Grande Futebol
Luciano D'Onofrio: agente das mil polémicas reaproxima-se do FC Porto
2017-06-25 23:00:00
José Guilherme Aguiar e Amílcar Fonseca ajudaram-nos a conhecer melhor o agente

D’Onofrio. Luciano D’Onofrio. A entrada é à agente especial 007, mas serve também para um agente especial do futebol. O italo-belga é um dos principais empresários do mundo do futebol, apesar de, nos últimos anos, ter andado desaparecido. Ou “escondido”, como prefere dizer José Guilherme Aguiar, ex-dirigente do FC Porto.

“Sou amigo dele, mas vejo-o, com sorte, uma vez por ano”. E José Guilherme não é o único: o futebol português tem visto D’Onofrio poucas vezes. Ainda assim, entre suspeitas de corrupção, ligações desportivas ao FC Porto, negócios milionários, títulos, brigas com a lei e imbróglios fiscais, D’Onofrio parece ter sete vidas. O empresário está vivo e bem vivo. Mas será que alguma vez esteve “morto”? Guarde esta dúvida até ao fim do texto.

Agora, em 2017, com a contratação de Sérgio Conceição para treinador do clube, Jorge Nuno Pinto da Costa e o FC Porto colocaram, de novo, Luciano D’Onofrio na órbita do futebol português.

“Almocei com o Luciano D’Onofrio e quando lhe disse que quem realmente queria para treinador do FC Porto era o Sérgio Conceição, ele respondeu que, curiosamente, tinha estado com o Sérgio a jantar no dia anterior e que ele lhe dissera que o sonho dele era vir para o FC Porto”. Foi assim, ao pormenor, que Pinto da Costa nos lembrou de que D’Onofrio está "vivo".

Dias depois, surgiu a notícia de que o Antuérpia, da Bélgica – clube do qual D’Onofrio é diretor desportivo –, assinou um protocolo com o FC Porto.

É oficial: Luciano D’Onofrio está de volta. Mas quem é este homem e de onde veio a ligação ao FC Porto e ao agenciamento de jogadores?

De “homem da chauffage” a controlador do futebol portista

Antes de ser empresário, D’Onofrio foi jogador. Parece estranho? Talvez. O certo é que a (curta) carreira futebolística de Luciano D’Onofrio terminou aos 28 anos, depois de uma tripla fratura na tíbia e no perónio. Na altura, era jogador do Portimonense.

“Ele jogava bem, não era mau jogador. Era um médio muito valente!”. As palavras são de Amílcar Fonseca, histórico do Portimonense, que tão bem conhece D’Onofrio. “Como jogador, não tinha o protagonismo de outros craques portugueses, mas, quando falava, via-se que era um líder”, acrescentou.

E é daqui, da capacidade de liderar, que, para Amílcar, vem o sucesso do empresário. Disso e da capacidade de comunicar: “Falava bem e era muito bom colega, com muito sentido de humor”. Estes traços são completados por José Guilherme Aguiar, que vê, neste sucesso, “um produto da inteligência dele” e da fluência em várias línguas: “Tinha a vantagem de falar italiano, francês, português…”.

Estava a inteligência, estava o domínio das línguas, estava a ligação ao futebol, estava a capacidade de comunicar e estava a energia da juventude. O que faltava? Nada. Nem sequer a dose de extravagância que distingue tantas pessoas de sucesso.

“Há uma coisa da qual eu nunca me vou esquecer: fosse verão ou inverno, ele [D’Onofrio] andava sempre com a “chauffage” no carro. Sempre com aquela merda ligada, não se podia entrar no carro dele”, conta Amílcar Fonseca, entre risos, ao seu estilo.

Em 1984, quando terminou a carreira, D’Onofrio tinha tudo o que precisava para entrar no mundo do dirigismo. Tinha, recorde-se, apenas 28 anos, uma idade precoce. “Ele estava muito à frente de toda a gente. Naquela altura [de jogador do Portimonense] já falava de coisas que ninguém acreditava. Só ele”, recorda Amílcar.

Chegado ao FC Porto, D’Onofrio foi um dos obreiros da equipa portista campeã europeia, em Viena 86/87, e foi o “pai” de duas das primeiras grandes transferências internacionais do futebol português: Rui Barros e Branco, do FC Porto para Juventus e Génova, respetivamente.

Chegou a ser o diretor desportivo. Era quem controlava e geria desportivamente o departamento de futebol. O Rui Barros e o Branco saíram por valores que, na altura, eram impensáveis”, explica José Guilherme Aguiar, à época responsável pela parte jurídica do futebol portista.

Pausa na história. É por esta altura que surge uma das grandes polémicas da carreira, em crescendo na obscuridão, de Luciano D’Onofrio.

Cadorin, a polémica por explicar

24 de novembro de 1985. Portimonense-FC Porto, 11.ª jornada do campeonato. Nos algarvios, jogava o belga Serge Cadorin que é, para muitos, o melhor jogador da história do clube. Nos portistas, era diretor desportivo Luciano D’Onofrio e foi ele quem levou Codorin para o clube de Portimão, antes de se fixar no FC Porto.

Alegadamente, recordou a filha de Cadorin, em entrevista ao “Blog do Portimonense”, dias antes deste jogo, D’Onofrio ofereceu uma missão a Cadorin: cometer um penálti contra a própria equipa. O prémio pelo “engano” seria uns chorudos 500 contos, mais a possibilidade de se transferir para um grande clube português, italiano ou suíço. O jogador belga recusou o aliciamento feito por Luciano D’Onofrio e reportou a situação a Manuel João, presidente do Portimonense, que fez queixa à Polícia Judiciária. Palavra de um contra a palavra de outro, o caso não deu em nada, por falta de provas.

Nem José Guilherme Aguiar nem Amílcar quiseram abordar a questão, por se revelarem desconhecedores dos contornos da história. “Lembro-me disso. Acompanhei nos jornais, mas não tenho conhecimento suficiente para opinar”, diz Amílcar Fonseca, com tranquilidade.

Contada a parte séria, vem agora a parte insólita. O Portimonense venceu essa partida, por 1-0. O golo foi apontado por… exato, isso mesmo: Cadorin. O belga bateu Zé Beto, impondo a primeira derrota do FC Porto nessa temporada.

Depois deste episódio – e dos já aflorados sucessos no FC Porto –, D’Onofrio saiu do clube portuense. “Entrou em 1984 e ficou mais ou menos até 1989, com a saída do Tomislav Ivic, que era o treinador preferido dele”, detalha José Guilherme Aguiar, antes de advertir: “mas julgo que saiu por vontade própria. É ele que quer sair, nessa altura. Não foi uma separação litigiosa”.

“Ainda assim, isso não o tirou das relações privilegiadas de Pinto da Costa. Ele sempre esteve muito próximo”, acrescenta. E, pelo visto, continua. Mas já lá vamos.

“Gangster” ou “aventureiro honesto”?

Ao FC Porto seguiu-se o Olympique Marselha. D’Onofrio, uma vez mais, mostrou o seu toque de Midas e, como diretor desportivo, levou o clube do sul de França ao título europeu, em 1992/93. “Mesmo quando ele esteve no Marselha chegou a dizer-se que eles só tinham chegado à final devido a favores externos. Mas entre o que se diz e o que se prova…”, constata José Guilherme Aguiar.

O facto é que a carreira de D’Onofrio, desde o episódio com Cadorin, nunca conseguiu estar afastada das polémicas, dos negócios obscuros e das lutas com as leis. A desportiva, a jurídica, a fiscal…

Ainda assim, o empresário defendeu-se, em 2007: “em tudo o que faço tenho a etiqueta a dizer ‘gangster’, mas eu sou apenas um aventureiro honesto”.

Gangster ou não, há um relato de um episódio curioso, que remonta a 1998, antes de um AS Monaco-Juventus, na Liga dos Campeões. O narrador é Ali Lukunku, ex-jogador dos monegascos: “nunca me esquecerei do nosso primeiro encontro, num grande hotel, no Mónaco. Ele estava lá com a Juventus e todos os jogadores estavam espontaneamente colocados em fila para o cumprimentar: Zidane, Davids, Del Piero, Inzaghi… todos. O D’Onofrio estava sentado na mesa dos grandes líderes, à espera de cada um”. A descrição não coloca D’Onofrio distante de uma cena de Don Vito Corleone. Marlon Brando não faria melhor.

O facto é que Luciano D’Onofrio se tornou um dos primeiros agentes FIFA – distinção que viria a perder, em 2008, claro está, por manobras pouco claras – e o primeiro em Portugal. Desde a década de 90 que representou jogadores como Deschamps, Zidane, Boksic ou Desailly.

Mas não se pense que, enquanto empresário, D’Onofrio teve apenas ligações ao FC Porto e ao futebol europeu. Também os outros “grandes” portugueses chegaram a fazer negócios com o agente, como recorda José Guilherme Aguiar: “Ele chegou a fazer negócios com o Benfica e com o Sporting. O Paulo Silas, por exemplo, para o Sporting”. Outros existem, como Futre, Juary, Folha, Jorge Costa ou Sérgio Conceição, do FC Porto, César Prates, André Cruz, Mpenza ou o treinador Vercauteren, para o Sporting, e os belgas Michel Preud’Homme e Axel Witsel, para o Benfica.

Já no início do novo milénio, veio o investimento na sua segunda pátria. Pegou no Standard Liège, da Bélgica, onde se cruzou com Sérgio Conceição.

Entre o FC Porto e o presente, com Marselha, agenciamento de jogadores e Standard Liège pelo meio, o rol de imbróglios é extenso: foi condenado a seis meses de prisão, em França, por peculato em transferências de jogadores do Marselha, investigado por suspeitas de lavagem de dinheiro no Standard Liège (pagou 1,5 milhões para escapar ao julgamento), condenado a um ano de prisão por financiamento secreto no SC Toulou (foi absolvido), condenado a nove meses de prisão por novas irregularidades com jogadores do Marselha, antes de outra pena de prisão por pagamento de comissões secretas no Paris Saint Germain (foi absolvido) e da expulsão do território belga, por alegado tráfico de droga. Já em 2011, foi envolvido num caso de branqueamento de capitais.

No entanto, a pena mais pesada veio em 2006: D’Onofrio foi impedido de realizar transações no futebol durante cinco anos.

Segundo as investigações na Europa – em boa parte ajudadas pelo Football Leaks –, Luciano D’Onofrio foi conseguindo escudar-se no amigo Maurizio Delmenico que, em termos oficiais, assumia o nome nas transações e nas empresas para as quais era canalizado o dinheiro. Dinheiro que passaria por paraísos fisicais e por off-shores no Panamá ou no Lietchenstein.

Uma delas, a Robi Plus, muito investigada, terá sido o veículo das transferências de vários jogadores do Standard para o FC Porto: Defour, Mangala, Bolat, Kayembe ou Opare. Já o Benfica surge na jogada com as movimentações de João Mário e Luciano Teixeira, que atuaram na equipa B.

Também a venda de Gianelli Imbula, ao Stoke, por 24 milhões, parece estar envolta em nevoeiro cerrado. Documentos revelam que a empresa Kick Internacional Agency BV recebeu uma comissão por essa transferência. O administrador dessa empresa é… Maurizio Delmenico, o tal amigo de D’Onofrio.

Segundo José Guilherme Aguiar, Luciano D’Onofrio “tem a sua maneira própria de estar”. Esta maneira poderá consubstanciar-se em milhões de euros de comissões por transferências que, supostamente, D’Onofrio não poderia realizar.

Lembra-se da pergunta que lhe colocámos no início? Afinal, ao contrário do que dissemos, D’Onofrio não só está bem vivo, como, para o futebol, nunca chegou a estar morto.