Pierre Nkurunziza é adepto de futebol, mas não aceita ser sujeito a entradas duras dos adversários.
Futebol. Golos. Festa… conspirações contra o governo e detenções. Se algum dia se lembrar de passar o seu domingo a jogar futebol contra o chefe de estado de um qualquer país, digamos, africano, cujo regime está sob escrutínio das Nações Unidas por crimes cometidos contra a Humanidade, pense duas vezes. Assim foi no Burundi, quando um jogo de futebol a envolver o presidente Pierre Nkurunziza contra refugiados congoleses terminou em detenção de dois membros do governo do país sob acusação de conspiração contra o governo de Nkurunziza. E, tudo isto, por culpa de umas quantas entradas duras sofridas pelo chefe de estado do Burundi.
No início do mês de fevereiro o Burundi surpreendeu ao acolher milhares de refugiados congoleses que fugiram da República Democrática do Congo devido ao escalar da violência no país. Apesar da crise política que também afeta o Burundi, a medida e hospitalidade do país recebeu elogios do alto comissário para os refugiados das Nações Unidas, antigo cargo desempenhado por António Guterres. Mesmo que o próprio governo de Nkurunziza esteja sob escrutínio das Nações Unidas desde 2017 aquando da publicação de um relatório que continha fortes indícios de crimes contra a humanidade cometidos no país.
Quem, aparentemente, não soube nada acerca disto e que Nkurunziza não é homem com o qual alguém se deva meter foram os tais refugiados congoleses. Antigo professor de desporto na Universidade do Burundi, Nkurunziza é um homem dedicado ao desporto e adepto, em particular, de futebol. Evangélico do “novo nascimento”, Nkurunziza joga mesmo futebol três vezes por semana ao serviço do Allelua FC, clube que acompanha todas as semanas em conjunto com o coro do clube. Sabe, quem joga contra o Allelua FC, que sempre que Nkurunziza tem a bola não se chega perto. Os relatos locais dão mesmo conta de vários golos “surreais” marcados pelo chefe de estado do Burundi já que todos os adversários têm medo de “meter o pé”. Algo que não aconteceu num recente encontro entre o Allelua FC e uma equipa de Kiremba composta por refugiados congoleses.
Ninguém explicou aos jogadores do Kiremba que o presidente era sagrado e tinha liberdade total, portanto, sempre que Nkurunziza teve a bola nos pés, foram várias as entradas duras de que foi alvo por parte dos adversários. Afinal, o objetivo é ganhar o jogo, certo? Não necessariamente se o jogo for contra o chefe de estado do Burundi. Aí há limites. O jogo que havia sido organizado por dois membros do governo de Nkurunziza e dias depois do encontro, esses mesmos membros do governo acabaram detidos, segundo a agência AFP, sob acusações de “conspiração contra o presidente” por não terem alertado os congoleses e permitido que Nkurunziza fosse… apertado pelos adversários e atirado ao chão em várias entradas duras sofridas durante a partida.
Este não deverá ser, ainda assim, o maior dos problemas de Nkurunziza já que as Nações Unidas têm o líder do Burundi debaixo de olho devido a assassinatos em massa, tortura e violações provocadas pelo governo de Nkurunziza e desde que a violência se tornou comum no país por volta de 2015, altura em que Nkurunziza decidiu concorrer pela terceira vez ao cargo de presidente do país. Nkurunziza foi reconduzido na posição em eleições que foram boicotadas pela oposição. Nkurunziza tem agora o objetivo de alterar a constituição do país de forma a concorrer, mais uma vez, às eleições para presidente do país em 2020.
Desde 2005 na liderança do Burundi, Pierre Nkurunziza ganhou a alcunha de “Presidente do Futebol da África Ocidental” devido ao seu interesse pelo jogo. Nkurunziza participa regularmente em jogos de futebol e os seus admiradores chegam mesmo a compará-lo a Thierry Henry. O futebol sempre foi o desporto favorito de Nkurunziza que, após ter terminado a licenciatura em educação física se tornou professor. Nkurunziza chegou mesmo a jogar e a treinar na primeira divisão do Burundi e ao serviço do Union Sporting, um dos principais clubes de futebol do país. Nkurunziza promoveu ainda a construção de vários estádios de futebol ao longo do país, incluindo um estádio de nove mil lugares na sua cidade natal.
Agora já sabe. Se um destes dias decidir jogar futebol contra um líder africano, só não entrem duro em Nkurunziza. Pode não correr bem. Não necessariamente para si, mas para os organizadores da partida que poderão vir a ser acusados de “conspiração contra o presidente”.