas posições do Ranking FIFA ocupando por esta altura a 183ª posição da lista.