O futebol turco está em crise. Depois de anos a estabelecer-se como uma das ligas mais fortes de uma segunda linha de campeonatos a nível Mundial, financeiramente apelativa e cujas equipas na Europa eram temidas pela qualidade e ambientes infernais dos seus estádios, até para os maiores clubes europeus, hoje em dia a história é bem diferente. A crise não é só desportiva, é acima de tudo financeira com os quatro grandes clubes turcos envoltos em dívidas astronómicas e no caso de Galatasaray e Fenerbahçe intervencionados, até, pela UEFA, devido a questões de Fair Play Financeiro. A crise no futebol turco é um crise desportiva, financeira, social e política, acompanhando o contexto que se vive no próprio país. Pepe é o mais recente lesado de uma crise à qual, até, Donald Trump, não é alheio.
Se não bastasse a crise social e política, instável e volátil, vivida na Turquia de Erdgoan, abateu-se recentemente no país uma crise financeira extrema motivada pela desvalorização abrupta da Lira Turca, algo que deixou os clubes turcos ainda em piores situações. A culpa, para muitos, é de Donald Trump. “Aquele homem... Ele arruinou-nos. Sim, estou a falar de Trump. Arruinou-nos. A nossa dívida cresceu 25% em apenas um dia”, desabafou Abdurrahim Albayrak, vice presidente do Galatasaray, em agosto, à CNN Turquia. “Todos os clubes tentam vender jogadores, mas não é fácil fazê-lo neste momento. Pagámos muito dinheiro por eles quando os contratamos, mas agora nenhum clube nos paga o mesmo quando os tentamos vender atualmente”, acrescentou o dirigente.
A explicação é relativamente simples. O braço de ferro político entre os Estados Unidos e a Turquia, derivado de sanções impostas pelo país norte americano à Turquia resultaram numa desvalorização colossal da moeda turca. Sanções surgidas após a prisão do pastor norte-americano Andrew Brunson, que organizou uma igreja protestante na cidade de Izmir, naquele que foi um dos muitos casos que têm prejudicado a relação entre Ancara e Washington. A ameaça de sanções contra a Turquia aumentou a tensão entre os dois países e levou então à desvalorização da Lira e a uma crise financeira grave no país com parte do seu território na Europa que chegou mesmo ao futebol.
As desavenças entre os governos dos Estados Unidos e da Turquia levaram a que Donald Trump ordenasse a duplicação das tarifas à importação de aço e alumínio da Turquia. Donald Trump anunciou na rede social Twitter que as tarifas do alumínio subiam assim para 20% e as do aço para 50%, algo que levou a desvalorização imediata da Lira Turca em 15%, com a moeda turca a ter desvalorizado já cerca de 40% desde o início de 2018. Medidas que resultaram num impacto significativo nas perspetivas de crescimento económico do país que passaram dos 5,5% para os 4%.
O futebol, à semelhança do resto do país, não ficou alheio a toda esta crise. Se os clubes turcos já se encontravam altamente endividados devido a má gestão de anos, com a desvalorização da Lira, pior ficaram. De uma forma geral, como o próprio dirigente do Galatasaray explicou, a dívida dos clubes turcos aumentou exponencialmente de um dia para o outro, perdendo capacidade económica para investir, contratar jogadores e manter o nível salarial que lhes permitiu atrair vários internacionais de renome nos últimos anos. Com tudo isto, a competitividade desportiva dos clubes turcos ressentiu-se perante a menor qualidade individual dos mesmos e os resultados estão à vista.
Um exemplo? Se em 2016 um salário anual de 2,5 milhões de Euros custava a um clube turco pouco mais de 8 milhões de Liras, em 2018 esse valor cresceu para os 14 milhões de Liras, num crescimento de mais de 30%. Oferecer salários milionários tornou-se, por isso, cada vez mais insustentável para os clubes turcos e não é por isso surpresa a debandada recente que tem ocorrido no país e ao qual Pepe, nas últimas horas, deixou de ser alheio. E, no futebol, já se sabe: a qualidade paga-se, paga-se bem, paga-se cara.
Tudo isto torna-se ainda mais “assustador” quando analisamos os valores de dívida acumulada pelos maiores clubes turcos onde o Fenerbahçe é a face mais negra, com o clube da capital turca a acumular valores que deixam o emblema canarinho afundado e nadar em dívidas. Anos de gestão pouco cuidade terminaram com o Fenerbahçe amarrado por uma dívida que ascende às 3,2 mil milhões de Liras, correspondente a mais de 620 milhões de Euros, confirmados pelo próprio presidente do clube, Ali Koc. No total, Galatasaray, Besiktas e Fenerbahçe acumulam um valor de dívidas que ultrapassa os oito mil milhões de Liras, correspondentes a cerca de de cinquenta mil milhões de Euros.
UMA ÉPOCA PARA ESQUECER PARA O FUTEBOL TURCO
Com queda do Istambul Basaksehir logo à terceira pré eliminatória de qualificação para a fase de grupos da Liga Europa aos pés do Burnley, o futebol turco perdeu logo ali, ainda numa fase bem precoce da temporada, um dos seus cinco representantes no futebol europeu. A derrota do Fenerbahçe aos pés do Benfica, nas rondas de qualificação para a Liga dos Campeões, deixou ainda a Turquia com apenas um representante na prova milionária da UEFA. Pior ficou, para os turcos, assim que se cumpriram as fases de grupo das competições europeias esta temporada.
O Akhisarspor cedo ficou arredado da possibilidade de seguir em frente na prova recolhendo apenas um ponto em 18 possíveis perante equipas como o Sevilha, o Krasnodar e o Standard Liége, e também o Besiktas acabou arredado das competições europeias na fase de grupos ao não ir além do terceiro lugar num grupo com Genk, Malmö e Sarpsborg. Já na Champions, o Galatasaray, único representante do país na prova milionária, ficou-se por ali, resgatando pelo menos uma repescagem rumo à Liga Europa por meio de um terceiro lugar no grupo de FC Porto, Schalke e Lokomotiv Moscovo.
No meio de tudo isto e de todo este fracasso, salvou-se o Fenerbahçe já depois do emblema da capital turca ter desiludido os seus adeptos frente ao Benfica. A qualificação não foi fácil, mas o conjunto turco lá garantiu o segundo lugar no grupo com Dínamo Zagreb, Spartak Trnava e Anderlecht, seguindo em frente rumo aos dezasseis avos de final da competição com mais um ponto do que os adversários eslovacos. Fenerbahçe e Galatasaray são assim os únicos representantes do futebol turco que ainda restam esta temporada nas competições europeias, mas são também as faces mais visíveis da crise que se abate sobre o futebol daquele país.
Apesar de ambos seguirem em frente nas competições europeias, estes são dois clubes que estão atualmente sob a alçada disciplinar da UEFA no que a questões económicas diz respeito. Ambos os clubes ficaram sujeitos a retenção de parte das receitas conseguidas pela participação nas competições europeias desta temporada, sujeitos a medidas restritivas para as próximas temporadas e impossibilitados de inscrever os habituais 25 jogadores permitidos pela organização que tutela o futebol europeu nas competições organizadas pela UEFA. Medidas semelhantes aquelas pelas quais passou o FC Porto ainda há pouco tempo.
Tudo isto explica o porquê da súbita quebra competitiva das equipas turcas e da cada vez maior ausência de qualidade nos plantéis destes clubes que, nos últimos anos, habituaram os adeptos com contratações de renome e de jogadores mediáticos. Tanto, ao ponto de nas últimas horas ter sido conhecido que Pepe, defesa central internacional português, havia rescindido contrato com o Besiktas precisamente devido aos problemas financeiros atravessados pelo clube da capital turca. Anos de gestão pouco cuidada e acima das possibilidades acabou por resultar num endividamento extremo dos principais clubes turcos e a recente crise financeira, social e política vivida na Turquia potenciou ainda mais a queda dos clubes turcos em contexto europeu. A torneira fechou e quem sofreu foi o futebol turco.