Mertesacker decidiu parar, mas apenas para o futebol. Quer mudar o corpo e a mente dos jovens jogadores do Arsenal.
Per Mertesacker terminou a carreira. Problemas físicos espoletados por músculos, cartilagens e ossos que já não aguentam, aos 33 anos e no futebol de topo, todo aquele tamanho do alemão. É que ele é mesmo muito grande. Mertesacker decidiu parar, mas apenas para o futebol. Acaba de publicar um livro e, depois de umas férias, será mentor dos jovens da Academia do Arsenal.
Perdoe-nos o anaforismo que aí vem. Se começar a ser irritante, avise.
Mertesacker é um homem com um joelho destruído. É um homem com problemas de estômago, com insónias e que, desde cedo, tentou sobreviver à ansiedade e ao stress. É um homem que acredita que “a forma como jogas, no campo, nada diz sobre os teus traços como ser humano”. É um homem que recusou o serviço militar em honra do pacifismo, que já trabalhou num hospital de doentes mentais e que quis ajudar nas crises de refugiados. Muito para além destas ações, é um homem que, de futebolista, teve muito pouco. Já desenvolveremos esta ideia.
Pode não ter sido um dos melhores defesas da história do futebol, mas, pelo menos, entre quem dividiu o balneário com ele, fica na história como uma das figuras ímpares do futebol. Mertesacker terminou a carreira, nesta temporada, mas já tem um plano: um cargo de relevo na Academia do Arsenal e muitas ideias. Quase todas extra relvado. Começa por explicá-las com exemplos da sua carreira.
“Poucos vinham às sessões de yoga que o clube oferecia. Regularmente, só quatro: Bellerín, Monreal e Rosicky”
O alemão é um “maluco” do yoga e explica-o no livro que escreveu. “Eu sou um grande fã do yoga, porque vi que aumentava a minha estabilidade e flexibilidade. Mesmo aos 33 anos, eu era um dos mais flexíveis do Arsenal. Poucos vinham às sessões de yoga que o clube oferecia. Regularmente, só quatro: Bellerín, Monreal e Rosicky”, começa por dizer, antes de deixar uma reflexão: “Os mais jovens olhavam e sorriam perante aqueles exercícios. Achavam que estávamos a meditar. Eles estavam contentes com a bola nós pés, mas, em tudo o resto, havia falta de vontade. ‘Eu jogo e treino. É suficiente’, diziam. Não, não é suficiente. Não é suficiente quando queres manter um certo nível por um período longo.
Mertesacker deu ainda um exemplo sobre… a visão. “Com bolas da direita, o meu timing era perfeito, mas sentia que, do lado esquerdo, o meu olho não conseguia olhar de forma a que eu evitasse virar todo o corpo. Aquilo significava que, em 50% dos casos em que a bola vinha da esquerda, o meu cérebro dizia ‘ei, não consigo ver a bola, por isso não vou saltar’. Eu tinha sempre de virar o meu pescoço para poder usar o meu olho dominante. Comecei a usar uma pala no meu olho direito, forçando o esquerdo a focar nos objetos. Após umas semanas, comecei a sentir a diferença nos jogos”.
Conta esta história para mostrar que o futebol dá pouca atenção a este tipo de trabalho suplementar em termos fisiológicos, mas, sobretudo, em termos mentais. Segundo Mertesacker, os futebolistas estão habituados a trabalhar três horas por dia e, fora disso, estão nos telemóveis. Têm todo o dinheiro do Mundo, mas não percebem a importância do corpo. “A maioria dos jogadores não faz ideia do que é o máximo: para eles, é tudo acerca de se divertirem no campo”, explica, antes de lançar as ideias-base que quer colocar em prática na nova função no Arsenal.
“Quero desafiá-los tanto que eles vão estar prontos para trazer novas ideias e protegerem-se das lesões”
“No meu novo papel como manager da Academia, vou fazer tudo o que puder para desafiar a mentalidade dos jovens jogadores. Quero desafiá-los tanto que eles vão estar prontos para trazer novas ideias e protegerem-se das lesões. Quero convencê-los de que eles têm de fazer algo para chegar ao topo e quero ser um exemplo para eles. Talento é o que fazes das tuas condições”.
O futebol pode ter perdido um futebolista que, de futebolista, tem muito pouco, mas ganhou um mentor de jovens jogadores que, de mentor de jovens jogadores, terá, seguramente, muito.
