Grande Futebol
Klopp perdeu Buvac, o cérebro. Funcionará a máquina só com coração e olhos?
2018-04-30 18:25:00
Zeljko Buvac é o braço direito de Klopp há 17 anos e hoje abandonou o alemão devido a "questões pessoais".

Jürgen Klopp. Zeljko Buvac. O coração e o cérebro do Liverpool. Funcionará a máquina sem cérebro? Buvac e Klopp conheceram-se quando eram ambos jogadores em Mainz e desde então forjaram uma aliança que só hoje conheceu um fim. Em Mainz prometeram um ao outro que o primeiro que se tornasse treinador convidaria o outro para assistente. Assim aconteceu em 2001 e durante 17 anos formaram uma das duplas mais entusiasmantes no futebol. Em Mainz, em Dortmund e agora em Liverpool. Será este o fim? Funcionará a máquina de Klopp sem o cérebro?

Mainz, 1995. Com a equipa da casa a precisar uma vitória robusta para fugir à despromoção ao terceiro escalão germânico, veio em boa altura, para o FSV Mainz, que o último encontro da temporada tenha sido disputado perante o FSV Frankfurt, clube que hoje disputa a quarta divisão alemã. Na equipa do Mainz pontuava um nome, hoje, bem conhecido. Na altura, um jogador de grande coração, mas profundamente carenciado de qualidade técnica: Jürgen Klopp.

O Mainz recebeu o Frankfurt instalado na 16ª posição, lugar que valeria a despromoção à equipa de Klopp no final da temporada. O Mainz não precisava apenas vencer o jogo perante o Frankfurt. Dada a diferença pontual e de golos para os adversários, o Mainz tinha de golear o Frankfurt para se manter na Bundesliga 2 desse ano. Tudo correu a favor da equipa de Klopp. Não só os rivais diretos FC Nuremberga e FSV Zwickau perderam os seus jogos, como a equipa do Mainz goleou o último classificado e há muito relegado Frankfurt por 7-1. Resultado que permitiu ao Mainz recuperar pontualmente para ultrapassar os dois rivais, como ganhar-lhes vantagem no ‘goal average’.

Segundo a Kicker, Klopp não teve a melhor das prestações. Não fez qualquer um dos sete golos da equipa do Mainz, mas certamente ajudou a equipa a uma das manutenções mais épicas da história do clube. Se Klopp jogou os 90 minutos desse jogo, no banco, sentado à espera de uma oportunidade, oportunidade que surgiu aos 79 minutos, um minuto antes do 7-1 final, estava o Jugoslavo, hoje Sérvio, Zeljko Buvac. Durante onze minutos Klopp e Buvac partilharam o campo naquele que seria o último jogo da carreira de ambos enquanto colegas de equipa, enquanto jogadores de futebol.

“Antes e depois de qualquer sessão de treino conversamos os dois. Antes e depois de qualquer jogo… conversamos os dois. Nos treinos observo, vejo tudo, se sinto que há algo que precisa ser corrigido, falo com Klopp. Discutimos ‘porque tem de ser assim’? É uma decisão que tomamos sempre em conjunto. É assim nos treinos, como o é durante os jogos. Se for necessário levanto-me do banco para dar instruções. Não preciso perguntar”, Buvac ao Daily Express em 2016.

Se Klopp se manteve por Mainz, como jogador, até 2001, Buvac abandonou a equipa no final da temporada 94/95, a terceira como atleta da equipa, para terminar a carreira ao serviço do SC Neukirchen. A relação entre Klopp e Buvac, porém, nunca mais foi a mesma a partir do momento em que ambos se encontraram e jogaram juntos por Mainz. Em Mainz nasceu uma relação especial. Uma relação que vai além da amizade. Uma relação telepática. Uma relação que é simbiótica. Uma relação siamesa no que ao entendimento do futebol diz respeito. “Buvac é praticamente gémeo de Klopp, ambos vêem o futebol da mesma forma”, definiu-os Nuri Sahin, que os encontrou em Dortmund. Quando Klopp abandonou os relvados em 2001 e se torna treinador da equipa do coração só havia um número dois possível: Veljko Buvac, claro está. Desde então, nunca mais se separaram. Nem mesmo quando Klopp decidiu fazer um ano sabático. Até hoje.

As razões não são totalmente conhecidas. Enquanto fações mais credíveis da imprensa britânica, como o Times, vão ao encontro da posição oficial do clube de Liverpool para justificar a separação com a necessidade de Buvac ter de resolver problemas pessoais, os tabloides ingleses avançam com a certeza de uma discussão grave entre Klopp e Buvac, dando a conhecer uma relação que se vem deteriorando nos últimos meses com o germânico a afastar cada vez mais Buvac das decisões e até dos briefings táticos da equipa. O mesmo homem que, segundo o próprio Klopp, é o “cérebro” do futebol heavy-metal? Será possível?

17 anos depois de se terem juntado em Mainz para darem inicio a uma aventura que os levou a vencer praticamente tudo pelo Borussia Dortmund – já depois de terem feito história ao levar o Mainz pela primeira vez à Bundesliga e às competições europeias - e a estar agora perto de levar o Liverpool FC a nova final europeia, Klopp e Buvac separaram-se. Pelo menos, segundo o clube inglês, somente até ao final da temporada, tempo necessário para que o bósnio resolva os problemas pessoais que o assolam. A máquina perdeu o cérebro. Klopp perdeu o cérebro. Funcionará a máquina somente com coração e olhos? O timing da separação não podia ser mais complicado com a equipa do Liverpool perto de alcançar a final da Liga dos Campeões e só o tempo dirá se a mesma teve um papel nocivo no que resta da temporada do Liverpool.

Ao longo dos anos, a relação entre Klopp e Buvac nem sempre foi pacifica. Dificilmente poderia ser perante dois caráteres tão voláteis quanto apaixonados pelo jogo. Nunca chegou a este ponto, porém, estejam as razões relacionadas com uma discussão entre ambos como avançam os tabloides. Certo, é que o Liverpool perde para uma fase crucial da temporada o homem que Klopp considera o cérebro do estilo de jogo de alta intensidade protagonizado pela dupla desde que se juntou em Mainz. Mais do Klopp, admite o alemão, é a Buvac que têm de ser incutidas responsabilidades por encontrar forma de fazer funcionar o estilo de futebol apresentado pelo Liverpool de forma consistente. A responsabilidade de tornar o gegenpressing popularizado pelo Ajax nos anos 70 uma realidade nos tempos que correm.

“É impensável que algum deles possa fazer alguma coisa sem o outro”, Colin Bell, antigo treinador adjunto de Klopp ao Times em 2016. “Buvac é mestre em ler o jogo. Tem grandes ideias futebolísticas e está sempre à procura de se modernizar e de encontrar novas formas de como jogar e treinar. Quando o Mainz começou a jogar em 4-3-3 fê-lo de maneira totalmente diferente da escola holandesa, que defende a existência de um avançado centro e dois extremos. Buvac queria os jogadores em rotação e movimentação constante. Trocando de posições constantemente, jogando por dentro e por fora. Pressionar, cercar os adversários, ir à caça. Tudo isso começou em Mainz. Essa foi uma das grandes obras de Buvac e desenhou treinos específicos para o conseguir”.

Se Klopp é a imagem do futebol heavy-metal, Buvac é o cérebro. Mas há um outro elemento fulcral para que tudo funcione em sintonia. Esse nome é Peter Krawietz, também ele, encontrado por Klopp e Buvac por Mainz quando o técnico alemão tomou conta da equipa em 2001. Então olheiro, Peter Krawietz tornou-se pedra fulcral na hora de fazer funcionar a máquina de Klopp e Buvac, encontrando as peças chaves para engrenar a máquina na perfeição. Se Klopp é o coração da máquina. Buvac o cérebro. Krawietz, como Klopp o descreveu, são os olhos da mesma. E, pela primeira vez em 17 anos, o coração e os olhos da máquina perderam o seu cérebro. Agora, segundo a imprensa britânica, os olhos terão também de ser cérebro.

Segundo a mesma imprensa, a relação entre Klopp e Buvac tem-se tornado cada vez mais profissional e menos social nos últimos meses. A separação, porém, estava longe de ser previsível já que quando Klopp assinou a mais recente extensão de contrato o técnico alemão fez questão de assegurar que contratos de igual extensão seriam apresentado a Buvac e Krawietz, o triunvirado do futebol heavy-metal. Paul Joyce do jornal Times recorda ainda que a separação entre Klopp e Buvac evoca situações antigas e retorna um sentimento de dèjá-vu a Anfield, traçando um paralelo com o sucedido aquando das separações de Houllier e Benítez com os seus adjuntos, com o clube de Liverpool a nunca alcançar o mesmo nível de sucesso pré e pós separação dos técnicos com os seus números dois.

Só o tempo dirá se tal voltará a acontecer, mas não faltam exemplos no futebol de treinadores que nunca mais alcançaram o seu nível, ou o nível que mostraram até então, depois de se separarem dos seus números dois. À cabeça surge, porventura, a dupla Clough/Taylor que em Derby e Nottingham fizeram história, e um sucesso que Clough nunca conseguiu replicar quando perdeu o seu número dois. Ora em Leeds, ora em Nottingham após a saída de Taylor em 1982. A história não está do lado do Liverpool, de Klopp ou de Buvac. Klopp perdeu o cérebro. Funcionará a máquina só com coração e olhos?