Grande Futebol
O dia em que Craig Bellamy quase acabou com a carreira de John Arne Riise
2018-12-31 14:05:00
No Algarve, em preparação para um jogo frente ao Barcelona, as carreiras de Bellamy e Riise quase tomaram outro rumo.

Fevereiro de 2007. Barcelona e Liverpool encontram-se nos oitavos de final da Liga dos Campeões, edição na qual os Reds apenas caíram já na final, em Atenas, perante o Milan com dois golos de Pippo Inzaghi. Esta, porém, não é a história de um percurso que podia ter terminado com o Liverpool campeão europeu pela segunda vez em três anos, independentemente da falta de sucesso a nível nacional. Não. Esta é a história de como Craig Bellamy quase terminou a carreira de John Arne Riise, e no Algarve ganhou uma inimizade para a vida.

Foi no Algarve que o Liverpool preparou o jogo dos oitavos de final da prova milionária. Preparou, ou, melhor dizendo, para ele descansou. Essa era a ideia, pelo menos. Treinos leves. Socialização. Reforço do espírito de equipa. Jogar golfe. Apanhar um pouco de sol. Relaxar. Foi em Vale de Lobo que o Liverpool procurou tudo isto, mas o que acabou por encontrar foi caos e um episódio que mudou para sempre a relação entre Riise e Craig Bellamy durante um jantar da equipa sem a presença de treinadores.

Durante esses jantares os jogadores do Liverpool tinham autorização para consumir bebidas alcoólicas desde que se limitassem a duas cervejas. Fosse isso possível. A certa noite, alguns dos jogadores do Liverpool começaram a beber ainda antes da comida chegar, entre eles, claro está, Craig Bellamy que munido de um microfone começou a gritar que Riise iria cantar para o grupo. Sem se saber controlar, o internacional galês bebeu antes, durante e depois da refeição e já bem embriagado, subiu para junto da máquina de karaoke insistindo para que o lateral norueguês cantasse para os colegas. Irritado e sóbrio demais para aguentar o filme, Riise dirigiu-se ao galês, furioso, advertindo-o que além de não ir cantar para quem quer que fosse, se Bellamy não se calasse, o iria esmurrar.

Bellamy não se ficou. Na altura respondeu a Riise que o matava, mas o pior ainda estava para vir. Bellamy lá se acalmou, Riise abandonou o restaurante com Sami Hyppia e rumou ao hotel onde dividia quarto com Daniel Agger. Uma vez que o central dinamarquês não regressou com Riise, o lateral concordou em deixar a porta do quarto destrancada, porta que ouviu abrir a meio da noite e que para seu espanto não revelou Agger, mas sim Bellamy. Munido de um taco de golfe, Bellamy ergueu o ferro, fez pontaria às canelas de Riise e não fosse a agilidade do lateral e a carreira do norueguês teria terminado logo ali. Bellamy ter-lhe-ia desfeito as pernas.

“Ninguém me desrespeita à frente do grupo”, gritou Bellamy. “Não me importo de ir parar à prisão. Os meus filhos e mulher têm dinheiro suficiente para viver tranquilamente e prosseguir os estudos. Nem quero saber. Eu acabo contigo”, continuou o internacional galês para estupefação de Steve Finnan que o acompanhou e que, franzino, nem ousou meter-se no meio da briga dos colegas. Bellamy continuou a investir contra Riise e lá lhe acertou na anca. Depois na coxa. Com um ferro. Com toda a força. Riise não ripostou. Tinha o dobro do tamanho de Bellamy e facilmente o teria “aniquilado”. Não o fez com medo de represálias e para bem do seu futuro no clube, confessa na sua autobiografia.

“Põe o taco de lado e vamos lutar como homens. Com os punhos. Vamos. Uma luta como deve ser”, tentou acalmá-lo Riise. Bellamy parou, fitou o norueguês e assentiu: “Amanhã, às nove horas, encontramo-nos e resolvemos isto”, disse Bellamy, terminando ali uma noite louca na vida do Liverpool. Não foi o único episódio, recorda Riise, que a certa altura foi à janela ao ver luzes de um carro da polícia e acabar por ver o guarda redes polaco da equipa, Jerzy Dudek, ser algemado e colocado na traseira do carro. Acontece que Dudek havia decidido subir e saltar em cima do mesmo enquanto cantava descontroladamente.

Por essa altura as feridas de Riise já começavam a tomar cores azuladas, com o norueguês a chamar o médico da equipa para que o mesmo lhe debelasse as lesões. Perante tal cenário, era inevitável que o médico do clube acabasse por chamar ao quarto Rafa Benítez que ficou incrédulo com o que vira. O espanhol disse pouco, mas que marcaria uma reunião com a equipa e exigiria a Steven Gerrard um relatório do que acontecera naquela noite e porque motivo tudo se descontrolou. Às cinco para as nove, Riise dirigiu-se ao quarto de Bellamy. Bateu, mas não obteve qualquer resposta.

Só mais tarde o galês surgiu na sala de refeições para o pequeno almoço para divertimento dos restantes colegas e a briga entre ambos nunca acabou por tomar o rumo seguinte. Riise nunca compreendeu a falta de respeito dos colegas, rindo-se perante o ataque que sofrera e muito menos perdoou Bellamy por ele. O galês acabou por pedir desculpas de forma forçada e submetido a uma multa de 80 mil libras. O assunto, porém, ficou longe de ficar resolvido ali. Em campo, depois do Barcelona sair na frente do marcador com um golo de Deco, foi Bellamy quem devolveu o empate ao marcador para o Liverpool e durante os festejos dirigiu-se para a bandeirola de canto, agarrou nela, e tal qual fez na noite anterior, simulou que estava a bater em alguém com ela. “Não podia ter sido mais desrespeitoso. Diz muito sobre a sinceridade do seu pedido de desculpas”, afirmou Riise.

O Liverpool acabou mesmo por vencer o jogo, apesar de tudo o que se passara numa das noites anteriores. Com Dudek, Riise e Bellamy em campo. Riise fez o golo da vitória e embriagados pela adrenalina, Bellamy e Riise abraçaram-se. “O que eu e o Bellamy provamos foi que tivemos a habilidade para usarmos a adversidade para prosperar. Aguentamos a pressão do sucedido e destacámo-nos numa das partidas mais importantes que alguma vez jogamos. Só nunca seremos amigos”, afirma Riise. “A minha decisão no hotel foi de sensibilidade. Ambos éramos pais. Mas o sentimento nunca me abandonou: eu devia ter-me defendido de outra maneira. Gerrard disse-me uma vez: ‘se eu tivesse estado na tua situação, duvido que me tivesse conseguido controlar’”.