Grande Futebol
Klopp, o pai que não lhe dava abébias e a pré-época do Mainz sem comida
2018-02-13 15:20:00
O treinador do Liverpool FC e próximo adversário do FC Porto explica a missão suicida que foi aceitar o cargo no Mainz

Que figuraça! Jürgen Klopp não deixa ninguém indiferente. Seja pelo estilo de futebol sempre pra frentex, com que nos tem vindo a habituar, ou pelas expressões faciais, que fazem lembrar um serial killer, que se multiplicam ao longo da linha lateral durante os jogos das suas equipas. A verdade é que Jürgen Klopp é muito mais do que isso. É um homem corajoso que não se importa de sair da caixa para defender as suas ideias. Mesmo que os próprios colegas de equipa técnica o chamem maluco. Não é que o homem pegou na equipa do FSV Mainz e levou toda a gente para um lago na Suécia. Lá chegados, disse aos seus jogadores que não havia comida (!!!) e que durante os próximos dias teriam de pescar os próprios alimentos! Aconteceu mesmo.

Klopp tinha um objetivo: provar aos seus jogadores, que estavam prestes a participar na primeira liga alemã pela primeira vez nas suas vidas, que não havia nada a temer e que não há nada, por muito difícil que possa parecer à primeira vista, que não seja superável. E que melhor forma de o fazer que não levar os jogadores e staff técnico para um sítio remoto, sem eletricidade e sem comida? Obrigou os jogadores a trabalharem em equipa para conseguirem aquecimento e tiveram de trabalhar em conjunto para superarem a falta de alimentos. Treinar? Não. Correr? Também não. Vamos nadar para pescar. Disse Klopp a um dos membros da equipa técnica que não estava a acreditar no que se estava a passar.

Mas como foram Klopp e os seus jogadores ali parar, àquele lago na Suécia?

Para perceber é preciso recuar no tempo. Até aos anos em que o jovem Jürgen aprendeu com o pai que no desporto de alta competição ou se é o melhor ou então não vale a pena. Numa entrevista ao jornal alemão “Zeit”, Jürgen Klopp revelou que não havia desporto em que o seu pai não lhe desse uma “tareia”. “O meu pai, o senhor Norbert, não tinha piedade nenhuma de mim. Quando íamos fazer ski eu só vi o anorak vermelho dele lá bem ao fundo. Nunca esperava por mim. Quando jogávamos ténis ganhava-me sempre por 6-0/6-0 e eu perguntava-lhe: ‘achas que me divirto assim?’ e ele respondia: ‘achas que me divirto assim?’”

O jovem Klopp cresceu a adorar o “seu” VfB Estugarda e a admirar Karlheinz Förster, um defesa-central pouco elegante, mas muito dedicado e inteligente na abordagem que tinha aos lances. Estas sempre foram, aliás, qualidades que acompanharam Jürgen Klopp na sua carreira de jogador, também ele um central intratável, mas de pouca qualidade técnica, algo que nunca atrapalhou Klopp. “Para mim”, chegou a dizer o atual treinador do Liverpool FC, “atitude é muito mais importante do que o talento.”

Foi no FSV Mainz que fez toda a sua carreira de jogador profissional. Começou em 1990 e decidiu pendurar as botas em 2000/01 para salvar um clube que militava na segunda liga alemã, que nunca tinha chegado à primeira e que estava a caminhar a passos largos para a terceira. Então com 33 anos e a jogar pouco, o central, sempre muito consciente da sua realidade e da realidade que o rodeava, decidiu propor à direção que lhe dessem a oportunidade de tentar salvar a equipa da despromoção. Deixava de ser jogador para passar a ser treinador. “Entrei de cabeça numa missão suicida sem me aperceber. Apenas anos mais tarde dei conta do que tinha feito”, disse Klopp citado pelo “Mirror”.

Klopp agarrou a equipa em fevereiro de 2001 com o objetivo de fugir dos últimos lugares e evitar uma despromoção que colocaria o futuro do clube em perigo. “Eu não tinha experiência nenhuma como treinador, mas estava tão excitado com a possibilidade de me tornar treinador que nunca pensei que poderia vir a ser despedido”, recordou Klopp ao “Mirror”. “Se eu não tenho conseguido manter o FSV Mainz na segunda liga e tivesse sido despedido, a minha carreira de treinador tinha acabado à nascença. Nunca mais ninguém me daria uma segunda oportunidade”, explicou o treinador que guiou o Borussia Dortmund a um bi-campeonato.

A verdade é que as coisas resolveram-se e o FSV Mainz terminou a época em 14.º lugar, uma posição e três pontos acima da linha de despromoção.

As três épocas que se seguiram foram dignas de um guião hoollywoodesco. Em 2001/02, Jürgen Klopp e os seus rapazes ficaram em quarto lugar a apenas um ponto da subida à Bundesliga. Quem diria que a equipa que um ano antes se viu condenada à descida à terceira liga esteve tão perto do sonho de chegar ao escalão maior do futebol alemão. Mas foi isso que aconteceu. No ano seguinte, temporada 2002/03, o cenário foi ainda mais dramático: o FSV Mainz, de Klopp, falhou o acesso à Bundesliga por apenas um golo. Pois foi. Mainz e Eintracht Frankfurt terminaram o campeonato empatados com 62 pontos. Subiu a equipa de Frankfurt com uma diferença positiva, de golos, de 26, contra 25 do Mainz.

Mas Klopp e a sua equipa não desistiram. Não se deixaram abater por estes dois golpes duríssimos e perseveraram. Acreditaram que o seu tempo haveria de chegar...e chegou, na temporada seguinte. Em 2003/04, Klopp levou o FSV Mainz ao terceiro lugar e à consequente subida à Bundesliga, a primeira vez na história do clube da Renânia.

E é aqui que entra o lago na Suécia, as cabanas sem eletricidade e a necessidade de ir à pesca para saciar a fome. Jürgen Klopp queria demonstrar aos seus jogadores que todos os obstáculos são ultrapassáveis. “Se eu passar cinco noite a dormir sobre raízes de árvores, a fazer fogo para me aquecer a mim e ferver água e se tiver alimento porque o fui pescar ao lago, com as minhas mãos e a ajuda dos meus companheiros, então não há nada que me meta medo...nem uma equipa da Bundesliga”, explicou o técnico que vai defrontar, na quarta-feira, o FC Porto.

 

Mas quem inspira este treinador que tem tanto de carisma como de incontrolável - pelo menos assim fazem crer as expressões de serial killer com que nos brinda em todos os jogos junto à linha lateral? Wolfgang Frank, é o nome que procura. O treinador alemão, já falecido, cruzou-se com Jürgen Klopp, no FSV Mainz, entre 1995 e 1997 e desde então que o, agora, treinador do Liverpool FC usa o que aprendeu com Wolfgang back in the days.

Foi com Wolfgang Frank que Jürgen Klopp aprendeu que, no futebol, não há adversários imbatíveis, “mesmo que eles joguem melhor do que nós”. O espírito de equipa e de compromisso entre o plantel pode chegar para vencer qualquer conjunto da Bundesliga e foi nisso que pensou Klopp quando levou os seus jogadores para o lago sueco. Mas há mais sobre Wolfgang Frank. Segundo Klopp, foi depois da chegada do referido treinador, que o FSV Mainz passou a ganhar mais jogos. E fora a componente psicológica, Frank trouxe uma inovação ao futebol da equipa.

“Foi ele que trouxe o 4x4x2”, lembrou Jürgen Klopp ao canal de televisão inglês, “Sky Sports”. “Ele impôs uma linha defensiva de quatro”, abolindo a posição de líbero que marcou uma era no futebol alemão com Franz Beckenbauer como ícone, “foi desde esse momento que começámos a jogar muito melhor e a ambicionar voos mais altos”, revelou Klopp.

Depois de sete anos, repletos de sucessos, à frente do FSV mainz, Jürgen Klopp não resistiu ao chamamento do Borussia Dortmund para época 2008/09. Um clube que havia sido campeão alemão apenas em três ocasiões e que não festejava o título desde 2002. Klopp viria a colocar um ponto final e conseguiu vencer dois campeonatos consecutivos, em 2010/11 e 2011/12. Mas não foram só os títulos a marca de Klopp no clube de Dortmund. O irreverente treinador colocou a equipa a jogar bom futebol e chegou a ser considerado como um dos melhores estilos. Intensidade máxima e uma constante procura pela baliza adversária.

É esta a filosofia, aliás, que tem tentado implementar no Liverpool FC desde que chegou à Premier League, em 2015. As coisas nem sempre têm corrido da melhor forma para o treinador alemão, muitas vezes criticado por descurar o aspeto defensivo da equipa que continua a não conseguir lutar com Manchester City e Chelsea na luta pelos títulos maiores do futebol inglês. E é esta a matriz para a qual o FC Porto tem de se preparar. O encontro entre portugueses e ingleses é já quarta-feira. Em jogo está a continuidade na Liga dos Campeões.