Grande Futebol
Manuel da Costa: o "louco" de três países, os karts, o ruído e a dor de cabeça
2018-05-25 20:00:00
Este franco-luso-marroquino vai ao Mundial 2018 com Marrocos, depois de ter sido internacional sub-21 por Portugal.

Manuel da Costa é único. Sim, é certo que todos somos únicos, mas este jogador é mais único do que todos os únicos. Este jogador é franco-luso-marroquino – só aqui, já soa a bizarro – e, depois de ter jogado por Portugal, vai ao Mundial 2018… com Marrocos. Como perceberá neste texto, trata-se de um autêntico “louco” - evidentemente, no sentido excêntrico e extravagante, não no da sanidade - e tem histórias com karts, com silêncio e com gritos. E com a justiça, já agora. E os casos não foram meras trivialidades desviantes. A ler mais à frente.

A vida de Manuel da Costa tem sido bem rica. Tão rica que pedimos ajuda a João Moreira, ex-colega na seleção sub-21, e ao brasileiro Revson Santos, ex-colega no Nacional, para nos apresentarem este defesa-central que chegou a ser uma das grandes esperanças do futebol português.

Manuel da Costa nasceu em Nancy, no nordeste de França, lá pertinho da Alemanha e do Luxemburgo e é fruto de um português e uma marroquina. Começou a jogar no Nancy e deu bastante nas vistas, até porque fugia ao protótipo do típico central português. João Moreira explica-o, ao Bancada, falando sempre não do Manuel, mas do “Manu”.

“O Manu era alto, rápido, forte e com boa condução de bola, já para não mencionar o jogo aéreo”.

1,91 metros de força faziam de Manuel da Costa um central diferente de homens como Ricardo Carvalho, Fernando Couto, Jorge Andrade ou Humberto Coelho. Rui Caçador, selecionador sub-21, não perdeu a oportunidade de caçar – desculpe o trocadilho fácil – aquela pérola francesa, que poderia, se quisesse, jogar por Portugal. E ele quis.

Pausa na história. Manuel da Costa conheceu João Moreira na seleção sub-21. Manuel da Costa tinha pai português, sim, mas isso não fazia com que o português fosse o seu forte. Bem pelo contrário.

“Cada vez que ele falava, eu brincava com ele a dizer ‘eu não te entendo, mano’. Ele entendia o mínimo de português, mas falar é que era o mais complicado”, recorda-nos João Moreira, entre risos.

Se acha que todos os elogios já feitos a Manuel da Costa, neste texto, são um exagero, deixamos outro dado: Luiz Felipe Scolari chegou a chamar este central para a seleção A, no período de renovação da equipa após o Mundial 2006. Não jogou, mas andou por lá. E fez jogos nos sub-21, sub-20 e sub-23.

Manuel da Costa tem sido um autêntico globetrotter, durante a carreira, mas os primeiros voos pareciam levá-lo ao céu. Ora veja: do Nancy para o PSV, do PSV para a Fiorentina, da Fiorentina para a Sampdoria, da Sampdoria para o West Ham e do West Ham para o Lokomotiv. Quase sempre com vários jogos feitos, sempre clubes de renome e quase sempre em alguns dos melhores campeonatos. Manuel tinha tudo. Qualidade, juventude e experiência em equipas e campeonatos top. Só faltavam duas coisas:

1-treinar os livres.

2- ter mais juízo.

Manu, o “bad boy

O jogador foi tendo dificuldade em manter-se afastado das polémicas. Revson Santos fala, ao Bancada, de “um ser humano extraordinário, humilde, vencedor e que estava sempre disposto a ajudar o próximo. Um ser humano abençoado”. Revson conhece Manuel da Costa melhor do que nós, mas o certo é que estas características raramente apareceram em público.

Deixamos um resumo: acusações de abuso sexual, assédio, agressão a uma mulher e, já em Portugal, na Madeira, condução sob o efeito de álcool e proibição de conduzir. Por falar em conduzir: um dia, Manuel da Costa foi andar de kart e… lá veio o mau feitio e o mau perder.

“Lembro-me de quando fomos todos fazer uma corrida de kart para ter um momento de descontração e, ali, vi a gana dele de querer ganhar a todos. Nós, brasileiros, todos a querermos ganhar-lhe a ele. Isso era engraçado, pois ele é um rapaz que não gosta de perder nem na brincadeira”, recorda Revson, ex-colega no Nacional.

E por falar em Nacional, foi lá que jogou Manuel da Costa, em 2012/13, após a temporada na Rússia. Fez 20 jogos e ajudou os madeirenses a chegar ao oitavo lugar, mas a temporada não acabou bem. Novamente, porque Manuel da Costa pareceu sempre ter mais pinta de “maluco” e excêntrico do que de bem comportado.

Foi expulso contra o Rio Ave depois de, já com um cartão amarelo, ter decidido pontapear a bola para longe. Bruno Paixão expulsou-o. Mais tarde, foi alvo de um processo disciplinar por parte do clube por agressão a Candeias, que era… colega de equipa.

Na altura, o pai de Manuel da Costa negou tudo, à “TSF”: “Simulação, tudo simulação! O meu filho estava enervado com a situação e o Candeias começou a falar mal dele, insultos muito graves até e, como ele tem sangue português, sabe como é, empurrou-o. Mas não o agrediu”.

O facto é que a imagem deixada em Portugal não foi a melhor. Talvez por isso nunca mais nenhum selecionador olhou para Manuel da Costa, mesmo com as boas temporadas feitas no Sivasspor, da Turquia, e no Olympiacos, da Grécia, onde foi titularíssimo nos títulos conquistados, um deles com Marco Silva. Marrocos estava atento e convidou o filho de uma marroquina para jogar pela seleção magrebina.

Mas se era um central com qualidades ímpares e a jogar em bom nível, como é que foi ignorado em Portugal? É difícil perceber. “Toda a gente dizia que ele iria chegar ao mais alto nível. E chegou. Falando por mim, pensei que fosse ao Mundial com Portugal e não com Marrocos, mas todos sabem do potencial que tem e tinha”, defende João Moreira, que diz ainda que o ex-colega é “confiante e trabalhador”.

Revson também diz que aquele centralão do Nacional haveria de chegar ao topo. “Um jogador que trabalha muito, sempre disposto sempre a melhorar a cada treino e a cada jogo. Com tudo o que mostrou quando jogámos juntos, sabia que, pelo trabalho que vinha fazendo, ia chegar a lugares mais altos. E chegou, com a convocação para o Mundial, que é o sonho e objetivo de qualquer jogador de futebol do Mundo inteiro”.

Agora, Manuel da Costa está no Basaksehir, da Turquia, e, aos 32 anos, é um dos centrais de Marrocos que vai à Rússia. “A imprensa disse que eu teria recusado o convite de Marrocos, no passado, mas isso é mentira. Nunca fui contactado oficialmente, ao contrário de agora. O treinador falou comigo, foi uma boa conversa e aceitei logo. É o país da minha mãe e sinto orgulho por representar Marrocos”, explicou o jogador, em entrevista ao site “Almarssadpro”.

“Lá se foi a dor de cabeça”

Para o fim, guardámos a historinha da dor de cabeça, do silêncio e dos gritos. Palavra a João Moreira.

“O Manu era muito tranquilo e gostava de estar sempre na paz. Só que, na altura, tínhamos o Ricardo Batista e o Vaz Tê, que eram totalmente o oposto da tranquilidade e do relax. Num torneiro na Suécia, lembro-me de que o Manu estava com dores de cabeça e o Ricardo Batista estava a falar sem fim. Do nada, sem ninguém esperar, o Manu levantou-se e começou a gritar com o Ricardo, mas com educação. O hilariante é que ele quis falar português e foi uma comédia, todo a gente a rir sem parar e lá se foi a dor de cabeça”.