Grande Futebol
Quando a depressão atinge jovens ricos e a fazerem o que todos queriam
2018-06-07 14:55:00
Danny Rose foi o último jogador a admitir o problema. O inglês está a preparar a participação no maior palco mundial

Um terço dos jogadores de futebol sofre de depressão. O último jogador a admitir a doença está prestes a participar na maior competição de futebol do Mundo e está entre a elite de jogadores mais bem pagos da liga mais vista em todo o planeta. Danny Rose foi-se abaixo depois de uma lesão que o afastou dos relvados e já pediu à família para não ir à Rússia por temer ataques racistas, o que agravaria o seu estado psicológico.

Muitas vezes damos por nós a invejar as vidas dos futebolistas de topo. Sejamos sinceros. Faz parte da natureza humana. A verdade é que muitas vezes desconhecemos o que realmente se passa na vida desta gente quando estão entre quatro paredes. Um estudo divulgado pelo FIFPro, o sindicato internacional de jogadores de futebol, revelou (em 2015) que 38 por cento dos jogadores em atividade sofreram (ou sofrem) de depressão ou ansiedade.

A mais recente admissão chega-nos de Danny Rose. Um futebolista que está a viver "O" sonho: faz parte dos 23 melhores jogadores de Inglaterra - condição que o coloca a dias de pisar um dos maiores palcos do Mundo da modalidade (o Mundial) -, atua num clube de topo na Premier League (Tottenham) e aufere cerca de 300 mil euros mensais. À vista desarmada parece não haver razões para chatices. Mas a coisa não funciona assim. As doenças mentais, são doenças como as outras e não olham a classes, géneros ou raças.

O lateral inglês revelou, perante todo o país, que tudo começou depois da lesão que sofreu em janeiro de 2017: "Tudo derivou da minha lesão em janeiro do ano passado, quando me avisaram que não necessitava de ser operado. Não sei quantos comprimidos tomei para tentar ficar em forma ou quantas injeções tive de levar", começou por explicar Rose. Ficar de fora e ver os colegas a ganharem jogos custou-lhe, "foi muito difícil", desabafou.

O estudo divulgado pelo FIFPro revelou que há uma grande correlação entre lesões graves e os estados depressivos dos jogadores: "É crucial estabelecer um grupo de trabalho sobre esse importante tema. Os resultados do estudo justificam uma abordagem multidisciplinar para um jogador de futebol gravemente lesionado. Após a cirurgia, o médico responsável e o cirurgião ortopédico devem estar cientes da possível ocorrência de sintomas de problemas de saúde mental que podem acompanhar estes tipos de lesões", afirmou Vincent Gouttebarge, médico que coordenou o estudo.

O estado frágil em que Danny Rose se encontrava foi agravado por diferentes acontecimentos que afetaram a sua família. A mãe que foi vítima de abusos raciais, o tio que se suicidou e o irmão que foi baleado: "Fora dos relvados aconteceram algumas coisas que me abalaram. O meu tio suicidou-se a meio da minha reabilitação. Em agosto, a minha mãe foi vítima de abusos raciais e o meu irmão foi alvejado dentro da minha própria casa", revelou o jogador em conferência de imprensa.

Vincent Gouttebarge alertou ainda para o facto de ser um problema em crescendo e que existe, de facto, uma nova abertura por parte dos próprios jogadores a falarem sobre o tema, que até então tem estado condenado ao tabu. O estudo da FIFPro revelou ainda que 25 por cento dos jogadores já retirados assumiram ter sofrido de problemas mentais, antes e/ou depois de pendurarem as chuteiras.

"A percentagem de jogadores que sofrem de problemas de saúde mental aumentou ligeiramente, mas o resultado principal é que este último estudo confirma o anterior de que os jogadores profissionais são propensos a relatar os problemas durante ou após a sua carreira. Todas as partes interessadas no futebol profissional precisam ser mais conscientes sobre os problemas de saúde mental que possam ocorrer no futebol profissional", sublinhou Vincent Gouttebarge.

O jogador que está agora a preparar, juntamente com a restante seleção inglesa, a participação no Campeonato do Mundo a disputar-se entre os dias 14 de junho e 15 de julho revelou que durante os piores momentos chateava-se facilmente e que rejeitava qualquer atividade social, nem mesmo envolver-se com o futebol. "Chateava-me com facilidade, não queria fazer nada, rejeitava todos os convites dos meus amigos e só queria estar em casa, na cama", revelou o jogador de 27 anos.

Gouttebarge apontou algumas medidas de prevenção e afirmou que os clubes "estão muito preocupados com a saúde dos jogadores, mas a curto prazo, a fim de os capacitar para as competições. No entanto, o médico acredita que existe muito espaço de manobra no que respeita ao trabalho que pode ser feito com os futebolistas relativamente às condições futuras dos jogadores.

"Uma das principais medidas para prevenir a ocorrência de problemas de saúde mental no longo prazo (por exemplo, depois de sua retirada dos relvados), é ter atenção na fase inicial do planejamento da carreira. Os clubes poderiam promover a consciencialização para o futuro dos atletas profissionais, que como se sabe têm uma carreira curta", afirmou Gouttebarge.

Vão-se sucedendo os casos de jogadores de futebol que de um forma ou de outra assumem a doença. O caso de Aaron Lennon abalou o mundo do futebol pelas condições precárias em que o internacional inglês foi encontrado numa das auto-estradas mais movimentadas de Inglaterra. De Espanha chegou-nos a confissão de Bojan Krkic, uma das maiores promessas do Barça que rejeitou uma convocatória da seleção espanhola devido a problemas do foro psicológico.