Seleção africana vai reencontrar Portugal num Mundial depois do escândalo de 1986, no México
O sorteio desta sexta-feira do Mundial’2018 colocou Portugal no caminho de Marrocos. O mesmo que dizer que marcou um encontro entre a Seleção Nacional e os seus esqueletos do passado. Os marroquinos bateram Portugal no Mundial’1986, mas do México as principais recordações não são desportivas. São, sim, do “caso Saltillo”. No entanto, esta é uma seleção marroquina bem diferente. Os africanos chegam ao Mundial após uma ausência de 20 anos e contam no banco com uma personagem especial e que se estreia em Mundiais. O francês Hervé Renard é uma das principais figuras do futebol africano na atualidade e o seu “toque de Midas” promete fazer frente a Portugal na segunda jornada do Grupo B.
O extravagante técnico francês era ainda jovem quando Marrocos participou pela última vez num Mundial, em 1998, precisamente em França, no seu país natal. Em 2016 assumiu os destinos da seleção marroquina e aproveitou a aura conquistadora que possui no continente africano para quebram o “jejum” dos “leões do Atlas”. É que depois de um início de carreira com pouca expressão ao serviço de clubes franceses e ingleses de divisões inferiores, aventurou-se por África e deu-se bem. Aliás, melhor que qualquer outro, pois é o único a ter vencido a Taça das Nações por duas seleções diferentes. A primeira foi em 2012 com a surpreendente Zâmbia. E a segundo em 2015 com a poderosa Costa do Marfim.
Pelo meio Renard, atualmente com 49 anos, ainda dirigiu a seleção angolana, mas nessa não conseguiu utilizar a “magia” que em África julgam ter. Isto porque esteve pouco tempo à frente dos “palancas negras”, saindo em litígio com a federação angolana e alegando salários em atraso e falta de condições de trabalho. Esta aura especial de conquistas ainda lhe valeu duas experiências na Liga francesa, onde provou que a sua vocação está mesmo virada para seleções. Em 2013/14 não conseguiu evitar a descida do FC Sochaux e em 2015/16 foi despedido do Lille OSC após três meses no cargo.
O regresso aos trabalhos vitoriosos deu-se em 2016. Renard pegou na seleção marroquina já a meio da qualificação. Foi Zaki que orientou Marrocos na segunda eliminatória, no final de 2015, eliminando a Guiné Equatorial depois de uma vitória por 2-0 em casa e de uma derrota fora de portas por 1-0. Quase um ano depois já era o francês que iniciava a terceira e última fase de qualificação da zona africana. Começou com dois empates, mas rapidamente encontrou o caminho dos triunfos, acabando por superar a Costa do Marfim, que bem conhecia, e ainda o Gabão, de Aubameyang, inicialmente orientado por Jorge Costa e depois por José Antonio Camacho, na luta pelo apuramento.
O segredo da qualificação marroquina esteve numa defesa bastante forte, liderada por Benatia (Juventus) e que contou em dois jogos com Manuel da Costa, antigo internacional sub-21 português que se naturalizou para poder representar a seleção africana. Os números mostram bem esse sucesso defensivo, pois num grupo bastante forte, que contava ainda com o Mali, Marrocos marcou dez golos e sofreu… zero. Nem Aubameyang, nem Bony, nem Doumbia, nem Gervinho, nem Marega… ninguém bateu a defesa marroquina e o guardião Munir Mohamedi, que foi totalista na fase de qualificação.
Outro pormenor interessante é o facto de Marrocos ter sido o adversário de Portugal que fez menos jogos para chegar ao Mundial, mas o que mais jogadores utilizou. Espanha utilizou 34 jogadores em dez jogos. O Irão utilizou 33 jogadores em 18 jogos. Portugal utilizou 29 jogadores em dez jogos. E Marrocos em apenas oito jogos utilizou… 40 jogadores. Entre eles estão alguns velhos conhecidos do futebol português, além de Manuel da Costa. O ex-Vitória de Guimarães El Adoua e o ex-Benfica Carcela são exemplo disso. Recentemente, Renard reabriu ainda as portas da seleção ao ex-benfiquista Taarabt, que poderá assim lutar por uma vaga no Mundial. De resto, perante tantas opções torna-se uma verdadeira aventura tentar perceber quais serão os 23 eleitos de Marrocos para o Mundial.
Saltillo sempre na memória
Falar de Marrocos é falar do Mundial’1986. Foi aí que portugueses e marroquinos se enfrentaram pela única vez na história. Uma competição que entrou para o topo das piores prestações portuguesas em Mundiais, mas não só em termos desportivos. As coisas até começaram bem para Portugal, com um triunfo na estreia frente à Inglaterra de Lyneker, por 1-0. Mas depois rebentaram as polémicas no seio da equipa das quinas, levando a uma despedida inglória do Mundial. Aliás, a confusão até começou antes da atribulada viagem para o México, quando Veloso terá acusado positivo num controlo antidoping, sendo substituído à última da hora por Bandeirinha.
As instalações em Saltillo deixavam muito a desejar e tudo o que se passou por lá poderia ser um bom guião de um filme trágico-cómico. Os jogadores queixaram-se das condições, tinham um campo inclinado para treinar e os jogos de preparação foram contra equipas amadoras. A tensão no grupo aumentou, chegaram a existir ameaças de greve e um dia os jogadores recusaram mesmo treinar. Reclamavam prémios de jogo superiores e em causa estavam também os contratos de patrocínio da Federação, cujos lucros não chegavam aos jogadores. Isso originou que alguns chegassem a treinar com as camisolas do avesso, para a publicidade não ser visível. Um choque para a opinião pública em Portugal.
Foi neste clima que Portugal conseguiu surpreender tudo e todos, principalmente os ingleses, vencendo por 1-0, com golo de Carlos Manuel. Entre o primeiro jogo e o segundo Bento partiu o perónio e foi Damas quem avançou para a baliza. Na segunda jornada Portugal perdeu por 1-0 com a Polónia de Boniek e Smolarek e adiou as decisões do apuramento para a última jornada frente aos marroquinos. Qual lei de Murphy, Marrocos acabou por derrotar Portugal por 3-1. A Seleção Nacional falhou a qualificação e terminou no último posto, depois de ter vencido o jogo teoricamente mais complicado do grupo. Mas pior que isso foi mesmo a imagem deixada pelo México. Agora, mais de 30 anos depois, pede-se aos eleitos de Fernando Santos que não repitam o desfecho e que, acima de tudo, vinguem, de uma vez por todas, o escândalo de Saltillo.
Marrocos
Posição no ranking: 40.º
Selecionador: Hervé Renard
Resultados na qualificação:
Segunda eliminatória
Marrocos-Guiné Equatorial, 2-0
Guiné Equatorial-Marrocos, 1-0
1.º lugar no Grupo C, com 12 pontos (3 vitórias e 3 empates)
Gabão-Marrocos, 0-0
Marrocos-Costa do Marfim, 0-0
Marrocos-Mali, 6-0
Mali-Marrocos, 0-0
Marrocos-Gabão, 3-0
Costa do Marfim-Marrocos, 0-2
Jogadores utilizados na qualificação:
Guarda-redes
Munir Mohamedi (8 jogos)
Defesas
Achraf Hakimi (4 jogos/1 golo)
Adil Karrouchy (1 jogo)
Hamza Mendyl (1 jogo)
Manuel da Costa (2 jogos)
Achraf Lazaar (3 jogos)
Abderahim Achchakir (2 jogos)
Fouad Chafik (2 jogos)
Issam El Adoua (2 jogos)
Mehdi Benatia (7 jogos/1 golo)
Zouhair Feddal (2 jogos)
Badr Banoun (1 jogo)
Médios
Ait Bennasser (2 jogos)
Nordin Amrabat (6 jogos)
Younès Belhanda (5 jogos)
Mbark Boussoufa (6 jogos)
Mehdi Carcela (2 jogos)
Romain Saiss (6 jogos)
Sofiane Boufal (1 jogo)
Sofyan Amrabat (1 jogo)
Marouane Saadane (1 jogo)
Abdel Barrada (1 jogo)
Karim El Ahmadi (5 jogos)
Omar El Kaddouri (2 jogos)
Fayçal Fajr (4 jogos/1 golo)
Brahim Nakach (1 jogo)
Adnane Tighadouini (1 jogo)
Hakim Ziyech (6 jogos/2 golos)
Avançados
Aziz Bouhaddouz (1 jogo)
Achraf Bencharki (1 jogo)
Yacine Bammou (2 jogos/1 golo)
Youssef El-Arabi (3 jogos/1 golo)
Amine Harit (1 jogo)
Rachid Alioui (2 jogos)
Mimoun Mahi (1 jogo/1 golo)
Nabil Dirar (4 jogos/1 golo)
Oussama Tannane (4 jogos)
Youssef En-Nesyri (2 jogos)
Khalid Boutaïb (4 jogos/4 golos)
Ismail El Haddad (1 jogo)
Resultados frente a Portugal:
1 jogo (1 vitória)
Portugal-Marrocos, 1-3 (11/6/1986)