Geração de 1997 alcança a sua segunda grande final, mas o caminho para o sucesso sénior é longo e nada linear
Inglaterra alcançou hoje a final do campeonato do Mundo de Sub-20 ao bater a Itália por 3-1 nas meias finais do torneio que vai sendo disputado na Coreia do Sul. O percurso de Inglaterra no escalão não é particularmente impressionante. Inglaterra alcança o Mundial 2017 depois de ter falhado a edição anterior, de 2015, na Nova Zelândia. Pior que isso, Inglaterra não vencia um jogo num Mundial Sub-20 desde 1997.
Seis jogos, cinco vitórias e um empate. Inglaterra partia para o Mundial Sub-20 da Coreia do Sul como uma das candidatas ao título e não desapontou. A vitória perante a Itália, hoje, coloca a seleção britânica na sua primeira final de um Mundial Sub-20. Mais que isso, coloca a Inglaterra na sua primeira final de uma competição a nível Mundial desde o Campeonato do Mundo senior que organizou, e venceu, em 1966.
Este é mais um ponto alto de uma estação Primavera/Verão especial para os Ingleses. Já em Maio deste ano, Inglaterra estivera numa final de uma competição de futebol jovem quando, na Croácia, só o desempate por grandes penalidades evitou novo título europeu Sub-17 para os ingleses. Nunca Inglaterra colocara tantas equipas em fases finais de competição de seleções como esta temporada. Em 2017, Inglaterra coloca equipas nas fases finais dos europeus Sub-17, Sub-19 e Sub-21, além, claro está, do escalão Sub-20 que vai competindo no campeonato do mundo respetivo.
A reorganização do futebol inglês nos últimos anos começa assim a dar os seus frutos. Dan Ashworth, diretor técnico para o desenvolvimento do futebol jovem inglês, congratula-se mas não entra em euforias. “Os resultados têm sido verdadeiramente positivos e justificam todo o trabalho árduo do nosso staff, sejam treinadores, observadores, analistas, técnicos desportivos, médicos e todas as outras pessoas envolvidas. É uma grande recompensa”, confessa.
Dan Ashworth é o principal rosto da evolução do futebol inglês. O antigo diretor da academia do West Bromwich Albion, é o responsável pela reorganização do futebol inglês e o promotor dos planos da federação inglesa para, em conjunto com clubes e comunidade locais, dar outro rumo ao futebol do país, aproximando as seleções nacionais do sucesso. Algo que, nos últimos anos, já sabemos, não tem acontecido com Inglaterra a surgir quase sempre como uma das favoritas mas acabando por desapontar nas fases finais dos torneios em que participa. “Era excelente conseguirmos vencer uma das competições jovens deste ano, mas o futebol jovem não se trata somente de vencer”, alerta. “A nossa equipa Sub-17 venceu o campeonato europeu anteriormente e esse sucesso nem sempre se alastrou à equipa sénior. Não podemos dizer que tudo o que fizemos até agora foi perfeito”.
2010, uma geração desaproveitada
Em 2010, no Liechsteinstein, Inglaterra sagrava-se campeã europeia Sub-17 ao vencer a Espanha por 2-1. Sete anos volvidos, contam-se pelos dedos os jogadores dessa equipa que contam já com participações na Premier League e, menos são, ainda, aqueles que chegaram à equipa sénior do país. Pior, nenhum é hoje titular na equipa de Gareth Southgate. Ross Barkley do Everton e Jack Butland do Stoke são já chamados regularmente para a equipa sénior, mas só este ano, Ben Gibson, por exemplo, chegou à Premier League e à seleção sénior. A esmagadora maioria da equipa convocada em 2010, porém, continua afundada nas equipas secundárias dos grandes clubes ou disputam as divisões inferiores de Inglaterra.
As palavras de Dan Ashworth encerram, por isso, um alerta aos jovens que hoje disputam o campeonato do mundo Sub-20. Afinal, esta foi a base que conquistou o título europeu Sub-17 de 2014 em Malta. “As estatísticas mostram que as equipas que vencem a nível sénior, venceram ao nível jovem. É certo que nunca conseguimos chegar às fases a eliminar das grandes competições de forma consistente, mas o facto de termos tantas equipas jovens qualificadas para torneios internacionais dá-nos margem por onde trabalhar. Fizemos história este ano com o número de equipas qualificadas e acreditamos que a experiência competitiva de jogar em fases finais de europeus e mundiais é de um valor incalculável para o desenvolvimento dos jogadores e isso ajudará aquando da chegada ao escalão sénior”, oferece ao site da federação um orgulhoso Dan Ashworth.
Uma nova geração de Ouro à vista?
Para a geração de 1997, esta é a segunda final de uma grande competição alcançada, tendo ainda chegado à meia final do campeonato europeu Sub-19 de 2016 na qual caiu aos pés da seleção italiana que, hoje, eliminou no campeonato do Mundo Sub-20. Para muitos ingleses e especialistas de futebol jovem, está a surgir no país uma geração de Ouro que poderá catapultar Inglaterra definitivamente para o sucesso internacional a nível sénior.
“Sem dúvida este é um grupo de jovens jogadores entusiasmante. São um grupo de jogadores talentosos, especialmente os naturais do Merseyside [Jonjoe Kenny, Ademola Lookman, Dominc Calvert-Lewin, Callum Connoly, Kieran Dowell, Dominic Solanke, Sheyi Ojo e Ovie Ejaria] e o Lewis Cook, do Bournemouth, é um jogador muito inteligente”, conta ao Bancada, Ben Fisher, jornalista do The Guardian que acompanha a prestação dos jovens ingleses no Mundial Sub-20. “Há muito entusiasmo no país à volta de Cook, Lookman e Solanke”, acrescenta.
Ainda assim, e mesmo tendo em conta os bons resultados e maturidade apresentada em campo pela equipa de Paul Simpson, Ben Fisher é cauteloso. “Frases como Geração de Ouro ou Jogadores Especiais irão ser muito utilizadas, principalmente se Inglaterra vencer a Venezuela no Domingo, mas é preciso cautela. É importante não elevar em demasia os jogadores nem lhes colocar tantas expetativas em cima, para o seu próprio bem”, adverte. “Há uma grande probabilidade de que o seu desenvolvimento seja atrasado dada a relutância dos grandes clubes em dar os minutos necessários e esse é o grande teste que enfrentarão a partir de agora”, acrescenta o jornalista do Guardian.
Fisher preconiza que serão os atletas do Everton os que, neste momento, enfrentam um futuro mais promissor. “Felizmente, os atletas do Everton, particularmente Jonjoe Kenny e Ademola Lookman, deverão ter muitos minutos de primeira equipa na próxima época e historicamente o Everton é um clube que oferece espaço aos seus jovens jogadores. Nomes como Ojo, Solanke, Maitland-Niles e Woodman serão os casos mais intrigantes de seguir nos próximos anos”, conta-nos.
O DNA Inglês
Após a péssima prestação da equipa sénior inglesa no Mundial de futebol brasileiro de 2014, Dan Ashworth apresentou um documento denominado de “DNA Inglês” onde reforça a necessidade de ser estabelecido, ao nível interno mas global, uma identidade desportiva associada à seleção inglesa. Em entrevistas anteriores, Ashworth já havia referenciado que a federação inglesa trabalhava no sentido de homogeneizar a forma de trabalhar de todos os escalões, expandindo isso até às academias locais e dos próprios clubes – algo que permitiu a que países como Espanha, Alemanha e Bélgica dessem um salto qualitativo significativo nos últimos anos -, com o manifesto “DNA Inglês” a reiterar esses desejos. No mesmo, nem lições de história acerca do que é vestir a camisola inglesa faltam.
Tudo na forma de trabalhar, viajar e treinar é agora transversal a todos os escalões do futebol inglês ao nível de seleções. “Só o tamanho da camisola muda”, garante e nem pulseiras interativas, em que os jovens fazem downloads de vídeos e instruções técnicas, mesmo quando não estão em trabalho de seleções, faltam. Tudo isto, para que em 2020 Inglaterra alcance a meia final do campeonato europeu e, dois anos mais tarde, se sagre campeã mundial. Estes são, aliás, desde há algum tempo, os objetivos da federação inglesa e toda a forma de trabalhar da FA é nesse sentido.
Ao longo de 11 páginas, Dan Ashworth responde a duas questões essenciais: “Quem é Inglaterra” e “Como joga Inglaterra”. De forma a oferecer mais internacionalizações e maior competitividade aos jovens jogadores ingleses, a federação criou dois novos escalões, os Sub-15 e os Sub-18, obrigando-se a defrontar adversários de maior capacidade e qualidade.
Pilar para o sucesso recente da federação e escalões jovens ingleses é o centro de estágios St. George’s Park. Inaugurado em Burton, em 2012, o complexo assume-se como o quartel general do futebol inglês, uma verdadeira cidade do futebol, onde toda a estratégia do futebol do país é delineado. Ben Fisher garante-nos que o programa de Dan Ashworth foi controverso, mas que St. George’s Park parece estar realmente a dar frutos. “É o quartel general de todos os escalões da federação. Imensos jogadores e treinadores já confirmaram tratar-se de uma excelente ideia”.