Grande Futebol
O segredo por trás do génio: os meses de Guardiola e Juanma Lillo por Sinaloa
2017-12-27 11:00:00
Cinco meses de trabalho entre Guardiola e Lillo ajudaram a transformar, para sempre, a forma de jogar e ver o futebol.

Depois de passagens por Itália, ao serviço de Brescia e AS Roma, Guardiola rumou ao Catar para aqueles que, acreditava, serem os últimos meses da carreira de jogador. Mesmo perante as ofertas que ainda ia recebendo de grandes clubes europeus, era no país da península arábica que o, então, médio catalão, parecia ir pendurar as botas. No futebol, tal como na vida, porém, nada é imutável e é a contratação de um basco, por parte de um clube mexicano de Sinaloa, cidade mais conhecida pela influência do cartel de droga liderado por El Chapo, que tudo muda. Para Guardiola, e para o futebol mundial. O nome era Juanma Lillo e não era a primeira vez que o mesmo surgia na vida de Guardiola. Desde então, nada mais foi igual. Seis meses que mudaram o futebol tal qual ele é hoje conhecido.  

Juanma Lillo e Guardiola cruzaram-se em Sinaloa em 2006. Por fim, dois homens que se idolatravam mutuamente trabalhavam juntos. A promessa havia sido feita anos antes e só o basco poderia ter levado Guardiola até ao México. Lillo, que no início de dezembro até foi demitido do Atlético Nacional da Colômbia ao fim de apenas seis meses de trabalho, pode não ter muito para apresentar no seu currículo, mas detém algo que é inquantificável: o quanto mudou o futebol por intermédio de Guardiola. Afinal, Juanma Lillo, é colocado a par, por parte de Guardiola, com Cruyff no que à influência na visão de jogo e forma de jogar do catalão diz respeito. 

A início de história remonta a 1996. Meses antes, talvez, que Guardiola sempre fora um homem atento. O FC Barcelona, então orientado por Bobby Robson, deslocou-se a Oviedo e no Carlos Tartiere, com golos de Luis Enrique e Stoichkov (dois cada) venceu o Real local. Treinava, o Oviedo, Juanma Lillo. "Acabámos por perder por 4-2, foi um grande jogo, tanto que regressámos ao relvado para ser aplaudidos pelo público. Era a minha segunda temporada na liga espanhola, a primeira havia sido com o Salamanca. Entramos no balneário e fui informado por um delegado do clube que Guardiola estava à porta e perguntava se podia falar comigo. Pep ainda não tinha ido sequer ao balneário, estava todo suado e ainda com as botas calçadas. Saí e, bom... Cumprimenta-me, não parou de falar, disse-me que a minha equipa o havia surpreendido na temporada passada quando o defrontámos e que hoje o Oviedo tinha jogado muito bem. Perguntou-me se podíamos começar a ter um contacto regular. Ali começou a nossa relação que rapidamente transcendeu o futebol. Chegámos a jantar em casa um do outro, com as famílias de ambos". Lillo contou a história vezes sem conta e foi El Grafico, em 2015, que a recordou.  

A genialidade não é fácil de definir e, muito menos, é quantificada em títulos. Tantos são aqueles que, como Lillo, pouco venceram durante a carreira de treinador, mas cuja influência mudou o jogo para melhor. Que o diga, também, por exemplo, Marcelo Bielsa. Depois de passagens por clubes como o Tolosa FC (onde começou a treinar ainda com 16 anos), a UD Salamanca, o Real Oviedo, o CD Tenerife, o Real Zaragoza ou, mais recentemente, a UD Almeria ou a Real Sociedad, Lillo passou os últimos meses da carreira como assistente de Jorge Sampaoli quer no Chile, quer já em Sevilha. Admirador profundo do futebol sul americano (no final dos anos 80, ainda com 16 anos, aproveitou conhecimentos em comum para se reunir durante sete horas com Menotti durante as quais bombardeou o técnico argentino com perguntas sobre futebol), fez sentido que o regresso ao ativo, por conta própria, acontecesse ao serviço do Atlético Nacional da Colômbia. A reputação precedia-o, porém, a herança deixada por Reinaldo Rueda foi demasiado pesada. Lillo durou seis meses no clube e no início de dezembro abandonou-o ao fim de apenas 22 jogos.  

Na Colômbia, tal como no México, anos antes, Lillo não foi particularmente bem-sucedido, porém, seis meses com Guardiola, em Sinaloa, mudaram o futebol como ele é hoje conhecido. E, quem sabe, tendo levado Gorka Elustondo para o Atlético Nacional, talvez tenha repetido a história por Medellín. Se era no Catar que Guardiola procurava terminar a carreira, a promessa feita anos antes entre Lillo e o catalão falou mais alto em 2006. Para Pep, havia ainda um capítulo por escrever: trabalhar, por pouco tempo que fosse, com Juanma Lillo. Contou, El Loco Abreu, que aos 41 anos ainda segue forte no futebol tendo assinado pelo Audax Italiano do Chile nas últimas horas, na sua biografia, que no Dorados de Sinaloa, Pep absorveu tudo quanto pode de Juanma Lillo, que idolatrava. Para os treinos, contou o uruguaio, Guardiola levava sempre um caderno preto onde apontava todos os passos e exercícios de Lillo. Foi do técnico basco, tal como de Cruyff anos antes, que Guardiola retirou ideias acerca da movimentação ofensiva e da construção de jogo a partir da defesa, bem como, como controlar o adversário em zona defensiva. "Eu sabia que Guardiola iria ser um grande treinador ainda antes de o conhecer. E quando começou a falar então... nem vale a pena dizer mais. Pep é o contrário de qualquer outro. Todos os jogadores foram jogadores e só depois treinadores. Pep não. Guardiola jogou futebol à espera de se tornar treinador. Ele teve de jogar futebol no entretanto até se tornar treinador, enquanto aguardava o seu momento, porque na verdade ele sempre viveu e viu o futebol como treinador. Não há como vê-lo de outra forma", assegurou Lillo.  

Guardiola está a fazer história na Premier League e, por esta altura, por Inglaterra, a discussão vai bem mais além da possibilidade do Manchester City vencer, ou não, o título inglês. Discute-se, sim, se a equipa de Manchester é a melhor equipa que Inglaterra já viu, quer no período Premier League, quer no anterior, e qual a real capacidade do emblema liderado por Guardiola terminar a temporada inglesa invicto. Depois de ter definido uma nova forma de se ver e trabalhar o futebol, por Barcelona, elevando os blaugrana a uma das melhores equipas da história do futebol, Guardiola transportou agora a discussão para Inglaterra. Talvez tal nunca tivesse acontecido se Juanma Lillo nunca tivesse contratado Guardiola, mesmo que o técnico basco rejeite tal honra. Uma coisa é certa. É o próprio Guardiola quem o diz. Lillo foi o melhor treinador que alguma teve e dele absorveu muito do que impõe em jogo também durante a fase defensiva e de transição defensiva, sendo que ainda hoje Lillo é conselheiro de Guardiola e considera o catalão um filho, o irmão mais novo e um grande amigo. 

Para Lillo, tudo começou na terra natal aos 16 anos. Aos 20, ao serviço do Tolosa CF, salvou o emblema basco da despromoção na terceira divisão espanhola numa altura em que era somente treinador dos escalões jovens do clube. Pouco depois, ascendeu o CD Mirandés da terceira divisão à Segunda B mas é em Salamanca que adquire o estatuto de culto que hoje recolhe. Considerado um dos pioneiros do 4-2-3-1, Lillo pegou no Salamanca em 1992 e logo na temporada de estreia levou o clube ao segundo lugar na terceira divisão espanhola, falhando a promoção por pouco. As bases estavam lançadas e nas duas temporadas seguintes alcançou promoções consecutivas que o tornaram, aos 29 anos, o treinador mais jovem de sempre a treinar na primeira divisão espanhola. A estreia na primeira divisão espanhola não foi a desejada e, em dezembro, na penúltima posição, foi despedido. Um despedimento recebido com desagrado por jogadores e adeptos do clube.  

O futebol não é justo e apesar de, no início dos anos 90, Lillo se ter tornado num dos treinadores da moda por Espanha, o técnico basco foi recebendo, acima de tudo, convites de clubes que lutavam pela manutenção na liga espanhola como o Oviedo, o Tenerife. Foi, porém, em Saragoça, que Lillo fracassou verdadeiramente. Perante a dificuldade em manter tais conjuntos na elite espanhola, Lillo perdeu crédito e durante a década de 2000 ficou arredado da primeira divisão só regressando aos bancos primo divisionários em 2009/10 ao serviço do Almería. Pelo meio, ainda assim, quase se tornou treinador do Barcelona. Em 2003, aquando das eleições do clube catalão que levaram Joan Laporta à presidência, Guardiola, diretor desportivo da candidatura de Lluís Bassat, afirmara que caso a lista vencesse as eleições, seria Juanma Lillo o treinador dos blaugrana.  

Para Juanma Lillo, o futebol é dos jogadores, não dos treinadores. "Um treinador não é mais do que um facilitador. Um treinador deve ser um pouco como Deus, estar em todo o lado, mas não ser propriamente visível. No cenário mais ideal, não deve ser mais que apenas um facilitador. Os jogadores são o que realmente importa, com bons jogadores, tudo se torna mais fácil". Uma visão que talvez explique uma carreira mais bem conseguida ao nível da influência que dos resultados alcançados. "Um jogador não é uma garrafa que tenha de ser enchida, mas sim uma chama que procura ser acesa". Lillo, um treinador que rejeita a ideia de entrar em campo com dez jogadores atrás da linha da bola pois, para si, tal deixa a equipa demasiado longe da probabilidade de vencer. 

A travessia de Lillo pelos escalões secundários e projectos de baixa dimensão foi longa. Antes de ingressar na Real Sociedad em 2008, com o clube enterrado na segunda divisão espanhola, Lillo passou por clubes como o Múrcia ou o Terrassa, nos quais não alcançou, sequer, uma temporada completa. No México, porém, alcançou a redenção futebolística eterna ao influenciar Guardiola para aquilo que é, hoje, o técnico catalão. Em Sinaloa, porém, a relação de Lillo com o futebol mexicano foi conturbada com o técnico basco a criticar duramente a corrupção existente no futebol do país e que considerou estar na base da despromoção do Dorados à segunda divisão mexicana.  

Lillo chegou à Real Sociedad em 2008, mas os tempos por San Sebastián eram complicados com o emblema basco em crise profunda, não conseguindo a promoção, objetivo máximo, na temporada e meia que esteve à frente do clube. Apesar do aparente falhanço pelo Anoeta, Juanma Lillo conseguiu, pelo menos, crédito suficiente para regressar aos bancos da primeira divisão espanhola. Lillo, que pegou no Almería em dezembro de 2009 com a equipa a um ponto de posição de despromoção na liga espanhola, não só alcançou a manutenção como liderou o conjunto andaluz a um tranquilo 13º lugar na competição. Lillo conseguia a prorrogação do contrato com o Almería por mais uma temporada, porém, uma derrota aos pés do Barcelona de... Guardiola, em novembro de 2010, por 8-0, ditou o fim da ligação do influente técnico com o emblema andaluz. Ficou três anos fora do futebol até que o Millonarios FC, da Colômbia, fez o basco regressar ao ativo. Durou seis meses e, desde então, passou pelos bancos do Chile e Sevilha como adjunto de Jorge Sampaoli, tendo passado os últimos seis meses como treinador do Atlético Nacional também da Colômbia.