Gareth Southgate colocou a Inglaterra no século XXI com a influência do basket e do futebol americano.
Allan Russell. O nome diz lhe pouco? Não se aflija, é normal. Allan Russell não é sequer inglês, mas desde que começou o campeonato do Mundo que vai sendo disputado na Rússia tem-se assumido como um dos membros mais importantes da comitiva inglesa na competição. Não. Allan Russell não joga. Quanto muito, faz jogar e se Inglaterra mostrou frente à Tunísia e, em especial, frente ao Panamá, um conjunto de rotinas imaginativas no que aos esquemas táticos diz respeito, em muito isso se deve ao escocês Allan Russell, o grande responsável pelo desenho das bolas paradas ofensivas de Inglaterra desde 2017. A Allan Russell e aos Minnesotta Timberwolves.
Quatro dos oito golos apontados por Inglaterra no Campeonato do Mundo que vai sendo disputado na Rússia surgiram de lances nascidos de livres ou cantos. A melhoria é significativa face ao habitual e é sintomático da importância dada pela equipa de Inglaterra aos lances de bola parada para este torneio. Inglaterra chegou à Rússia com o último golo marcado a partir de um lance de bola parada numa grande competição de seleções a remontar já ao Mundial 2010 quando Matthew Upson cabeceou um canto de Gerrard para golo no polémico encontro frente à Alemanha que terminou com o triunfo germânico por 4-1. Além disso, no Rússia 2018, sete dos dez cantos já apontados por Inglaterra terminaram com uma oportunidade de golo. A melhoria em muito está relacionada com a chegada de Allan Russell à equipa técnica inglesa e pela influência que o mesmo foi beber ao basketball na altura de desenhar esquemas táticos.
Apesar de Steve Holland, adjunto de Gareth Southgate na seleção inglesa, há muito ser considerado um dos especialistas do país no treino das bolas paradas desde os tempos em que trabalhou no Chelsea, é a Allan Russell que Southgate credita a evolução da equipa inglesa na marcação de lances de bola parada. “O Allan tem dedicado cada vez mais tempo às bolas paradas. Identificámo-las como um fator decisivo nos grandes torneios e um indicador no qual precisávamos melhorar. Ajuda que tenhamos jogadores que marcam muito bem bolas paradas e que haja quem as ataque, claro, e nós temos isso. Temos dedicado bastante tempo de treino às bolas paradas e frente ao Panamá deixámo-los desconfortáveis desde o primeiro minuto. Não importa quanto consigas controlar um jogo ofensiva e defensivamente, as bolas paradas serão sempre de extrema importâncias”, explicou Southgate após o encontro frente ao Panamá.
Nascido em Glasgow há 37 anos, Allan Russell esteve longe de ter uma carreira de alto nível enquanto jogador. O agora técnico da seleção inglesa passou por clubes secundários na Escócia, bem como pelas divisões secundárias de Inglaterra enquanto jogador e foi quando terminou a carreira pelos Estados Unidos que a influência do basketball o tornou um especialista das bolas paradas ofensivas ao testemunhar em primeira mão como o mesmo influenciava a forma de trabalhar dos técnicos norte americanos. “Todos somos jogadores de elite portanto o Allan não nos chateia com questões técnicas ou como devemos rematar uma bola. O segredo está nos detalhes que nos podem dar uma pequena vantagem. Ele desenha os lances de bola parada ofensiva, o que tem corrido muito bem até agora. Trabalhamo-las muito nos treinos. Todo o pequeno pormenor ajuda numa competição como é o Campeonato do Mundo”, confessou também Harry Kane.
“Durante a minha carreira de jogador senti que os avançados nunca era treinados e orientados com o nível de detalhe que deviam. Quando cheguei à América, porém, é que percebi o nível de detalhe que existia nos treinos da NFL que permite tirar nem que seja 1% a mais. É incrível. Retirei muita influência disso para o meu trabalho atual”, explicou o próprio Allan Russell, também creditado pela evolução de Wilfried Zaha na temporada passada devido ao trabalho a nível individual que tem feito com o jogador do Crystal Palace.
O basketball não foi o único desporto estudado pela seleção inglesa para atacar o Campeonato do Mundo 2018. Também o futebol americano mereceu uma atenção especial por parte de Southgate que recentemente visitou treinos dos Seattle Seahawks, assistiu ao vivo às duas últimas Super Bowls e teve reuniões com vários especialistas em rotinas ofensivas da NFL e da NBA de forma a tentar entender de que forma seria possível replicar tendências dos desportos norte americanos no futebol europeu, com especial incidências nos bloqueios e na libertação de espaços em zonas congestionadas como é habitual, por exemplo, em situações de final de período/jogo de um encontro de basketball. Darren Fletcher, reputado jornalista inglês, escreveu mesmo há dias no Nottingham Post acerca de uma ida de Southgate a Minnesota para ver um jogo dos Timberwolves e estudar de perto uma equipa da NBA, relatando ainda uma reunião com Glen Taylor para discussão dos bloqueios e criação de espaços.
Mesmo que Inglaterra não vá longe no Campeonato do Mundo apesar das duas vitórias já alcançadas em dois jogos na fase de grupos, uma coisa é certa: Southgate colocou a seleção inglesa no século XXI, não se limitando a dogmas futebolísticos, procurando influência em outros desportos como os melhores treinadores do Mundo fazem. Só em 2018 Inglaterra já apontou quatro golos em dezasseis oportunidades de golo criadas a partir de situações de bola parada, tendo chegado à Rússia na sequência de zero golos em 72(!) oportunidades de golo criadas a partir de esquemas táticos. A melhoria é clara e Inglaterra já está a beneficiar disso. Nenhuma equipa marcou tantos golos no Rússia 2018 a partir de lances de bola parada quanto os ingleses.