Grande Futebol
O dia em que os jogadores do Arsenal se uniram para enganar Wenger
2018-02-26 16:00:00
O que começou por ser uma brincadeira com um colega de equipa terminou como um dos erros de Wenger no Arsenal.

A união faz a força, certo? Bem que podemos dizer isso desta história. A história do dia em que os jogadores do Arsenal se uniram para enganar Arsène Wenger. Não, não nos referimos à final perdida ontem pela equipa londrina frente ao Manchester City. Esta história é mais antiga. Pode, porventura, ajudar a explicar um pouco do porquê do Arsenal ter chegado ao nível em que atualmente apresenta. Recorda-se de Igors Stepanovs? Central letão que chegou a jogar contra o Arsenal e que fez dois jogos contra Portugal ao serviço da Letónia na fase de qualificação para o Mundial 2006? Se não se recordar, é talvez normal. Esta é, porém, a história de como Stepanovs chegou ao Arsenal e mais hilariante dificilmente conseguia ser. A história do dia em que os jogadores do Arsenal se uniram para pregar uma partida a Martin Keown e acabaram a enganar Wenger.

Por esta altura uma coisa era certa: se Bergkamp falava, ou dava alguma opinião, Wenger ouvia e tinha-a em grande consideração. Foi o que aconteceu durante o verão de 2000. O ano em que o letão Igors Stepanovs deixou Riga e o histórico Skonto para assinar pelo Arsenal. O negócio foi real, mas a forma como aconteceu teve por base uma brincadeira dos jogadores do Arsenal que apenas queriam “chatear” um pouco Martin Keown.

Tudo começou quando Igors Stepanovs surgiu na pré-temporada do Arsenal em testes para uma possível contratação. Diz, Ray Parlour na sua autobiografia, que Martin Keown entrava sempre em pânico quando um jogador da sua posição era cogitado para chegar ao clube. Sempre com medo de ser substituído pelo mesmo. “Se chegava um defesa central para testes no clube, o Martin Keown dizia sempre quão inútil ele era”, recordou o antigo médio do Arsenal. “Então este tipo vindo da Letónia, o Stepanovs, chegou ao clube. Ele era um verdadeiro monstro, mas, convenhamos, estava longe do nível exigido para jogar no Arsenal”. Confiantes no bom senso do clube e em que Wenger nunca iria ter em conta as opiniões dos jogadores ou, pelo menos, certamente entenderia a brincadeira, os jogadores uniram-se para fazer pressão a favor de Stepanovs apenas para chatear Keown. Mal sabiam que tal brincadeira iria mesmo motivar a contratação do gigante letão.

“Alguns de nós estavam sentados no banco a assistir ao jogo de treino em que jogou Stepanovs. O tipo estava em campo e a cada passe que fazia, todos começamos a aplaudir, apenas porque sabíamos que o Martin Keown iria ficar um pouco ‘em brasa’ devido a isso. O Bergkamp, que estava sentado logo atrás do Wenger, não parava de fazer elogios acerca do tal defesa. ‘Grande cabeceamento. Que corte incrível’. O Igors pontapeou uma bola para vinte metros mais à frente do que devia e onde estava um dos jogadores da sua equipa mas como acabou por ser apanhada por alguém, todos começamos a aplaudir. O Martin lá reagiu e murmurou ‘ele não é assim tão bom’. Então começou a apontar sempre que o Igors falhava um cabeceamento ou um tackle”, recordou Ray Parlour.

Mal os jogadores do Arsenal sabiam o que tinham feito. “Nessa noite, quando fomos todos jantar, rimo-nos e explicámos ao Martin que estávamos só a meter-nos com ele. Todos sabíamos que o Igors estava muito longe do nível a que o Martin Keown, o Tony Adams ou o Steve Bould nos habituaram. Mas o Martin era um alvo fácil e era demasiado tentador. Era divertido porque ele picava-se sempre. O Bergkamp, então, raramente perdia a oportunidade porque todos os dias no treino o Martin entrava duro sobre ele e vinha sempre com a desculpa que apenas estava a preparar o Dennis para o que o esperava nos jogos do fim de semana. O Martin foi um grande jogador. Uma grande personalidade e um verdadeiro vencedor. Quando voltámos aos treinos, uma semana depois, nem queríamos acreditar. O Igors estava lá. Sentado à espera. “O que estás aqui a fazer?” “Assinaram comigo. Contrato de quatro anos”, respondeu Stepanovs.

“Incrível, o Arsène não percebeu que estávamos apenas a meter-nos com o Martin Keown. Ele apenas ligou ao facto de nos ouvir elogiar incessantemente o Igors. Bom, e se o Bergkamp falava e dizia ‘que jogador’, naturalmente o Wenger o tinha em consideração. Imagino que lhe tenha parecido uma verdadeira pechincha, um jogador daqueles por um milhão de libras. Sem querer desrespeitar alguém, mas o Igors estava realmente a milhas de distância da qualidade exigida. Era como ter levado o meu irmão para o treino”, pode ainda ler-se na autobiografia do antigo internacional inglês.

Mas Stepanovs teve os seus momentos, até para divertimento dos próprios jogadores rivais. Entre 2000 e 2003, o central letão participou mesmo em 31 jogos ao serviço do Arsenal. Na temporada de estreia em Londres, Stepanovs jogou em 13 jogos dos Gunners e até marcou um golo. Temporada que, curiosamente, terminou mesmo com a conquista do título por parte do Arsenal, para o qual o letão acabou por ser importante. “De repente estávamos debaixo de uma crise de lesões, a maior que alguma vez tivéramos ao nível dos defesas centrais. O único defesa central de raiz disponível fisicamente era o Igors e com quem é que jogávamos no fim de semana? Com o Manchester United. Fomos a jogo com uma linha defensiva totalmente remendada. Jogou o Luzhny, o Grimandi, o Igors e o Ashley Cole que ainda por cima teve de ser substituído ao intervalo”.

“O Dwight Yorke destruiu-nos completamente. A sério, foi humilhante. Marcaram o primeiro golo e até conseguimos empatar. Pensámos: ‘ok, um empate serve-nos’. De repente, os golos começaram a chover e chegámos ao intervalo a perder por 5-1. O caminho até ao túnel em Old Trafford é penoso e podíamos ver o Wenger totalmente furioso. Ele raramente praguejava ou gritava, mas como o fez naquele dia. Lembro-me do longo caminho até ao túnel ao lado do Dwight Yorke e ele perguntou-se ‘onde raio descobriram aquele defesa central?’ ‘olha Dwight… é uma longa história’.

Chegamos ao balneário e a verdade é que podíamos estar a perder por uns 9 a 1 não fosse o David Seaman. O Arsène explodiu e ele não é mal-educado, simplesmente não é o seu estilo e eu estava desesperado para me rir. Nem conseguia fazer contacto visual, mas percebia o Pat Rice no meu campo de visão a enviar-me aquele olhar de ‘não te rias. Faças o que fizeres, não, te, rias’. O Wenger estava possesso. E essa foi a única vez, em oito anos que jogou sob as suas ordens, que o vi totalmente louco ao intervalo. Wenger estava sempre concentrado em manter-se calmo e em encontrar forma de recuperarmos. Perdemos 6 a 1 e o pobre Igors raramente voltou a jogar”.

A história é umas das que Ray Parlour conta na sua autobiografia e se é certo que custa a acreditar, também Dennis Bergkamp a conta no seu próprio livro. Aquele que começou por ser um episódio divertido e uma partida pregada por amigos e companheiros a outro colega, acabou mesmo por ser um dos grandes erros do reinado de Wenger ao serviço do Arsenal. A história do dia em que os jogadores do Arsenal se uniram para enganar o próprio treinador e que talvez ajude um pouco a explicar a queda do clube desde então. Será Wenger o homem mais inocente do Mundo do futebol?