Grande Futebol
O plano de Çeferin para mudar as regras do "fair-play financeiro"
2017-07-25 12:30:00
O presidente da UEFA já disse em Portugal que quer novas regras. Já há novidades acerca delas.

Os primeiros passos foram dados no Football Talks, a conferência organizada pela Federação Portuguesa de Futebol, no Estoril. Logo ali, Aleksandr Çeferin, presidente da UEFA, deixou o alerta e falou pela primeira vez em público em novas regras, como “taxas de luxo, limitação de planteis ou regras de transferências mais justas, para evitar a concentração de talento em poucas equipas”. Hoje, pela pena de Fabio Licari, a Gazzetta dello Sport concretiza. Está na calha um novo “fair-play financeiro”. Sinal de que o atual não funciona.

A ideia de Çeferin é aparentemente uma boa resposta às duas principais críticas que têm sido feitas ao “fair-play financeiro”. A saber: o agravamento do fosso entre muito ricos e remediados e as formas existentes de mascarar contas e driblar as limitações do “fair-play financeiro” que os grandes grupos económicos podem conseguir. A primeira questão é fácil de entender: se não se permite o endividamento, sob a forma de investimento, nunca os clubes remediados poderão competir com os que já beneficiam das maiores fontes de receita, sobretudo se estes se servirem do “fair-play financeiro” para fazer escalar os preços dos salários e das transferências entre eles, dessa forma limitando o “futebol que interessa” a uma espécie de Gentlemen’s Club onde não entram mais clubes. Esta é uma realidade que interessa aos grandes clubes, que pode interessar também aos fundos de investimento que andam à volta deles. Veja-se o caso Neymar, por exemplo: para o Paris Saint-Germain poder encaixar os 560 milhões de euros que lhe custará a operação no seu orçamento e continuar a cumprir o “fair-play financeiro”, vai ter de os receber de outra forma, que pode ser marketing, é verdade, mas será também seguramente a venda de outros grandes jogadores que por lá tem. E quem pode comprá-los sem infringir o “fair-play financeiro”? Só outros membros do tal “Gentlemen’s Club” de acesso reservado. Os remediados não acedem ao talento a não ser que o criem. E a cada operação destas, com mais de mil milhões de euros a circular, há quem vá buscar largas margens sob a forma de comissão (os agentes) ou de taxa de valorização (os fundos).

A segunda questão é ainda mais fácil de perceber, ainda que difícil de concretizar. Vivemos num Mundo global, em que o dinheiro do futebol europeu pode vir de sítios tão distantes como a China (Milan), a Rússia (Chelsea), o Catar (Paris St. Germain), os Estados Unidos da América (Arsenal ou Manchester United) ou os Emiratos Árabes Unidos (Manchester City). E em que os grupos de investimento que compram os grandes clubes têm negócios em áreas tão diversas como a TV, a construção ou a aviação. Sabe-se que para a análise do “fair-play financeiro” contam as receitas de bilheteira, televisão, publicidade, merchandising, prize money das provas em que participam ou vendas de jogadores. Por outro lado, entram as despesas em compra de jogadores, salários e bónus, amortização de transferências e custos financeiros. Ora não é preciso ser-se muito imaginativo para engendrar um esquema em que uma empresa do mesmo grupo financeiro que é dono do clube assina com este um contrato publicitário inflacionado, ou lhe compra os direitos de transmissão televisiva por valores suficientes para mascarar as contas e aliviar o aperto que as regras do “fair-play financeiro” podem trazer. Aqui pode haver outro tipo de constrangimentos, mas já fora do Mundo do futebol. O governo chinês, por exemplo, está a questionar a estratégia da Suning na compra do Milan, já que não vê nela (e nos grandes investimentos feitos a seguir, ao abrigo da exceção que o “fair-play financeiro” dá a clubes com novos donos) grandes hipóteses de rentabilização.

Para agitar este panorama, Çeferin falou no Estoril das tais alterações em estudo, entregues a Andrea Traverso, o responsável da UEFA por esta área. A Gazzetta concretizou na sua edição de hoje o que iria na cabeça dos responsáveis da UEFA. Primeiro, a introdução da “taxa de luxo” a que aludiu Çeferin, que levaria os clubes a terem de pagar entre 10 e 100 por cento (leu bem, é 100%) dos valores que gastam em salários e transferências, sendo o dinheiro depois distribuído por outros clubes e ligas. Uma operação como a que está em estudo por parte do ParisSaint-Germain com Neymar deixaria de custar 560 milhões para custar 1120 milhões de euros. Louco. Depois, a introdução de um teto salarial, em princípio coletivo, além do qual nenhum clube poderia ir. Não se trataria de impor um salário individual máximo, mas sim de limitar os gastos totais com salários. Por fim, criar limites à atuação dos clubes: um máximo de aquisições por janela de mercado, uma idade máxima para um jogador a emprestar, eventualmente um máximo de jogadores inscritos por clube. Claro que todas estas medidas terão de ser, primeiro, objeto de vasto estudo legal – porque a verdade é que limitam a livre concorrência entre empresas, que é aquilo que os clubes são neste momento, e já se sabe que a União Europeia não acha muita graça a isso. Aliás, já as atuais regras do “fair-play financeiro” estão a ser postas em causa por inúmeros processos. Depois, é evidente que no mundo dos negócios haverá sempre uma forma de dar a volta às novas limitações. Mas essa é a dinâmica permanente em que o futebol tem de mover-se.